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26/03/2015

‘A maconha foi condenada por preconceito’, diz especialista Elisaldo Carlini’

‘A maconha foi condenada por preconceito’, diz especialista Elisaldo Carlini

 
Médico de 84 anos estuda efeitos das drogas há 62. Ele provou derivados da cannabis para experimento científico

POR MARIANA SANCHES
SÃO PAULO - Carlini tornou-se um dos maiores especialistas no tema, e conta um pouco de suas experiências com drogas. Em nome da ciência, submeteu-se a provar, em laboratório e monitorado por psiquiatras, uma gama de drogas: maconha e derivados, mescalina, alucinógenos, anfetaminas, sibutramina. “Seguia a regra de não tomar nada que pudesse me fazer mal. Por isso não provei crack, sou cardíaco.
Tive viagens muito boas, belas visões. E viagens horrorosas, péssimas”. Ele argumenta que a maconha tornou-se uma droga não por razões científicas, mas por motivos culturais e econômicos, e que isso agora começa a mudar dada a falência da guerra às drogas.
O médico e professor da Unifesp advoga em favor da maconha e dos opiáceos, e contra o uso de remédios para emagrecer, as anfetaminas.

Por que o senhor resolveu estudar as drogas?
Na década de 1950, havia muitos trabalhos descrevendo os sintomas que a maconha provocaria no corpo baseados numa ideologia internacional de que a maconha era uma droga do diabo, tão perigosa quanto a heroína, o que não corresponde à verdade. Mas como havia o governo americano por trás disso, eles fizeram uma propaganda e convenceram o mundo dessa ideologia. Curiosamente, até o século XIX, início do século XX, a maconha era considerada um medicamento muito importante contra dor, comercializada como medicamento, cultivada para fins industriais porque a fibra da maconha é de excelente qualidade para a fabricação de cordas, roupas e sandálias. A maconha era muito importante economicamente, a tal ponto que no século XVIII o vice-rei de Portugal mandou ao governante da província de São Paulo 16 sacas de sementes de maconha de alta qualidade para serem plantadas na região de São Paulo. Até as velas das naus portuguesas eram feitas de fibras de maconha. Então, contra a maconha houve muito preconceito. Por ser uma droga comum na África, era tida como uma coisa de feitiçaria de negros. Em parte, a maconha foi condenada por preconceito racial, mas também por motivos comerciais. Quando a fibra sintética é desenvolvida, no começo do século XX, ela disputa mercado com a fibra da maconha. Nessa concorrência inventaram-se coisas sobre a maconha.
Mas a maconha não tem efeitos colaterais?
Admitir que a maconha não tem reações secundárias é dizer que ela não é remédio. Não existe remédio que não tenha efeito colateral. A aspirina, por exemplo, ainda é uma das causas mais frequentes de envenenamento de crianças. A maconha tem uma toxicidade que é perfeitamente controlável e não expõe ninguém a perigo exagerado. Os trabalhos que falam sobre efeitos colaterais da maconha têm pouco suporte científico. Trabalhos mais profundos, que seguem milhares de pessoas por vários anos, mostram que a maconha usada continuamente não provocou qualquer prejuízo para a inteligência e a memória dos indivíduos.
No mês passado, Washington DC legalizou o uso da maconha. É um sinal de que os Estados Unidos desistiram da guerra contra o tráfico?
Está provado que a guerra às drogas é uma falência total. E é muito importante que os Estados Unidos, que patrocinaram essa guerra, admitam essa falência. O governo não consegue mais neutralizar a vontade popular. É como a Lei Seca lá. Nunca se bebeu tanto nos Estados Unidos como no período da Lei Seca. Aquilo estimulou o crime. Nos Estados Unidos há quem defenda que o problema do tráfico só existe porque existe a proibição. Os jovens gostam de experiências novas. Querem e têm o direito de experimentar coisas novas. O grande erro é proibir e pronto. Não dá para usar a pedagogia do terror, um método que falhou no mundo inteiro, que é moldar os desejos das pessoas a partir do medo. Isso não funciona mais.
