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30/06/2013

Festa junina na cracolândia terá comida grátis e roda de samba formada por usuários

Festa junina na cracolândia terá comida grátis e roda de samba formada por usuários

RICARDO SENRA

Albertina Galvão nasceu em Jaú, interior de São Paulo, há 70 anos. De lá para cá, como assistente social, trabalhou na antiga Febem, foi parceira do sociólogo Betinho (1935-1997), organizou encontros em defesa de travestis, protestou pelos direitos de moradores de rua e teve papel importante nos primórdios do que conhecemos hoje como Parada Gay e Marcha da Maconha.
Sua nova empreitada é a primeira Festa Junina da Cracolândia, que ocorre na tarde deste sábado (29), na alameda Dino Bueno, perto da estação da Luz (centro de São Paulo).

Criado por Tina há um ano, o projeto "Aquele Abraço", que assina a festança, defende a participação dos usuários de crack nas políticas públicas e vem ganhando voluntários pela cidade. Tudo começou com os passeios noturnos da aposentada, que sai de casa uma vez por semana para distribuir abraços e jogar conversa fora com os usuários da região.
Entre fitas K7, garrafas de vinho produzido em acampamentos do MST, quadros com poemas de Brecht, trepadeiras, um CD da Madonna, um pequeno altar e pilhas de jornais e revistas antigos, Tina recebeu a reportagem da sãopaulo na sala de seu apartamento, em Santa Cecília (centro).


Aposentada que distribui abraços na região conhecida como cracolândia vai organizar festa junina neste sábado (29)
sãopaulo - Por que circular à noite pela cracolândia?
Albertina Galvão - A ideia nasceu há um ano, junto à discussão sobre a internação compulsória. Usuário não é flor, não é tomate. Somos todos pessoas. Temos vontades e necessidades individuais. E eu quero saber o que eles querem, do que precisam, porque melhor que fazer "por" eles é fazer "com" eles. Esse é meu lema: "quem pita é quem apita".


De onde surgiu a proposta da festa junina?
Essa é uma data que faz parte da memória de todo mundo, todos nós participamos de quadrilhas, comemos docinhos típicos, pulamos fogueira. Comentei sobre isso com o pessoal da cracolândia e todos ficaram muito contentes. Então decidimos seguir em frente.


E como vai ser a festança?
A partir das 14h daremos início aos comes e bebes: cachorro-quente, pipoca e doces, tudo de graça. As doações chegaram dos bares, moradores e dos próprios usuários da região. Teremos bandeirinhas, balões e um grupo de samba maravilhoso formado pelos usuários para animar a festa. Também vai ter uma mesa de debate em que serão mostrados diferentes trabalhos realizados com o pessoal da cracolândia e ligados a direitos humanos. Além dos arquitetos Arnaldo de Melo e Felipe Villela, do Aquele Abraço, o [cartunista] Laerte, a [defensora pública] Daniela Skromov e o [psicanalista] Antonio Lancetti já estão confirmados.


De onde vem seu interesse por causas sociais?
Vem dos meus pais. Minha mãe recolhia pessoas para comer em casa. Tínhamos um quarto onde crianças da rua volta e meia dormiam. Os parentes sem grana passavam longas temporadas conosco. Entre 18 e 20 anos, eu já era chamada de "vermelhinha" em casa. Me formei como assistente social e, em 1968, saí de Jaú e vim para São Paulo trabalhar na antiga Febem.


Deve ter sido uma experiência intensa...
Lá eu entendi o que é a exclusão e decidi dedicar minha vida a esse tema. Depois trabalhei com mendigos e com travestis, em um grupo de orientação a trabalhadores do sexo. Fui parar na Ação da Cidadania, onde conheci o Betinho. Ele simbolizava mais que comida a quem tem fome. Ele era cidadania, era educação, era ética na política.


Há muitas imagens religiosas em sua casa. Você é católica praticante?
[Tina se levanta e traz um pequeno busto de Lênin. "Olha que bonitinho ele!"] Sou católica apostólica romana. Mas sei que meu discurso é diferente do da igreja. Adoro São Francisco de Assis, Frei Galvão é meu "santo parente". Na hora do 'pega pra capar' a gente pede a bênção.


Aonde você pretende chegar com "Aquele abraço"?
Queremos um espaço físico para acolher. Os usuários têm que dormir, tomar banho. O crack dá uma leseira que deixa eles dormentes. Tem que respeitar isso. Não são vagabundos, é gente cansada pela droga. Lá poderemos fazer oficinas, aulas de costura, criar fantasias para o carnaval. Quero encher aquele lugar e grafitar a rua do Triunfo inteira.


Já passou algum perigo por lá?
Nunca. As pessoas acreditam em mim. A gente tem que mostrar afeto e respeito pelo olhar. Ao contrário: já ganhei muita coisa dos "nóias". Um dia eles fizeram panqueca de carne e me deram um pouco. É o sabor que eu mais gosto, estava ótimo.


Para ver a publicação da Folha, clique aqui.

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