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21/05/2013

A droga de cada um


A droga de cada um

Denis Russo Burgierman

Todo mundo tem a sua droga. A da minha mãe, por exemplo, é a endorfina, nome que é uma abreviação de “endo-morfina”, ou “morfina interior”. A endorfina é um opióide, ou seja, uma droga da mesma classe do ópio e da heroína. Os opióides agem como desentupidores nas sinapses do cérebro: eles abrem os caminhos pelos quais a dopamina flui. E a dopamina é a mãe de todas as recompensas: aquela sensação gostosa, aconchegante, de bem estar, que chamamos de prazer. É a dopamina que nos dá aquele gosto doce que acaba formando hábitos. É ela, também, que, quando algo sai do controle, causa a dependência.
Minha mãe busca a dopamina dela de maneira saudável, correndo pelas ruas e pelos parques de São Paulo, subindo em pódios com medalhas douradas no pescoço – exercício físico faz o corpo produzir endorfina. Há quem busque o prazer em outras coisas. Glutões produzem dopamina quando se empanturram. Yogues produzem quando respiram profundamente. Jogadores vão em busca dela na emoção das apostas do bingo ou do carteado. Futebol, chope, sexo, novela, dança, festa, trabalho, cinema – tudo aquilo que tem o potencial de dar prazer pode estimular a produção de dopamina. Inclusive drogas, como álcool, tabaco, nicotina, açúcar, maconha, cocaína, heroína.
Ontem participei da entrevista com o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, no programa Roda Viva, da TV Cultura. Laranjeira é um médico-político, bem conectado com o poder, recebedor de farto financiamento público, com larga experiência em dependência, defensor radical da Guerra Contra as Drogas. Colegas de Laranjeira no mundo acadêmico já haviam me advertido que a droga dele é o poder. É a sensação de mandar nos outros aquilo que ativa seu sistema dopamínico.
A entrevista foi bem frustrante para mim. Laranjeira tomou a palavra e falou sem parar, sem dar atenção às perguntas que lhe faziam. Citou uma série de dados inventados, como a informação de que todos os países desenvolvidos estão abandonando as políticas de redução de danos – basicamente o contrário da realidade, já que há uma clara tendência no sentido contrário, até mesmo nos Estados Unidos.
Num dos intervalos do programa, uma das entrevistadoras, a especialista em segurança pública Ilona Szabo, deu uma bronca no entrevistado fora do ar, criticando a forma irresponsável como ele manipulava os dados. Laranjeira virou agressivamente sua cadeira para ela, aumentou o volume da voz, e brandiu o argumento da autoridade: “cresça e apareça, menina. Quem é você? Eu tenho 30 anos de experiência nisso”. Ilona respondeu tranquila: “eu trabalho com gente que tem o dobro de sua idade e que teve a humildade de mudar de ideia. Você pode mudar também.”
Aos 34 anos, Ilona é coordenadora do secretariado da Comissão Global de Políticas sobre Drogas, o órgão internacional cujo presidente é Fernando Henrique Cardoso (81 anos) e que tem entre seus membros gente como o ex-presidente do banco central americano Paul Volcker (85) e o ex-secretário de Estado dos EUA George Schultz (92), braços direito e esquerdo do ex-presidente Ronald Reagan, principal comandante da Guerra Contra as Drogas na década de 80. O objetivo da Comissão é acabar com a guerra e buscar soluções mais pacíficas e racionais para evitar que nosso apetite natural por dopamina nos destrua.
Nos anos 1980 e 90, FHC, Volcker, Schultz e Reagan eram generais da Guerra Contra as Drogas. Laranjeira, naquele tempo, era um soldado raso, talvez um jovem oficial dedicado a dar alguma sustentação científica para a ofensiva militar. Hoje os generais não apenas estão cansados de lutar mas pedem desculpas pelos erros do passado: eles reconhecem que a guerra foi um equívoco.
Mas o soldado Laranjeira quer continuar lutando. Afinal, ele não está preocupado em saber se a guerra dá certo ou não. O que ele quer é poder – e, consequentemente, dopamina. No fundo, ele sabe que a guerra é inútil, mas sabe também que, se ela acabar, ele perde poder. Ele é dependente de poder.
Denis Russo BurgiermanDenis Russo Burgierman
Diretor de redação da Superinteressante. Escreveu o livro O Fim da Guerra, sobre o futuro das políticas de drogas, participa da comunidade TED, dá aulas na Eise (Escola de Inovação em Serviços) e é membro da Rede Pense Livre – Por Uma Política de Drogas que Funcione. Pedala entre uma coisa e outra. 