O que acontece em lugares que legalizaram a maconha?
Há um fenômeno interessante acontecendo no estado de Washington, um dos lugares onde a maconha é legal: os pacientes que já usam maconha de forma medicinal há mais de 20 anos estão achando ruim porque associam o remédio à juventude, à “farra”. Aumentou a resistência dos idosos, e os jovens não estão mais querendo usar porque perdeu o glamour, virou careta, algo associado a tratamento do câncer.
Quanto tempo o Brasil deve levar para seguir o caminho dos Estados Unidos?
Aqui no Brasil ainda é proibido prescrever maconha para seus pacientes, mas o Conselho Federal de Medicina já recomenda o uso para uma série de tratamentos, especialmente de convulsões. As autoridades médicas brasileiras dizem que isso tudo pode demorar, mas como agir quando a mãe de uma paciente lhe diz: “O tempo que o senhor tem é o tempo de uma convulsão da minha filha.”? Nos Estados Unidos, mais de 20 estados já têm legislação permitindo o uso da maconha, seja medicinal, seja recreativa.
E quanto às outras drogas?
Estudei muitas outras. Algumas que nada tem a ver com a maconha são as drogas para emagrecimento, as anfetaminas. É um mercado extremamente lucrativo e eu sou totalmente contrário ao uso delas. Frequentemente elas acabam em intoxicação, alucinação. E a sibutramina não é muito melhor do que isso, porque aumenta em 15% problemas cardíacos em pacientes obesos e com diabetes. Não se encontra na sibutramina uma perda de peso que justifique o seu risco. Não há razão para essa droga ter licença.
No mês passado, Washington DC legalizou o uso da maconha. É um sinal de que os Estados Unidos desistiram da guerra contra o tráfico?
Está provado que a guerra às drogas é uma falência total. E é muito importante que os Estados Unidos, que patrocinaram essa guerra, admitam essa falência. O governo não consegue mais neutralizar a vontade popular. É como a Lei Seca lá. Nunca se bebeu tanto nos Estados Unidos como no período da Lei Seca. Aquilo estimulou o crime. Nos Estados Unidos há quem defenda que o problema do tráfico só existe porque existe a proibição. Os jovens gostam de experiências novas. Querem e têm o direito de experimentar coisas novas. O grande erro é proibir e pronto. Não dá para usar a pedagogia do terror, um método que falhou no mundo inteiro, que é moldar os desejos das pessoas a partir do medo. Isso não funciona mais.
O que acontece em lugares que legalizaram a maconha?
Há um fenômeno interessante acontecendo no estado de Washington, um dos lugares onde a maconha é legal: os pacientes que já usam maconha de forma medicinal há mais de 20 anos estão achando ruim porque associam o remédio à juventude, à “farra”. Aumentou a resistência dos idosos, e os jovens não estão mais querendo usar porque perdeu o glamour, virou careta, algo associado a tratamento do câncer.
Quanto tempo o Brasil deve levar para seguir o caminho dos Estados Unidos?
Aqui no Brasil ainda é proibido prescrever maconha para seus pacientes, mas o Conselho Federal de Medicina já recomenda o uso para uma série de tratamentos, especialmente de convulsões. As autoridades médicas brasileiras dizem que isso tudo pode demorar, mas como agir quando a mãe de uma paciente lhe diz: “O tempo que o senhor tem é o tempo de uma convulsão da minha filha.”? Nos Estados Unidos, mais de 20 estados já têm legislação permitindo o uso da maconha, seja medicinal, seja recreativa.
E quanto às outras drogas?
Estudei muitas outras. Algumas que nada tem a ver com a maconha são as drogas para emagrecimento, as anfetaminas. É um mercado extremamente lucrativo e eu sou totalmente contrário ao uso delas. Frequentemente elas acabam em intoxicação, alucinação. E a sibutramina não é muito melhor do que isso, porque aumenta em 15% problemas cardíacos em pacientes obesos e com diabetes. Não se encontra na sibutramina uma perda de peso que justifique o seu risco. Não há razão para essa droga ter licença.

