O papa é mesmo pop? Traços conservadores no discurso sobre drogas
Renato Rossi
Na recente visita do novo papa ao Brasil, muito foi questionado a ele sobre diversos temas polêmicos e muitas declarações foram dadas. Relacionamentos homossexuais, protestos pelo Brasil e, sim, o crescente problema relacionado a drogas e a dependência química pelo mundo.
Na visita do papa Francisco ao Brasil, durante a inauguração do Pólo de Atendimento a Dependentes Químicos, do Hospital São Francisco de Assis no Rio de Janeiro, ele realizou um discurso em relação à problemática das drogas que causou certa surpresa. Com um enfoque bastante conservador e defendendo linhas de pensamento um tanto quanto ultrapassadas. O lado “pop” do papa ficou em xeque.
Retrospectivamente, os Estados Unidos encabeçaram a polêmica “War on Drugs” (Guerra às Drogas), com o objetivo de eliminar as drogas do mundo. Muitos países aderiram a essa visão e seu fracasso foi compartilhado. Alternativamente, a visão política de “Harm Reduction” (Redução de Danos) tem tido crescente abrangência no mundo, principalmente na América Latina e Europa. A Redução de Danos tem uma visão realista de que o problema não são as drogas, mas a relação disfuncional entre os dependentes e as substâncias. Além disso, percebeu-se que muitos dos danos a dependentes e usuários são decorrentes da rigidez das políticas proibicionistas e da criminalização indiscutível das drogas. Dessa forma, sua visão tem um compromisso com práticas de respeito à vida, procurando minimizar/resolver os problemas decorrentes do uso de substâncias e propor políticas humanitárias de forma alternativa.
É possível perceber que essa visão vanguardista é diferente de um “liberou geral”, uma vez que reconhece as consequências da dependência química e propõe formas pragmáticas para sua resolução. E é justamente nesse ponto que o discurso feito pelo papa Francisco se equivoca. Políticas antiproibicionistas não são políticas incentivadoras ao uso, mas estratégias de saúde pública que vêm ganhando espaço no mundo de forma crescente.
O que me preocupa é justamente as repercussões desse ponto. Em outras áreas, o novo papa tem se mostrado uma figura humanista e carismática, com posicionamentos bastante novos em relação a, por exemplo, relacionamentos homossexuais e ateísmo. Um discurso com preceitos falhos e decadentes feito por uma figura vanguardista pode passar uma imagem falsa sobre os posicionamentos desse debate.
E isso se torna mais complicado nesse momento do nosso país. Mesmo contra recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) e da OPAS (Organização Panamericana da Saúde), vem crescendo uma visão de foco no tratamento em internações, sobretudo involuntárias e compulsórias. Algo que é previsto em lei com o objetivo de ser usado para dependência química em casos pontuais que se mostrariam exceção está se tornando o principal direcionamento do tratamento. Propostas de tratamento com foco na atenção psicossocial que se realizariam no próprio ambiente do indivíduo vêm ficando em segundo plano, dando lugar a esse antigo ambiente de restrição de direitos maquiado como proposta inovadora.
O discurso não está todo voltado para a involuntariedade, e gostaria de citar um trecho que, em especial, se mostrou bastante engajado com uma proposta humanista: “Estendamos a mão a quem vive em dificuldade, a quem caiu na escuridão da dependência, talvez sem saber como, e digamos-lhe: você pode se levantar, pode subir; é exigente, mas é possível se você o quiser. Queridos amigos, queria dizer a cada um de vocês, mas sobretudo a tantas outras pessoas que ainda não tiveram a coragem de empreender o mesmo caminho de vocês: você é o protagonista da subida; esta é a condição imprescindível!”
Prefiro pensar que o papa está mal orientado no tema, e que perceberá as grandes diferenças entre os benefícios do antiproibicionismo e o incentivo ao consumo de drogas, e entre ações voltadas para a vida e a facilitação da ação dos ditos “mercadores da morte”.
Links sugeridos:
Harm Reduction Coalition: harmreduction.org
Blog do PROAD (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes): blogdoproad.blogspot.com
Discurso na íntegra do papa Francisco: http://www.agora.uol.com.br/saopaulo/2013/07/1316372-leia-a-integra-do-discurso-do-papa-no-hospital-sao-francisco-de-assis-no-rio.shtml
Revisado por Flancieni Ferreira
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