O álcool e a literatura: a intensidade da vida de Hemingway
Fonte: www.estanteseletiva.com Por: Renato Rossi
Recentemente, em O Lado Bom da Vida, de Matthew Quick,
Pat Peoples, em sua grande busca por uma perspectiva positiva das coisas,
resolve ler Adeus às Armas, De Ernest Hemingway, livro importante para sua
ex-esposa. Compreensivelmente ele se revolta com o que lê: "Não posso
imaginar porque alguém gostaria de expor adolescentes impressionáveis a um
final tão terrível". E ninguém pode julgar Pat em relação a isso, finais
catastróficos são um tema constante na obra de Hemingway. Não apenas isso, mas
também o álcool e a morte. E não apenas em sua obra, mas em sua vida.
Pode-se dizer facilmente ao olharmos sua biografia que
Hemingway teve uma vida intensa: 4 casamentos, 1 Pulitzer, o prêmio Nobel,
motorista de ambulância da Cruz Vermelha, repórter de campo durante a guerra,
membro da comunidade de escritores "geração perdida", pescador no
Caribe, caçador na África... Mas todo esse movimento tinha uma sombra de
angústia ali no limiar da consiência, algumas vezes mais perceptível, outras
até que bem escondida. Quando ainda jovem seu pai se matou com um tiro em sua
cabeça. Sua mãe, a quem ele sempre culpou pelos problemas que afligiam seu pai,
enviou a arma do suicídio para Hemingway. Seja com objetivo de se guardar essa
lembrança macabra, seja lhe incitando a fazer o mesmo, tal fato deve ter sido
recorrente em sua lembranças ao longo de sua vida, até o dia em que o padrão se
repete. No dia 2 de juho de 1961, Hemingway, a beira de um lago em Idaho,
dispara em si mesmo com um fuzil de caça. Pouco é dito, mas Hemingway também
teve dois irmãos que seguiram o mesmo caminho.
O suicídio é um assunto reentrante em sua obra. Em Ter ou
não ter, o protagonista diz ao longo do livro: “outros seguiram a tradição
indígena da Colt ou da Smith & Wesson, instrumentos bem fabricados, que,
com o apertar de um dedo, terminam com a insônia, acabam com os remorsos, curam
o cancro, evitam as falências, abrem uma saída a situações intoleráveis,
admiráveis instrumentos americanos fáceis de levar, de resultado seguro, tão
bem projetados para por fim ao sonho americano quando este se transforma em
pesadelo, e cujo inconveniente é a porcaria que deixam para a família limpar”.
Outro assunto que se repete é o uso de álcool. Muito se
bebe ao longo de seus livros, e mais ainda em sua vida. Sua preferência era o
mojito que bebia em Havana, e o drinque que hoje leva o nome de Hemingway
Especial, este a base de rum, sucos de grapefruit, limão e licor Maraschino. E
ele sempre tinha uma justificativa sagaz na ponta da língua: "Eu bebo para
tornar as outras pessoas mais interessantes", e "Para conviver com os
tolos, um homem inteligente precisa beber". Percebe-se nessas frases, a
culpabilização do outro. Mas em uma análise mais criteriosa de sua vida,
podemos pensar que o que movia a beber não eram apenas desilusões
interpessoais, mas uma angústia interna que está sempre ali, flertanto com ele
num jogo de conquista trágico. Bertrand Russel disse que “a bebedeira é um
suicídio temporário”, o que nos leva pensar um pouco mais no significado de
fuga que um bom porre carrega.
Vários
grandes autores do passado tinham problemas com o álcool, o que pode ter dado
um certo ar de intelectualidade para algumas bebidas. Afinal, chegar em casa do
trabalho e beber algumas doses de whisky à meia luz enquanto se lê um bom livro
aparentemente é algo até bem visto. Bukowski, Oscar Wilde, o casal Fitzgerald,
as amigas (e parceiras de copo) Anne Sexton e Sylvia Plath, William Faulkner, e
por aí vai.
E
pode se dizer que sem o álcool esses autores teriam escrito todas suas grandes
obras? Não, e nem se pode imaginar isso. O que podemos imaginar é que
Hemingway, se não tivesse passado pro todos seus problemas, sendo o álcool um
deles, ele ainda teria todo o potencial dele, e provavelmente ainda teria sido
um escritor com a importância que tem. Seria ingênuo pensarmos que a
criatividade e a habilidade com as palavras são um "presente" do
álcool. Mas talvez, digo isso levantando uma hipótese apenas para reflexão, a
temática de sua escrita poderia ter sido diferente. Os livros sempre têm algo
de autobiográfico, o que no caso do Hemingway isso fica bastante evidente,
então eu ouso pensar que poderia ser diferente. Tantos livros com tanto
sofrimento nos dizem muito sobre a mente desse autor. Que seu legado seja
preservado, e que seu sofrimento não seja esquecido.
Quem nunca teve uma merda de dia e quis 'encher a cara' para esquecer?
ResponderExcluirNão há nada de ruim nisso, mas Hemingway fez isso a vida toda. Isso era 'parte dele', portanto, parte de suas histórias.
ótimo texto.