 Conteúdo retirado de OGlobo Digital. Leia mais no seguinte link:

07/05/2014

Mujica regulamenta mercado de maconha no Uruguai

Mujica regulamenta mercado de maconha no Uruguai

Medida tem efeito imediato, mas droga só deve começar a ser vendida a partir do fim do ano

Folha de maconha
Folha de maconha (Reuters)
Cinco meses após ser aprovada pelo Parlamento, a lei que regulamenta o mercado de maconha no Uruguai foi promulgada nesta terça-feira pelo presidente José Mujica. A medida tem efeito imediato, mas, na prática, o mercado da droga ainda vai demorar alguns meses para começar a operar. 
De acordo com a lei, a droga poderá ser obtida por meio do cultivo próprio (máximo de seis mudas por casa), pelo consumo em “clubes canábicos” com até 45 sócios (em que o consumo anual máximo será de 480 gramas anuais por sócio) e pela compra em farmácias. Neste último caso, a produção vai ser controlada pelo governo em áreas públicas e cada uruguaio registrado poderá comprar no máximo 10 gramas da droga por semana. Indivíduos não poderão plantar a erva para venda. 
O consumo, a produção e a venda serão restritos para uruguaios maiores de 18 anos ou residentes permanentes. Todos deverão se registrar em uma das categorias do Instituto de Regulação e Controle da Cannabis (Irca). A restrição da compra para estrangeiros visa evitar uma espécie de “turismo da erva”. Ainda assim, críticos da lei apontaram que existe o risco de aparecer um mercado paralelo de venda para estrangeiros. 
O governo plantará até cinco variedades diferentes da cannabis, contendo um nível máximo de 15% de THC, substância responsável pelos efeitos da erva. Já os clubes e os cultivadores autônomos poderão ter as variedades que quiserem. 
Cada embalagem vendida pelo governo terá um código de barras e será registrada em um banco de dados que permitirá às autoridades rastrear a origem e determinar sua legalidade.
Com isso, o Uruguai transforma-se no primeiro país do mundo a estabelecer um mercado nacional com regras para o cultivo, a venda e o uso da droga.
Embora as pesquisas indiquem que mais de 60% dos uruguaios rejeitam a legalização do mercado da maconha, uma consulta recente da consultoria Cifra para o semanário Búsqueda revelou que, com a lei aprovada, 51% da população preferem mantê-la em vigor para observar como funciona antes de anulá-la imediatamente.
Produção - No momento, definir a quantidade de maconha consumida pela sociedade uruguaia para estabelecer quanto o Estado vai produzir é uma das principais preocupações das autoridades.
Com a regulamentação da lei, começará a funcionar esta semana o Ircca, organismo que terá nas mãos o controle de toda a cadeia produtiva, da importação de sementes à venda da substância em farmácias.
Julio Calzada, secretário da Junta Nacional de Drogas (JND), admitiu nesta segunda-feira que tem preocupações "infinitas" sobre como será implementada essa regulamentação para que o Ircca estabeleça o volume de produção.
Segundo Calzada, são consumidas no Uruguai entre 18 e 22 toneladas de maconha por ano, o que implicaria cultivar um máximo de 10 hectares. A ideia do governo é produzir exclusivamente o necessário para o consumo interno.
As autoridades pretendem fazer a primeira chamada a particulares interessados em plantar em até 20 dias. Enquanto isso, será definido qual será o terreno estatal onde serão feitos os cultivos e se a segurança do local ficará a cargo das Forças Armadas, uma possibilidade proposta pelo presidente Mujica.
Segundo o governo, a maconha legalizada chegaria, assim, no fim do ano às farmácias ao preço de 20 a 22 pesos por grama (pouco mais de 2 reais).
A maconha será taxada por meio de um imposto para produtos agropecuários, que será recolhido no Estado da produção. No entanto, a venda da droga não será taxada com um imposto que é cobrado para bebidas alcoólicas e o tabaco. Advogados tributaristas ouvidos pelo jornal El Observador afirmam que esse regime tributário é favorável à maconha.
Cigarro – E enquanto a maconha começa a ganhar o mercado uruguaio, o tabaco sofre uma nova ofensiva no país. Nesta terça-feira, o Senado local aprovou a proibição da publicidade e a exibição de cigarros em pontos de venda. A justificativa do projeto é desestimular o consumo, principalmente entre os jovens. Comerciantes ouvidos por jornais uruguaios reclamaram da iniciativa. O projeto segue agora para a Câmara dos deputados.
(Com agência EFE e Estadão Conteúdo)
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02/03/2014

Empresas de maconha nos EUA 'imploram' a bancos que aceitem seu dinheiro

Empresas de maconha nos EUA 'imploram' a bancos que aceitem seu dinheiro

25/02/2014

Relator de projeto que legaliza maconha, Cristovam quer amplo debate

Relator de projeto que legaliza maconha, Cristovam quer amplo debate

Da Redação e Da Rádio Senado

A legalização do cultivo caseiro, do comércio em estabelecimentos licenciados e do consumo da maconha começa a ser discutida pela Comissão de Direitos Humanos do Senado. E o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que será relator da sugestão, assinada por mais de 20 mil pessoas que querem a descriminalização do uso da cannabis sativa, promete um amplo debate.
Para dar o seu parecer sobre a questão, Cristovam afirmou que quer antes ver esclarecidas algumas dúvidas. Ele quer saber, por exemplo,  se a legalização poderá reduzir o problema da violência, se a droga tem benefícios medicinais e se a descriminalização pode aumentar o consumo. Outra dúvida de Cristovam se refere ao impacto disso sobre o nível de educação das pessoas e sobre os valores da população.
- Vou tomar a minha posição no momento certo. Depois de um longo debate com cientistas, com usuários, na medida que seja possível isso, com líderes religiosos, filósofos, antropólogos, políticos. Vamos ver o que aconteceu nos países que tomaram essa decisão, como na Europa, algumas cidades americanas, e recentemente o Uruguai. Vamos analisar para que no fim esse assunto, que é relevante, ele seja também enfrentado.
Agência Senado
(Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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03/01/2014