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DSM 5 - O que mudou no diagnostico da Dependência Química

DSM 5 - O que mudou no diagnostico da Dependência Química

por Thiago Marques Fidalgo

Acontece agora, de 18 a 22 de maio, em São Francisco, o 166 Encontro Anual da Associação Psiquiátrica Americana. Nesse evento ocorre o lançamento da quinta edição do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês). Essa nova edição traz uma profunda revisão dos critérios diagnósticos dos transtornos mentais.

A dependência de substâncias sofreu importantes modificações. Em primeiro lugar, a dicotomia entre os diagnóstico de abuso e de dependência de substâncias deixou de existir. Alem disso, a história de problemas com a lei em decorrência do uso de substâncias não faz mais parte dos 11 critérios diagnósticos. Em seu lugar, entrou a presença de fissura (craving).

Assim, pela nova classificação, o paciente pode ter os seguintes diagnósticos:

- dependência leve - presença de dois ou três dos onze critérios por um período de um ano

- dependência moderada - presença de quatro ou cinco dos onze critérios por um período de um ano

- dependência grave - presença de mais de seis dos onze critérios por um período de um ano

Os 11 critérios são:

- uso em quantidades maiores ou por mais tempo que o planejado
- desejo persistente ou incapacidade de controlar o desejo
- gasto importante de tempo em atividades para obter a substância
- fissura importante
- deixar de desempenhar atividades sociais, ocupacionais ou familiares devido ao uso
- continuar o uso apesar de apresentar problemas sociais ou interpessoais
- restrição do repertório de vida em função do uso 
- manutenção do uso apesar de prejuízos físicos
- uso em situações de exposição a risco
- tolerância
- abstinência

Além disso, outra novidade foi a inclusão da síndrome de abstinência de maconha e de cafeína entre os transtornos induzidos pelo uso de substâncias.

O impacto dessas mudanças para a saúde pública, para as novas pesquisas e para os novos tratamentos só poderá ser avaliado nos próximos anos, à medida em que esses novos critérios forem colocados em prática.

20/05/2013

Nova 'bíblia da psiquiatria' vem aí. E, com ela, mais doenças


Nova 'bíblia da psiquiatria' vem aí. E, com ela, mais doenças

A Associação Americana de Psiquiatria está prestes a publicar a nova versão do DSM, o 'Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais', livro conhecido como a "bíblia da psiquiatria". Com ele, são criadas novas doenças e ressurgem velhos temores de mais epidemias de transtornos mentais.

Psiquiatria: com a publicação do DSM-5, o luto passará a ser considerado como um sintoma da depressão. Com isso, volta o debate sobre o que são os sentimentos naturais do homem e o que é uma doença mental
Psiquiatria: com a publicação do DSM-5, o luto passará a ser considerado como um sintoma da depressão. Com isso, volta o debate sobre o que são os sentimentos naturais do homem e o que é uma doença mental (Thinkstock)

A partir do próximo final de semana, algumas coisas na psiquiatria vão mudar — durante o encontro anual da Associação Americana de Psiquiatria (APA, sigla em inglês), será divulgada a nova edição do manual que define os critérios para diagnóstico de todos os transtornos mentais classificados pela entidade. Conhecido como a "bíblia da psiquiatria", esse documento é resultado de uma década de debates entre 1.500 especialistas e de um compilado de novas descobertas feitas desde a publicação da última versão revisada do manual, há 13 anos. Esta será a quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, sigla em inglês para Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders). A primeira versão do documento, o DSM-I, foi publicada em 1952, e a mais recente, o DSM-IV, saiu pela primeira vez em 1994 e foi atualizada em 2000. 
A importância do DSM é gigantesca. Apesar de ser feito por um entidade americana, ele é influente em todo o mundo. É nele que a Organização Mundial da Saúde (OMS) se baseia para classificar os transtornos psiquiátricos presentes na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, o CID, adotado pela maioria dos países, inclusive o Brasil. "O DSM é frequentemente utilizado por médicos brasileiros para que eles façam um diagnóstico, principamente médicos de entidades universitárias. Na área de pesquisa, o DSM é a principal referência", diz Teng Chei Tung, médico do Instituto de Psiquiatria da USP. Ou seja, qualquer mudança no DSM é refletida em consultórios, hospitais, clínicas e laboratórios do mundo inteiro.
Com a nova versão do documento, a psiquiatria ganhará algumas novas doenças que não eram listadas anteriormente e também sofrerá mudanças importantes em condições como a depressão e o autismo. E como consequência natural dessas mudanças, reacende-se o debate sobre qual é, de fato, o limite entre o comportamento humano normal e os sintomas de uma doença psiquiátrica que precisa ser tratada com remédios. E sobre quais são as consequências da criação de mais diagnóstico que acusam uma doença mental.

