Dependência química e acesso: qual o melhor foco
de atenção pública?
Renato O. Rossi
Encerrado neste dia 25, o ciclo de debates Um Novo Olhar Sobre o
Dependente Químico, que aconteceu na Assembléia Legislativa de Minas Gerais
(ALMG) e trouxe uma proposta bastante polêmica. "Fomos muito cobrados de
que o poder público não ajuda na reinserção de usuários de drogas", alega o
presidente da Comissão de Enfrentamento ao Crack, o deputado estadual Vanderlei
Miranda. Ainda não há resposta definitiva sobre o posicionamento de instâncias
superiores estaduais frente a essa proposta, de reservar 10% das vagas de
concursos públicos para dependentes químicos.
Até aí a ideia pode parecer bastante positiva e até vanguardista. Mas
antes precisamos discutir certos aspectos no contexto da dependência química,
como acesso, deficiência e políticas de saúde.
Primeiro acesso, sim. É compreensível que o dependente químico possa
encontrar dificuldade em relação a assumir seus direitos enquanto cidadão. Em
termos de trabalho, de busca de serviços de saúde, de políticas de ação social
de que poderia ser beneficiado. Muitos dependentes, e talvez os que mais
precisem de políticas públicas direcionadas, são aqueles que têm mais
dificuldade para se ter acesso. Pessoas em situação de rua, em muitos dos casos
em envolvimento com drogas de abuso, são as que mais precisariam desse
direcionamento. Mas agora temos que pensar um ponto: o acesso a trabalho, por
mais importante que seja, é de fato a maior prioridade para os que mais tem
necessidade de atenção do Estado? E, para aqueles que não estão em situação de
rua, quais suas principais necessidades?
E deficiência. Tradicional e logicamente, separação de vagas em
concursos públicos e benefícios para empresas que têm este tipo de
discriminação de vaga têm a ver com inserção. E quem precisa mais de inserção
senão aqueles com alguma limitação do acesso ao emprego? Deficientes físicos,
mentais, portadores de certas doenças que possam ser obstáculos para esse
acesso são os principais beneficiados com essas políticas de separação de
vagas. Mas onde neste ponto estariam os dependentes químicos? Onde estaria seu
obstáculo objetivo?
E políticas de saúde. Ou falta delas. O foco da atenção governamental em
relação às drogas tem sido muito voltado para a área de penalização e de
segurança pública. O dependente é muitas vezes tratado como criminoso, não como
alguém que necessita de uma intervenção de saúde. Podemos entender melhor isso
vendo exemplos internacionais. A Holanda recentemente passou a cogitar o fechamento
de alguns presídios por falta de presos para ocupar as vagas. Já os Estados
Unidos possui a maior população carcerária do mundo, com a maioria estando presa
devido ao envolvimento com drogas em algum nível. Historicamente, a Holanda foi
um grande expoente das políticas de Redução de Danos, enquanto os EUA foram os
pioneiros da "War on Drugs" (Guerra às Drogas). Coincidência? E
quanto ao Brasil? Faça um exercício simples: pegue alguns jornais em qualquer
dia e marque em quantas matérias é citado o tema das drogas. Feito isso, divida
em quantas o foco era policiamento/segurança pública e em quantas o foco era
saúde. Esse será o posicionamento do Brasil. Você vai se surpreender!
A possibilidade de aumentar o acesso dos dependentes químicos a direitos
fundamentais é sempre positivo, mas precisamos pensar se o foco está bem
direcionado. Dependência não é deficiência. Sob um olhar oliveinsteiniano da
dependência, a droga não é em si o problema, mas sim a relação indivíduo-droga.
Seus traços de personalidade e vulnerabilidades individuais aumentariam a
chance do desenvolvimento dessa relação patológica com pessoas, comportamentos
ou substâncias. E relações patológicas são melhor tratadas em contexto de
saúde. E populações de dependentes químicos são melhor tratadas em contexto de
políticas públicas de saúde. Há que se investir em uma rede ampla e articulada
de saúde mental, que inclua o dependente e que dê espaço a ele. Consultórios de
rua, CAPS-AD, um serviço de atenção básica que consiga recepcionar e intervir
diretivamente com o dependente. Tantas coisas que se mostram como base para a
reabilitação do indivíduo, para que este não se veja e que seja visto apenas
como dependente, mas como pessoa. E que a deficiência do dependente, que só
existe no olhar enviesado da sociedade, possa ser revertida.
Mais informações sobre este assunto, clique aqui.
*Renato Rossi:
Residente de Psiquiatria da UNIFESP
Residente de Psiquiatria da UNIFESP
Colaborador do Causas Perdidas
Nenhum comentário:
Postar um comentário