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05/06/2013

Somos um modelo de letalidade

Somos um modelo de letalidade

Por Shelley de Botton
Orlando Zaccone é delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Seu discurso surpreende pois defende abertamente, não apenas a descriminalização do usuário de drogas, mas a legalização de toda a cadeia de produção bem como o comércio e o consumo de todas as drogas. “Alguém seria tolo de defender hoje a proibição das bebidas alcoólicas?”, questiona.

Zaccone é autor do livro “Acionistas do nada: quem são os traficantes de drogas” e professor de Criminologia da Academia de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (Acadepol) e foi coordenador do Núcleo de Controle de Presos da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro.
“A legalização das drogas surge como o único meio de racionalização de políticas públicas, que deverão sair do âmbito criminal para uma abordagem no campo da saúde pública, através de um processo de regulamentação da produção, comércio e consumo de todas as substâncias psicoativas, defende”
Orlando Zaccone é membro da LEAP Brasil, uma organização formada por integrantes das forças policiais e da justiça criminal que falam claramente sobre a falência das atuais políticas de drogas.
Ele foi um dos palestrantes durante o Congresso Internacional sobre Drogas, que aconteceu nos dias 3, 4 e 5 de maio em Brasília, onde concedeu esta entrevista ao blog da Rede Pense Livre.
Qual é o papel da LEAP Brasil?
O papel principal da LEAP Brasil hoje é colaborar com o debate sobre a legalização da produção, comércio e consumo de todas as drogas. Os agentes da lei fazem uma discussão junto a escolas, igrejas ou mesmo internamente junto à própria corporação policial e operadores do sistema de justiça criminal sobre a legalização pautados pela ideia de que, pior do que os efeitos negativos que as drogas e seu consumo podem trazer ao ambiente social, são os efeitos da proibição. Ou seja, mais pessoas morrem por causa da guerra contra as drogas do que propriamente pelo consumo dessas substâncias.
E como é a receptividade dos agentes da lei à ideia da legalização?
É semelhante ao que acontece na sociedade. Ao mesmo tempo que existem pessoas que têm espírito crítico e a mente aberta para tentar uma proposta que seja efetivamente saudável e produtiva para o ambiente social, existem pessoas que estão com a mente fechada e que ainda acreditam nos dogmas da proibição.
Qual é o maior efeito da política proibicionista?
A guerra às drogas é uma das principais responsáveis pelas mortes no Brasil. No Rio e em São Paulo foram produzidas quase mil mortes a partir de ações policiais em 2011, apesar de não haver pena de morte. O estado do Rio é um modelos para o melhor e para o pior do Brasil. Somos um modelo de letalidade.
De onde vêm esses números?
Uma pesquisa da Anistia Internacional verificou que em 20 países que praticam a pena de morte, foram produzidas menos mortes do que no Rio e em São Paulo a partir de ações policiais. Esta letalidade fica numa zona cinzenta porque ela tem legitimidade mas muitas vezes ela é forjada. Essa prática de homicídios é feita de uma forma sistemática a partir de agentes policiais e só poderá ser freada a partir da legalização.
E porque o combate às drogas no Brasil é tão letal?
Uma série de fatores históricos faz com que a guerra às drogas no Brasil adquira uma característica de letalidade e violência muito maior do que em outros países como a Argentina, por exemplo.
A política no Brasil é de matar traficante e não resolver o problema do tráfico. A lei aqui cria um estado de exceção onde, apesar de não haver pena de morte, se suspende a norma constitucional para que se possa matar algumas pessoas, no caso, identificadas como traficantes, que passam a ser seres “elimináveis”.
Levantar essa questão relativa ao traficante iria prejudicar o debate sobredescriminalização do usuário de drogas?
Pode ser, mas alguém tem que falar sobre isso. Só porque muitos defendiam a Lei do Ventre Livre porque era o mais viável na época, não invalida os que defendiam o fim da escravidão no Brasil.
A LEAP Brasil faz este papel?
É isso que a LEAP está tentando fazer. Propor um marco para a proposta da legalização que está muito à frente da chamada política do possível e apontar que não é descriminalizando que vai resolver o problema das drogas.
E digo mais, também não acredito que a legalização das drogas vai transformar nosso mundo em um mundo melhor. O mundo amanhã não vai ser melhor porque as pessoas vão ter acesso ao comércio legal de cocaína ou maconha. O que eu tento fazer na LEAP é um debate político sobre a justiça criminal que hoje aceita que algumas pessoas sejam indignas da vida.
E qual seria o melhor modelo de legalização?
Isso a gente vai ter que esperar para ver como o debate político vai se dar, inclusive no plano internacional. Depois do proibicionismo não existe nenhuma experiência de legalização no mundo. Uma das conclusões que a gente pode chegar é que, como a proibição se deu no plano internacional, a legalização também terá que passar pelos acordos internacionais. Acho muito difícil que um Estado nacional consiga trazer um marco de legalização no âmbito do seu território.

Para ver artigo completo do Pense livre, clique aqui.

Um comentário:

  1. Eduardo Kalina, psiquiatra e psicanalista(1999)reflete que:
    “... uma constante que pudemos observar nas famílias de adictos de todas as classes sociais com quem temos trabalhado ‘é a ausência de um pai firme’ [não está se falando de autoritarismo], de identidade bem definida e que cumpra sua função específica.” (p.48).

    Eis o quadro de pessoas sem limites, sem um grupo familiar que possibilite uma estruturação a socializar esses sujeitos que partem em busca desse objeto pleno, ainda que destruidor, se esse sujeito não for contemplado com as bases norteadoras da satisfação do sujeito.

    Edna Borba - Psicóloga.

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