Novas doenças — Uma das mudanças que estarão presentes no novo manual é a criação de um novo diagnóstico para crianças que têm humor instável, mas que não seguem todos os critérios para serem diagnosticadas com transtorno bipolar. Trata-se do "transtorno disruptivo de desregulação do humor", que pode ser apresentado por "crianças que apresentam irritabilidade persistente e episódios frequentes de surtos de comportamento três ou mais vezes por semana por mais de um ano."
A decisão de criar esse novo diagnóstico gerou muita discussão entre os psiquiatras. Por um lado, especialistas acreditam que o novo diagnóstico pode evitar que crianças com um determinado transtorno psiquiátrico deixem de ser identificadas e sejam privadas de receber tratamento. Ou então que sejam diagnosticadas de forma incorreta — o mais provável, neste caso, com o transtorno bipolar — e recebam medicamentos indevidos. Uma vez que a psiquiatria não é uma ciência exata, no entanto, é difícil determinar quais serão as consequências da criação de um novo diagnóstico — se ele vai ajudar a tratar pacientes que realmente precisavam ser tratados, ou então se vai desencadear uma epidemia artificial.
Para Rajiv Tandon, psiquiatra da Universidade da Flórida que participou do grupo que revisou os transtornos psicóticos para o DSM-5, a criação do diagnóstico do transtorno disruptivo de desregulação do humor é algo positivo. "A preocupação é que crianças com dificuldades para regular o seu humor sejam classificadas como bipolares. Essas crianças não são más, não são antissociais. Elas têm um distúrbio de humor que precisa de atenção", disse o médico ao site de VEJA. 

Um exemplo, porém, da falta de consenso entre os próprios psiquiatras é a opinião do psiquiatra Allen Frances, presidente da comissão que produziu o DSM-IV e um dos maiores críticos da nova versão do manual. Para ele, o novo diagnóstico "é uma ideia terrível que transforma a birra infantil em uma desordem mental e que pode aumentar o uso inapropriado de medicamentos", afirmou ao site de VEJA.


Excesso de diagnósticos? — É difícil precisar se o DSM, quando é republicado com um maior número de doenças, de fato desencadeia um aumento do número de diagnósticos psiquiátricos. E é mais difícil ainda dizer até que ponto tal aumento é positivo e quando ele passa a ser prejudicial. É só pensar no caso do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), que se tornou cada vez mais comum entre crianças nos últimos anos. Nos Estados Unidos, onde os dados sobre essa condição são constantemente atualizados, o número de crianças com TDAH no país aumentou 41% na última década, segundo dados divulgados em abril pelo Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC, sigla em inglês), órgão federal de saúde do país. Porém, é preciso lembrar, o último DSM foi publicado há quase 20 anos – ou seja, os critérios para diagnóstico dessa condição não muda desde então.
"Os números mostram que, no caso do TDAH, as taxas subiram por alguma outra razão que não tem a ver com o DSM. Pode ser que isso esteja relacionado à pressão das indústrias farmacêutica para vender mais remédios ou à pressão que os pais fazem para que seus filhos se saiam melhor na escola, por exemplo. Mas esse aumento também revela que casos de TDAH que não seriam reconhecidos agora são tratados, e que agora os médicos finalmente são capazes de diagnosticar uma criança com o problema", diz Michael First, psiquiatra da Universidade Columbia, em Nova York. "O lado ruim é que pode haver crianças normais que são normalmente hiperativas, mas que recebem o diagnóstico e passam a tomar remédios."