Cientistas identificam molécula que bloqueia o efeito de ‘barato’ da maconha no cérebro

Cientistas identificam molécula que bloqueia o efeito de ‘barato’ da maconha no cérebro

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FOTO: Funcionária cuida de plantação de maconha (Cannabis sativa) em uma loja no Colorado, que se tornou o primeiro Estado americano a legalizar o uso recreativo da droga. CRÉDITO: AP Photo/Brennan Linsley
Herton Escobar / O Estado de S. Paulo
Cientistas na França descobriram uma molécula no cérebro que pode acabar com o “barato” de fumar maconha. Os resultados da pesquisa, publicada hoje na revista Science, poderão ajudar no desenvolvimento de novos tratamentos para dependentes, assim como beneficiar o uso terapêutico da droga, inibindo seletivamente alguns de seus efeitos negativos associados.
Os pesquisadores, liderados por um grupo do instituto Inserm, em Bordeaux, identificaram o hormônio pregnenolona como uma molécula que bloqueia naturalmente os efeitos do tetrahidrocanabinol (THC), o princípio ativo que produz a sensação de “barato” da maconha e seus efeitos colaterais, como aumento de apetite e perda de memória. Sem com isso, porém, cancelar outros efeitos biológicos e potencialmente benéficos da droga.
Em outras palavras: seria possível, teoricamente, fumar maconha para fins medicinais sem ficar doidão; ou cortar o barato de pessoas viciadas no uso recreativo da droga, como forma de tratamento contra a dependência. O estudo foi feito com ratos e camundongos e os dados ainda precisam ser validados em seres humanos para que se possa propor alguma intervenção desse tipo, o que exigirá mais vários anos de pesquisa.
Os resultados preliminares, porém, já foram suficientes para impressionar o cientista brasileiro Dartiu Xavier da Silveira, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Fiquei muito surpreso com o trabalho, no bom sentido”, disse. “Me mostrou muitas coisas novas.”
A pregnenolona é uma molécula sintetizada naturalmente no cérebro, que serve como precursora para a formação de uma grande variedade de hormônios essenciais ao funcionamento do organismo – a “avó” de todos os hormônios, segundo Silveira. O que os pesquisadores revelam no trabalho da Science é que o THC aumenta a produção de pregnenolona nas células, e que a pregnenolona atua como uma antagonista do THC, acoplando-se ao seu receptor nas membranas celulares e, com isso, bloqueando sua atividade. “É um mecanismo que o próprio corpo tem para evitar os efeitos negativos do THC; o que pode ser uma explicação também para os efeitos terapêuticos da droga”, destaca Silveira.
Um desses efeitos bem conhecidos é a redução da ansiedade, que em casos extremos pode levar as pessoas a quadros de fobia social. “Sabemos que a pregnenolona atenua esse tipo de fobia, e que muita gente usa maconha para combater a ansiedade aguda. Isso talvez explique o seu efeito terapêutico”, reforça Silveira. “Esse estudo é o primeiro a mostrar uma ligação entre as duas coisas.”
Os primeiros a fazer uso terapêutico da maconha, segundo ele, foram pacientes de aids e câncer, na década de 1990, que fumavam para estimular o apetite e combater a perda de peso ocasionada pelas doenças. Nesses casos, a “larica” induzida pelo THC pode ser considerada um efeito positivo da maconha – que seria inibido pela pregnenolona. Já no caso de uma pessoa obesa, é um efeito prejudicial. “É um jogo intricado de fatores que podem ser positivos ou negativos, dependendo da situação”, diz o pesquisador.
Segundo Silveira, só 9 entre cada 100 usuários de maconha tornam-se dependentes da droga. “Talvez o trabalho seja importante para ajudar no tratamento desses 9%; mas o mais inovador é o que ele poderá fazer pelos outros 91%”, diz.
O uso terapêutico da maconha é um tema polêmico e que enfrenta forte rejeição, inclusive dentro de setores das comunidades médica e científica. Vários “experimentos legais” porém, estão sendo colocados em prática. O mais recente deles é o caso do Colorado, nos EUA, que na virada do ano se tornou o primeiro Estado americano a legalizar e regulamentar o uso recreativo da droga, além de vários outros que já permitem o seu uso medicinal, como a Califórnia. E no mês passado o Uruguai se tornou o primeiro país a criar um mercado legal de maconha para uso recreativo, com regras nacionais para produção, comercialização e consumo da planta.

