‘A maconha foi condenada por
preconceito’, diz especialista Elisaldo Carlini’
Médico de 84 anos estuda efeitos das drogas há 62.
Ele provou derivados da cannabis para experimento científico
POR MARIANA
SANCHES
SÃO PAULO - Carlini tornou-se um dos maiores
especialistas no tema, e conta um pouco de suas experiências com drogas. Em
nome da ciência, submeteu-se a provar, em laboratório e monitorado por
psiquiatras, uma gama de drogas: maconha e derivados, mescalina, alucinógenos,
anfetaminas, sibutramina. “Seguia a regra de não tomar nada que pudesse me
fazer mal. Por isso não provei crack, sou cardíaco.
Tive viagens muito boas, belas visões. E viagens
horrorosas, péssimas”. Ele argumenta que a maconha tornou-se uma droga não por
razões científicas, mas por motivos culturais e econômicos, e que isso agora
começa a mudar dada a falência da guerra às drogas.
O médico e professor da Unifesp advoga em favor da
maconha e dos opiáceos, e contra o uso de remédios para emagrecer, as
anfetaminas.
Por que o senhor resolveu estudar as drogas?
Na década de 1950, havia muitos trabalhos
descrevendo os sintomas que a maconha provocaria no corpo baseados numa ideologia
internacional de que a maconha era uma droga do diabo, tão perigosa quanto a
heroína, o que não corresponde à verdade. Mas como havia o governo americano
por trás disso, eles fizeram uma propaganda e convenceram o mundo dessa
ideologia. Curiosamente, até o século XIX, início do século XX, a maconha era
considerada um medicamento muito importante contra dor, comercializada como
medicamento, cultivada para fins industriais porque a fibra da maconha é de
excelente qualidade para a fabricação de cordas, roupas e sandálias. A maconha
era muito importante economicamente, a tal ponto que no século XVIII o vice-rei
de Portugal mandou ao governante da província de São Paulo 16 sacas de sementes
de maconha de alta qualidade para serem plantadas na região de São Paulo. Até
as velas das naus portuguesas eram feitas de fibras de maconha. Então, contra a
maconha houve muito preconceito. Por ser uma droga comum na África, era tida
como uma coisa de feitiçaria de negros. Em parte, a maconha foi condenada por
preconceito racial, mas também por motivos comerciais. Quando a fibra sintética
é desenvolvida, no começo do século XX, ela disputa mercado com a fibra da
maconha. Nessa concorrência inventaram-se coisas sobre a maconha.
Mas a maconha não tem efeitos colaterais?
Admitir que a maconha não tem reações secundárias é dizer que ela não é
remédio. Não existe remédio que não tenha efeito colateral. A aspirina, por
exemplo, ainda é uma das causas mais frequentes de envenenamento de crianças. A
maconha tem uma toxicidade que é perfeitamente controlável e não expõe ninguém
a perigo exagerado. Os trabalhos que falam sobre efeitos colaterais da maconha
têm pouco suporte científico. Trabalhos mais profundos, que seguem milhares de
pessoas por vários anos, mostram que a maconha usada continuamente não provocou
qualquer prejuízo para a inteligência e a memória dos indivíduos.
No mês passado, Washington DC legalizou o uso da maconha. É um sinal de
que os Estados Unidos desistiram da guerra contra o tráfico?
Está provado que a guerra às drogas é uma falência total. E é muito
importante que os Estados Unidos, que patrocinaram essa guerra, admitam essa
falência. O governo não consegue mais neutralizar a vontade popular. É como a
Lei Seca lá. Nunca se bebeu tanto nos Estados Unidos como no período da Lei
Seca. Aquilo estimulou o crime. Nos Estados Unidos há quem defenda que o
problema do tráfico só existe porque existe a proibição. Os jovens gostam de
experiências novas. Querem e têm o direito de experimentar coisas novas. O
grande erro é proibir e pronto. Não dá para usar a pedagogia do terror, um
método que falhou no mundo inteiro, que é moldar os desejos das pessoas a
partir do medo. Isso não funciona mais.
O que acontece em lugares que legalizaram a maconha?