Diagnóstico impreciso — Talvez o grande responsável por todas as controvérsias que acompanham cada edição do DSM seja o próprio método de diagnóstico do manual, que, atualmente, é feito a partir do número e da duração de sintomas que um paciente apresenta. O problema desse sistema é o fato de ele não explicar o que, de fato, está acontecendo no organismo e no cérebro de um paciente que apresenta algum distúrbio. "É muito frustrante para nós vermos que as classificações do DSM, embora sejam muito úteis em comunicar aos pacientes sobre os transtornos, não vão longe o suficiente para nos ajudar a entender as doenças", diz Michael First.
Diante disso, o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH, sigla em inglês) criou, em 2009, o Projeto de Pesquisa em Domínio de Critérios (RDoc na sigla em inglês), programa que tem como objetivo de investir em novos estudos que possibilitem, no futuro, o diagnóstico psiquiátrico feito com base nos genes, nos circuitos cerebrais e nos biomarcadores — ou seja, nas causas biológicas das doenças, e não apenas nos sintomas. A ideia não é criar um concorrente ou um substituto para o DSM, mas sim produzir estudos cujos resultados ajudem a melhorar as futuras versões do manual.
Na opinião de First, que além de consultor do DSM-5, também trabalha como consultor do RDoc, passar a usar esses conhecimentos científicos na prática clínica pode diminuir as disputas em torno do DSM, mas não acabar com elas. "Qualquer sistema que tenha a ver com transtornos mentais vai levantar preocupações, pois isso envolve estigmatizar o comportamento das pessoas. O RDoc pode fazer com que o diagnóstico psiquiátrico seja mais objetivo, mas mesmo assim ele vai lidar com a mente e com o potencial de prejudicar as pessoas ao rotular algum problema como um distúrbio mental", diz.


Para ver este artigo completo pela Veja, clique aqui.

18/05/2013

O que acontece quando você sai do Facebook?


O que acontece quando você sai do Facebook?


POR CAROLINA CUNHA 
Em São Paulo

Foi com um esfuziante “I’m back bitches!” que Davisson Alves cumprimentou seus amigos no Facebook. O paulista que ficou mais de quatro meses longe da rede social acabara de retornar.
- Me fale do rehab, pergunto a Davisson, num café da rua Augusta.
É noite de segunda-feira e ele parece relaxado. Durante toda a conversa não colocou o celular na mesa uma única vez.
- Tudo começou com a pergunta: o que você precisa para ser feliz?, responde, entre um gole e outro de água.
Aos 31 anos, a blusa xadrez, o tênis all star, a barba por fazer e os óculos de aros pretos dão um efeito hispter em sua aparência. Davisson é um profissional de comunicação digital, mas não pode se gabar das cifras que acompanham o setor. Ele trabalha numa ONG.
A dúvida metafísica [o que você precisa pra ser feliz?] que pipocou no seu Facebook era um convite para participar do projeto 100 Face, que buscava 100 voluntários para a experiência de 100 dias sem acesso à rede social. “Sem likes, sem shares, sem comentários, sem publicar fotos, sem enquetes, sem grupos, sem inbox pros amigos ou attend em festinhas. Ah, sem joguinhos, sem feed de sites, sem promos, sem concursos culturais. Totalmente 100FACE, você aguenta?”, dizia a mensagem para os voluntários.
Davisson tinha quase certeza que não. Toda vez que ligava o computador, no trabalho ou em casa, a primeira coisa que fazia era abrir o Facebook. Em segundos, ficava absorto pela vastidão da rede, clicando numa informação atrás da outra. Parabenizar o aniversário de amigo, compartilhar uma piada, curtir uma foto ou descobrir os segredos de seu alvo amoroso parecia mais importante do que qualquer outra coisa. Quando atualizava seu status, esperava com expectativa alguns comentários.
“Comecei a perceber que o uso da rede me deixava muito ansioso. Eu dava F5 o tempo todo. Era como se fosse uma droga. Em qualquer momento de ócio era para o Facebook que eu ia”.
Para Davisson, terminar o check-list de tarefas pessoais estava ficando impossível. A rede social alimentava o hábito da procrastinação, a mania de deixar tudo para depois. Ao final do dia, a sensação de nunca terminar nada o deixava frustrado. “Conclui que precisava aplicar este tempo de alguma outra forma na minha vida”.
Antes que o apocalipse chegasse, Davisson decidiu agir. O primeiro passo foi jogar na lixeira o aplicativo da rede social do celular 3G. Mark Zuckerberg, o mandachuva do Facebookestima que 23% do tempo dos usuários de smartphones são gastos na rede social. Para quem busca parar, o aplicativo sempre à palma da mão é semelhante ao fumante que tem como vizinho uma loja de conveniência 24 horas.
Países como China, Coreia do Sul e Taiwan já reconhecem o vício na internet e no Facebook como uma doença psicológica – de fato, nossa atenção coletiva desde 2000 já foi reduzida em 40%.
Mas agora Davisson tinha um motivo para sair do playground. E no dia 23 de setembro de 2012 avisou a todos que faria um facebookcídio temporário. Na verdade, tinha esperanças de nunca mais voltar.
100 Facebook