01/08/2013

Deputados uruguaios aprovam a legalização da maconha

Deputados uruguaios aprovam a legalização da maconha

Projeto libera venda de 40g por mês em farmácias, estatiza a distribuição e autoriza o cultivo limitado para consumo próprio. Medida segue para o Senado


Manifestantes a favor da legalização da maconha exibem faixa na frente do Congresso uruguaio
Manifestantes a favor da legalização da maconha exibem faixa na frente do Congresso uruguaio (Iván Franco/EFE)

A Câmara dos Deputados do Uruguai aprovou na noite desta quarta-feira o controverso projeto de lei que legaliza a produção e o consumo da maconha no país, enviando o expediente ao Senado, onde a medida também deve ser aprovada graças ao controle dos governistas da Frente Ampla na casa legislativa.

Com a maioria governista na Câmara, o texto foi aprovado por 50 dos 96 deputados presentes – a oposição rejeitou o projeto em bloco. Mas a sessão não foi nada tranquila. Após quase 14 horas de debate, havia muita incerteza em torno do êxito da proposta porque um dos parlamentares da Frente Ampla, Darío Pérez, não se mostrava a favor e ameaçava votar contra – sem seu aval, o texto podia ser rejeitado caso toda a oposição votasse contra.
No entanto, no final o projeto de lei contou com o voto a favor de Pérez, que apoiou a iniciativa por lealdade a seus companheiros de partido, mas fez questão de expressar sua inconformidade com palavras duras. "A maconha é uma merda. É inimiga do estudante, do trabalhador e da vida. E o importante é que é uma merda com ou sem lei", afirmou o deputado do partido governista.
Apesar das ressalvas, Pérez disse que a iniciativa é um dos "projetos mais impactantes da legislatura" propostos pelo presidente José Mujica e que implica uma "mudança de paradigma do tema da droga". A aprovação foi recebida com aplausos por cerca de 100 defensores da legalização da maconha que acompanharam a sessão.
O projeto – O texto aprovado transforma o estado uruguaio no primeiro do planeta a assumir o controle de todo o processo de produção e venda da maconha. Apresentado em junho de 2012 em um pacote de medidas para combater o aumento da violência, a proposta prevê o controle do estado sobre a importação, plantio, cultivo, colheita, produção, aquisição, armazenamento, comercialização e distribuição da maconha e seus derivados.

Após o devido registro de suas identidades junto ao governo, os usuários com mais de 18 anos poderão comprar até 40 gramas mensais de maconha nas farmácias, mas também será permitido o cultivo para consumo próprio – até seis pés da planta por pessoa. O projeto que legaliza a maconha no Uruguai, apesar de promovido pela administração do presidente José Mujica, é rejeitado por 63% da população, segundo recente pesquisa do instituto Cifra, que trouxe resultado semelhante a outros levantamentos feitos desde o ano passado. Sobre esta rejeição, o deputado Darío Pérez declarou: "Me parece perigoso governar sem levar em conta a opinião do povo".

Reformas –  Desde 2005, com a chegada à Presidência da Frente Ampla, de centro-esquerda, o governo uruguaio vem investindo na aprovação de reformas sociais de caráter liberalizante, mas contestadas por alguns analistas. Além da estatização da produção e da comercialização da maconha, estão nesse âmbito a descriminalização do aborto (com restrições), aprovada pelo Congresso em outubro de 2012, e o casamento gay, legalizado em abril deste ano – a união civil de pessoas do mesmo sexo, porém, já estava em vigor desde 2007.  
O problema com algumas propostas, afirmam os críticos, é que muitas vezes elas são assistencialistas demais e pouco contribuem com o desenvolvimento do país como um todo, apesar de ampliarem, como no caso do casamento gay, os direitos dos cidadãos. Além disso, membros da oposição consideram que Mujica fez imposições à população. Francisco Gallinal, senador pelo Partido Nacional, criticou o projeto de lei sobre a maconha, considerado por ele pouco sensato.
Para completar, em meados do ano passado, a ONU alertou o Uruguai que a legalização da maconha viola a Convenção das Nações Unidas sobre Drogas. Assim como no caso da lei que descriminalizou o aborto, as decisões do governo uruguaio estão longe do consenso e a resistência de um grande número de parlamentares em todos os casos é evidência disso.     
(Com agências EFE e France-Presse)

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18/06/2013

Liberação medicinal da maconha não induz uso em adolescente, diz estudo

Liberação medicinal da maconha não induz uso em adolescente, diz estudo.