Há um fenômeno interessante acontecendo no estado de Washington, um dos
lugares onde a maconha é legal: os pacientes que já usam maconha de forma
medicinal há mais de 20 anos estão achando ruim porque associam o remédio à
juventude, à “farra”. Aumentou a resistência dos idosos, e os jovens não estão
mais querendo usar porque perdeu o glamour, virou careta, algo associado a
tratamento do câncer.
Quanto tempo o Brasil deve levar para seguir o caminho dos Estados
Unidos?
Aqui no Brasil ainda é proibido prescrever maconha para seus pacientes,
mas o Conselho Federal de Medicina já recomenda o uso para uma série de
tratamentos, especialmente de convulsões. As autoridades médicas brasileiras
dizem que isso tudo pode demorar, mas como agir quando a mãe de uma paciente
lhe diz: “O tempo que o senhor tem é o tempo de uma convulsão da minha filha.”?
Nos Estados Unidos, mais de 20 estados já têm legislação permitindo o uso da
maconha, seja medicinal, seja recreativa.
E quanto às outras drogas?
Estudei muitas outras. Algumas que nada tem a ver com a maconha são as
drogas para emagrecimento, as anfetaminas. É um mercado extremamente lucrativo
e eu sou totalmente contrário ao uso delas. Frequentemente elas acabam em
intoxicação, alucinação. E a sibutramina não é muito melhor do que isso, porque
aumenta em 15% problemas cardíacos em pacientes obesos e com diabetes. Não se
encontra na sibutramina uma perda de peso que justifique o seu risco. Não há
razão para essa droga ter licença.
No mês passado, Washington DC legalizou o uso da maconha. É um sinal de
que os Estados Unidos desistiram da guerra contra o tráfico?
Está provado que a guerra às drogas é uma falência total. E é muito
importante que os Estados Unidos, que patrocinaram essa guerra, admitam essa
falência. O governo não consegue mais neutralizar a vontade popular. É como a
Lei Seca lá. Nunca se bebeu tanto nos Estados Unidos como no período da Lei
Seca. Aquilo estimulou o crime. Nos Estados Unidos há quem defenda que o
problema do tráfico só existe porque existe a proibição. Os jovens gostam de
experiências novas. Querem e têm o direito de experimentar coisas novas. O
grande erro é proibir e pronto. Não dá para usar a pedagogia do terror, um
método que falhou no mundo inteiro, que é moldar os desejos das pessoas a
partir do medo. Isso não funciona mais.
O que acontece em lugares que legalizaram a maconha?
Há um fenômeno interessante acontecendo no estado de Washington, um dos
lugares onde a maconha é legal: os pacientes que já usam maconha de forma
medicinal há mais de 20 anos estão achando ruim porque associam o remédio à
juventude, à “farra”. Aumentou a resistência dos idosos, e os jovens não estão
mais querendo usar porque perdeu o glamour, virou careta, algo associado a
tratamento do câncer.
Quanto tempo o Brasil deve levar para seguir o caminho dos Estados
Unidos?
Aqui no Brasil ainda é proibido prescrever maconha para seus pacientes,
mas o Conselho Federal de Medicina já recomenda o uso para uma série de
tratamentos, especialmente de convulsões. As autoridades médicas brasileiras
dizem que isso tudo pode demorar, mas como agir quando a mãe de uma paciente
lhe diz: “O tempo que o senhor tem é o tempo de uma convulsão da minha filha.”?
Nos Estados Unidos, mais de 20 estados já têm legislação permitindo o uso da
maconha, seja medicinal, seja recreativa.
E quanto às outras drogas?
Estudei muitas outras. Algumas que nada tem a ver com a maconha são as
drogas para emagrecimento, as anfetaminas. É um mercado extremamente lucrativo
e eu sou totalmente contrário ao uso delas. Frequentemente elas acabam em
intoxicação, alucinação. E a sibutramina não é muito melhor do que isso, porque
aumenta em 15% problemas cardíacos em pacientes obesos e com diabetes. Não se
encontra na sibutramina uma perda de peso que justifique o seu risco. Não há
razão para essa droga ter licença.