STATUS: OFFLINE

“O que vou fazer no computador sem acessar o Facebook?”.  No primeiro dia da experiência, Davisson sentiu uma sensação de perda. “A impressão é que você está procurando alguma coisa, mas você não sabe muito bem o que é”, lembra.
Ele procurou preencher o vazio fingindo a si mesmo que estava ocupado demais para navegar. Voltou a praticar antigos hobbies, como desenhar à mão, ver filmes, ler livros. Na mudança de hábito, o celular voltou a ser sua principal ferramenta de contato com o mundo exterior. No trabalho, a atenção melhorou, mas ele não se tornou exatamente um Gênio da Produtividade.
A vida social seguiu sem traumas. Apenas os amigos mais íntimos o convidavam para eventos e confraternizações. O que antes chegava no inbox do Face, agora vinha por e-mail. “Senti que apenas as pessoas mais próximas tiveram essa preocupação de me informar alguma coisa”, diz.
Alguns bate-papos ficaram até mais chatos e perigosos, com uma leve pitada de bullying. Em reuniões nos bares, era comum o assunto da mesa ser alguma polêmica ou o último meme que fez sucesso no Facebook. “Todo mundo me olhava com aquela cara meio de dó. ‘Ah… você não está no Face né?’ Eu me senti super excluído”.
Davisson até começou a dar conselhos sobre a rede. Certa vez, uma amiga desabafou com ele sobre a inveja que tinha das pessoas do Facebook. Todas pareciam muito felizes com seus casamentos e filhos perfeitos. O conselho de Davisson veio por experiência própria.
“Sabe quando você pensa assim: o que eu preciso fazer para ser igual a fulano? Eu já me fiz este questionamento. No Face, você vê pessoas indo nos melhores lugares, andando com as pessoas mais legais. Aí você pensa: gente, o quanto disso é real? Será que essa pessoa é tão autoconfiante assim? Será que ela é tão amável assim? Aí você reflete. Não. Ela é que nem eu e também tem seus dias bons e ruins”.
Ao final dos 100 dias, alguns participantes desistiram no meio do caminho, e a maioria voltou para o Facebook. Um usuário reclamou que o mais difícil foi passar a data de aniversário sem receber parabéns de alguns amigos.
No caso de Davisson, a volta pra o Facebook surgiu pela necessidade profissional. A decisão foi tomada depois de assistir a uma palestra sobre o mercado de trabalho criativo que indicava que a rede era o melhor local para contatos profissionais. Hoje ele acorda e acessa o Facebook uma única vez.

O CAMINHO DO MEIO

Sem a angústia de antes, Davisson consegue reavaliar sua relação com o Facebook. “Na realidade, eu acho que era uma forma de tentar me abstrair, como um divertimento, mas na realidade, só me causava ansiedade. Por mais que eu seguisse pessoas e marcas que eu achava interessantes, o que era postado ali era muito superficial”.
Para evitar a velha rotina, estabeleceu algumas regras, ou como ele diz, “fiz um acordo interno”. Não acessa a rede em feriados e finais de semana, exceto em alguma emergência. Durante a semana, limita seus acessos a uma vez por dia, seja no celular ou no computador. Se ele se preocupa em perder a piada do momento ou a notícia mais importante do dia? “Se for importante, ela vai se repetir na rede” ensina.
Agora que voltou, Davisson precisou se acostumar com as novidades. O maior susto foi quando viu a quantidade de publicidade exibida na timeline. “O Facebook virou um mercado, uma briga de venda de conteúdo”, analisa ele, que cita como incômodo o número de anúncios de aplicativos em sua timeline.
Apesar de tudo, ele passou a pensar melhor no que escrever na rede. “Foi bem produtivo este tempo fora. Sinto que consegui focar em coisas que queria. Hoje vejo que tem muita informação ali importante e que me interessa. Mas em contrapartida, a quantidade de informação irrelevante e sem sentido… Acho que é uma forma de prisão. É o estar por estar. É dar like por dar like. É o seguir por seguir”, diz ele, que menos ansioso, agora busca seguir o planejado: usar a rede de forma mais consciente.
E a tal felicidade? “Em vez de deixar a rede me dominar, eu que sou o usuário é quem tem que dizer o momento certo de usar, e não ao contrário. Não vou deixar você me dominar”.