Economistas de três universidades americanas analisaram dados sobre o consumo de maconha por adolescentes entre 1993 e 2009 e descobriram que, apesar de o uso ter crescido desde 2005, não há evidências entre a legalização da marijuana para fins medicinais no país e o aumento do vício entre alunos do ensino médio.
Homem manipula plantação de maconha com fins medicinais em Denver, no Colorado, estado onde o uso é aprovado para aliviar a dor. Só no condado de Denver, um a cada 41 moradores, ou 600 mil pessoas, está registrado como paciente medicinal de maconha (Foto: Rick Wilking/Reuters)

Os pesquisadores das universidades do Colorado, em Denver, do Oregon e de Montana examinaram dados nacionais de estudantes que participaram da Pesquisa de Comportamento de Risco Juvenil, que integra informações de 13 estados – Alasca, Califórnia, Colorado, Havaí, Maine, Nevada, Oregon e Washington – no período em que cada um legalizou a maconha para uso terapêutico.
Outros 17 estados e o distrito de Colúmbia, onde fica a capital dos EUA, Washington D.C., já têm leis desse tipo. Em outros sete estados, a legislação sobre o tema ainda está pendente.
Segundo o professor assistente de economia Benjamin Hansen, da Universidade do Oregon, o resultado do estudo é importante, pois recentemente o governo federal intensificou os esforços para fechar locais onde existe maconha medicinal. O pesquisador diz que, muitas vezes os dados chegam a mostrar até uma relação negativa entre a legalização e o uso da maconha.
Autoridades federais, que incluem o diretor do escritório da Política Nacional para o Controle de Drogas, argumentam que a legalização da maconha para o alívio da dor tem contribuído para o recente aumento no consumo entre os adolescentes nos EUA. O governo tem como principais alvos as farmácias que operam em um raio de 300 metros de escolas, parques e playgrounds.
Os dados de 2011 do relatório "Monitoramento dos resultados nacionais sobre o uso de drogas em adolescentes", elaborado anualmente pelo Instituto para Pesquisa Social da Universidade de Michigan, revelam que o consumo de maconha por alunos entre 10 e 12 anos aumentou nos últimos três anos, com cerca de um em 15 usuários diários ou quase diários. O relatório, citado no estudo dos economistas, entrevistou 46.700 estudantes em 400 escolas do ensino médio.
Para ver artigo completo, clique aqui.

05/06/2013

"Maconha pode ser a porta de saída para o crack", diz psiquiatra

"Maconha pode ser a porta de saída para o crack", diz psiquiatra


O psiquiatra, especialista em drogas, Dartiu Xavier da Silveira defende redução de danos no tratamento de dependência de crack

23/05/2013

Maconha: enrolando a cura

Maconha: enrolando a cura

por: Tarso Araújo 


A pesquisa veio de Harvard – e não da cabeça de algum doidão em Kingston. Foi nos laboratórios da melhor universidade do mundo que cientistas trataram com THC, o princípio ativo da maconha, ratos preparados para desenvolver câncer no pulmão. Depois de 3 semanas, chegaram à seguinte conclusão: os ratos que receberam o tratamento com THC apresentaram tumores 50% menores que um outro grupo de ratos, esse sem acesso ao tratamento especial. A pesquisa de Harvard tem sido tratada como pioneira pela imprensa americana. Mas não é bem assim. Tão surpreendente quanto o resultado é saber que os médicos não descobriram nada de novo. Maconha pode ajudar a tratar o câncer? Tem gente falando disso desde 1974!
Há 7 anos um estudo semelhante feito na Espanha mostrou resultados bem parecidos. Na pesquisa da Universidade Complutense de Madri, 1 em cada 5 ratos tratados com THC se curou de um tumor no cérebro. Mais velha ainda é a descoberta dos pesquisadores da Faculdade Médica da Virgínia. Em 1974, eles notaram que o tratamento de 20 dias com THC reduziu significativamente o tamanho dos tumores em ratos com câncer de pulmão. Que fique bem claro: nenhuma dessas pesquisas permite afimar que “maconha cura câncer”. Mas todas apresentam uma importante linha de investigação na luta contra a doença, que mata 7 milhões de pessoas por ano.
E por que você nunca soube disso? Porque a descoberta dos anos 70 causou um efeito bizarro: a suspensão de todas as verbas federais americanas para pesquisas sobre os efeitos da maconha. Mais tarde, o governo dos EUA ainda estimularia as universidades a destruir as pesquisas feitas com o THC. “Havia uma pressão ideológica para diminuir os estudos nessa área”, diz o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Unifesp. “A ciência já passou por isso em outros momentos. Os nazistas pesquisaram os efeitos do tabaco, mas o trabalho deles foi descartado por questões ideológicas. Anos depois, confirmou-se uma série de coisas que eles sabiam havia décadas.”

Para ver o arquivo completo, clique aqui.