15/05/2013

O problema não está no crack – está na alma


O problema não está no crack – está na alma

Denis Russo Burgierman


De cada 100 pessoas que experimentam crack, algo em torno de 20 tornam-se dependentes. É um número assustador, preocupante, claro, mas é importante notar uma coisa: é a minoria. O crack é mais viciante que a maconha (9%), menos do que o tabaco (32%, a taxa mais alta entre as drogas). Mas a grande questão é a seguinte: o que faz com que algumas pessoas que experimentam as drogas fiquem dependentes e outras não?
Segundo o médico húngaro-canadense Gabor Maté, a resposta é simples: as pessoas que se afundam nas drogas são as mais frágeis. Gabor é um dos especialistas mais respeitados do mundo em dependência e esteve no Brasil esta semana. Sua palestra, no Congresso Internacional sobre Drogas que aconteceu no fim de semana em Brasília, foi imensamente esclarecedora.
“Em 20 anos trabalhando com usuários em Vancouver, eu nunca conheci nenhum dependente que não tivesse sofrido algum tipo de abuso na infância – abuso sexual ou algum trauma emocional muito grave”, ele disse. Ou seja: dependentes de drogas são sempre pessoas com fragilidades emocionais causadas por traumas na infância.
O momento mais polêmico da palestra foi quando ele afirmou algo que ninguém esperava ouvir: “drogas não causam dependência”. Como assim não causam? E aquele bando de gente esfarrapada no centro da cidade? Ele explica: “a dependência não reside na droga – ela reside na alma”. É que quem sofreu abusos severos na infância acaba tendo sua química cerebral alterada e cresce com um eterno vazio na alma. Frequentemente esse vazio acaba sendo preenchido com alguma dependência. “Pode ser uma droga, ou qualquer outro comportamento que traga algum alívio, ainda que temporário: compras, sexo, jogo, comida, religião, internet.”
A cura para a dependência, portanto, não é a destruição da droga: é o preenchimento do vazio na alma. Gabor, aliás, sabe muito bem do que está falando. Ele próprio, afinal, sente esse vazio. Ele nasceu em Budapeste em 1944, durante a ocupação nazista, com a mãe deprimida, o pai preso num campo de trabalhos forçados, os avós assassinados pelos alemães. Quando cresceu, para aliviar a dor emocional que sentia, desenvolveu uma dependência: “virei um comprador compulsivo”.
O sofrimento que Gabor sente está óbvio em seu rosto: nos seus traços trágicos, nos olhos tristes. Mas ele encontrou paz: seu trabalho ajudando dependentes lhe trouxe sentido na vida e esse sentido preencheu, ao menos em parte, o vazio.
Em resumo: crianças que foram muito mal-tratadas acabam virando adultos “viciados”. E aí o que nossa sociedade faz? Trata mal essas pessoas. “Nós punimos as mesmas crianças que falhamos em proteger”, diz Gabor.
Na semana passada, uma pesquisa do Datafolha mostrou que o maior medo dos paulistanos é o de perder seus filhos para as drogas. É um medo compreensível e do qual eu, como um quase pai (minha primeira filha nasce no mês que vem), compartilho. Mas esse medo não pode justificar políticas repressivas e violentas, que impõem tratamento religioso forçado e dá poder ilimitado à polícia. Isso só vai aumentar o estresse na vida de gente que já é frágil – e é sabido que estresse piora a dependência.
Hoje já está claro que o único jeito de lidar com gente que tem um vazio na alma é com compaixão. O que essas pessoas precisam não é de cadeia nem de conversão forçada nem de projetos de lei medievais como o que está tramitando agora no Congresso, com apoio do governo federal – é de compreensão e de ajuda para encontrar algo que ajude a dar sentido para as suas vidas.
Em 2000, uma pesquisa em Portugal revelou que as drogas eram o maior problema do país. No ano seguinte, o governo português teve a coragem de montar um novo sistema, muito mais barato para o contribuinte, comandado pelo ministério da saúde, sem internações compulsórias nem violência policial.
Ano retrasado, a pesquisa foi repetida e drogas nem apareceram na lista dos dez maiores problemas portugueses. O problema havia sido resolvido. Com compaixão.

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