12/05/2013

Elisaldo Carlini: O uso medicinal da maconha


Elisaldo Carlini: O uso medicinal da maconha

Especialista em psicofarmacologia diz que já está mais do que na hora de reconhecer as qualidades médicas da droga no Brasil
NELDSON MARCOLIN e RICARDO ZORZETTO | Edição 168 - Fevereiro de 2010

O médico Elisaldo Carlini parece ter uma obsessão como especialista em psicofarmacologia, área que ajudou a difundir no Brasil nos anos 1960 depois de uma passagem de quatro anos pelos Estados Unidos, três deles na Universidade Yale. O foco de seu trabalho é procurar entender como a Cannabis sativa – a maconha – age no organismo humano, seu alvo de pesquisa há 50 anos. Herdou esse interesse de José Ribeiro do Valle, seu professor de farmacologia na Escola Paulista de Medicina na década de 1950. Desde então tem trabalhado no sentido de desmitificar o conceito de que a maconha é uma droga maldita, sem utilidade.


Nas décadas de 1970 e 1980 liderou no Brasil um grupo de pesquisa publicando mais de 40 trabalhos em revistas científicas internacionais. Esses resultados, juntamente com as investigações de outros grupos internacionais, possibilitaram o desenvolvimento no exterior de medicamentos à base de Cannabis sativa utilizados atualmente em vários países do mundo para tratamento da náusea e dos vômitos causados pela quimioterapia do câncer, para melhorar a caquexia (enfraquecimento extremo) de doentes com HIV e câncer e para aliviar alguns tipos de dores. Para ele, já está mais do que na hora de reconhecer o uso medicinal da maconha no Brasil.
Em maio deste ano haverá um simpósio internacional em São Paulo especialmente para tratar dessa questão. Carlini vê grande preconceito contra a maconha, mas aposta que se os pesquisadores insistirem na direção correta, com o apoio da ciência, essa aprovação será obtida algum dia. É preciso ressaltar que esse médico de 79 anos é contra o uso dessa e de outras drogas para fins recreativos.
Carlini tem uma atuação social que, por vezes, ofusca o cientista. Ele é o criador do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) – um importante fornecedor de informações para a formulação de políticas de educação – e da Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos (Sobravime), em 1990. Entre 1995 e 1997 esteve à frente da Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária, órgão predecessor da atual Anvisa, onde enfrentou a espinhosa missão de combater a corrupção no setor. Com sucesso, diga-se. Atualmente está no sétimo mandato como membro do Expert Advisory Panel on Drug Dependence and Alcohol Problems, da Organização Mundial da Saúde (OMS). Tem seis filhos e cinco netos. Em dezembro, entre uma reunião e outra, Carlini deu a entrevista abaixo.
Qual será a proposta do simpósio internacional sobre maconha, que ocorrerá em maio em São Paulo?
Vamos propor que a maconha seja aceita para uso médico no Brasil. Meu avô se formou médico no fim do século XIX e naquela época já usava um livro de 1888, que guardo até hoje, com a receita da maconha para vários males. Era uma terapêutica corrente no mundo todo, inclusive no Brasil. O simpósio internacional terá o título “Uma agência brasileira da Cannabis medicinal?”. A Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece que a maconha pode ser medicamento – apesar da proibição da Convenção Única de Entorpecentes, de 1961 – desde que os paí-ses oficializem uma agência especial para Cannabis e derivados nos seus ministérios da Saúde. Já há uns 10 países que fazem esse uso: Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Itália, França, Alemanha, Espanha, Suíça, entre outros.

Quando e como o senhor decidiu eleger a maconha como objeto de estudo?
Quando entrei na Escola Paulista de Medicina [a EPM, hoje Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)] em 1952. E como aluno do 2º ano comecei a me interessar pela farmacologia e estagiei com o professor José Ribeiro do Valle. Ele foi o primeiro que fez trabalhos verdadeiramente científicos sobre a Cannabis sativa em animais de laboratório no Brasil.

Quais experimentos?
Ele procurava saber os tipos de reação [comportamental] que os animais apresentam quando submetidos aos efeitos da maconha e queria quantificar a potência dos diferentes tipos dessa planta. Naquela época, a psicologia experimental estava pouco desenvolvida no Brasil. Em 1960 fui para os Estados Unidos com a missão de estudar técnicas mais modernas de neuroquímica e psicologia experimental para introduzir aqui. Foi o que fiz quando retornei, em 1964.

O senhor foi logo depois de acabar a graduação?
Não, me formei em 1957 e trabalhei como assistente voluntário da farmacologia até 1960 com bolsa da Fundação Rockefeller. Foi quando ganhei outra bolsa, mas para ir para os Estados Unidos. Fiquei lá quatro anos e fiz o mestrado na Universidade Yale. Quando voltei não consegui lugar na EPM, apesar dos esforços do Ribeiro do Valle. Fui para a Faculdade de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, que começava a funcionar.

Por que o senhor não foi contratado pela EPM?
Não havia vagas. Em 1964 eu era casado, tinha três filhos. Fiquei dois meses na EPM e fui para a Santa Casa, de onde saí em 1970. Foi lá que comecei a fazer de fato meus estudos sobre maconha com testes comportamentais.

Como o senhor voltou para a EPM?
Quando me avisaram que não queriam mais pesquisa na Santa Casa. Como não queria apenas dar aula, fui para a EPM e falei com o diretor, professor Horácio Kneese de Mello. Perguntei se ele aceitava que fosse para lá e desse um curso que não existia lá naquele tempo, de psicofarmacologia, junto ao curso de farmacologia do Ribeiro do Valle. Ele aceitou e prometeu que assim que abrisse a primeira vaga eu seria efetivado. Dois anos depois isso ocorreu. Entrei como professor-adjunto, depois me tornei titular.

Lá o senhor continuou os estudos sobre a maconha?
Continuei no assunto. Quando estudamos a história da maconha, é fácil ver que na proibição de seu uso médico não há nada de científico, e sim de ideológico. Até o início do século XX a maconha era considerada um excelente medicamento. Ela era importada da França na forma de cigarros que se chamavam Grimaldi. Depois, dos anos 1930 em diante, a maconha virou uma droga maldita. O governo egípcio chegou a dizer que ela era uma droga totalmente destruidora, que mereceria o ódio dos povos civilizados. O Brasil participou da criminalização da maconha por meio de uma mentira levada pelo representante brasileiro na Liga das Nações, antecessora da ONU. Em 1925, a Liga das Nações fez a segunda conferência internacional sobre o ópio com 44 países presentes, entre os quais o Brasil. Era para discutir como controlar o ópio, mas o Egito entrou com o tema maconha. E o representante brasileiro, Pedro Pernambuco Filho, disse que ela era mais perigosa que o ópio no nosso país. Isso era, naturalmente, incorreto. Primeiro porque a maconha é muitíssimo menos perigosa que o ópio; segundo, o ópio nunca foi um problema aqui. O resultado disso é que a Liga das Nações condenou a maconha. Depois que a ONU foi criada houve a primeira Convenção Única de Entorpecentes em 1961, assinada por mais de 200 países colocando a Cannabis numa lista, junto com a heroína, como droga particularmente perigosa. É algo que não tem razão científica nos dias de hoje.

De qualquer forma, é indiscutível que a maconha tem efeitos tóxicos.
Claro que tem, como todos os medicamentos. Não existe nenhum remédio em que a bula diga “Não provoca nenhum tipo de problema”. Isso vale para as plantas. Estamos desenvolvendo o programa Planfavi, Planta e Farmacovigilância, e alertamos também para os perigos dos produtos naturais.

Comparado com o cigarro de nicotina, o cigarro de maconha é pior ou melhor?
Tenho dificuldade em dar uma resposta definitiva. Não há dúvida hoje de que o cigarro normal é cancerígeno. Nós sabemos que a maconha tem também substâncias cancerígenas. A folha da maconha é coberta por uma camada de cera que tem naftaleno, antraceno… Se esfregarmos o sarro da maconha na pele de rato, naqueles que nascem sem pelo, o animal passa a ter câncer depois de 50 semanas da administração. Ocorre que não se usa a maconha da mesma forma que o cigarro, com a mesma intensidade e frequência. Outra diferença é que o cigarro tem um efeito bastante sério para o coração. Já a maconha não tem esse problema. Com relação à parte clínica existem demonstrações, segundo vários autores, o que precisa ser confirmado, que o uso da maconha pode facilitar o aparecimento de câncer em certas pessoas se usada de maneira desbragada. Não conseguimos ainda fazer um estudo epidemiológico suficientemente grande como os realizados com o cigarro, em que centenas de milhares de pessoas já foram entrevistadas. Para isso é preciso acompanhar muita gente que use continuamente a maconha e seja suscetível aos efeitos dela.

O senhor é favorável ao uso da maconha como recreação?
Não sou. Não sou favorável a nenhum uso de droga para “dar barato”, que altere a mente sem a real necessidade disso. Mas sou muito favorável ao uso da morfina, por exemplo, como analgésico. Seria um absurdo total proibir o uso da morfina ou do ópio porque podem produzir dependência forte. O que não posso é difundir o uso recreativo da morfina, mas devo difundir, e muito, o uso da morfina como um agente extremamente poderoso para dar qualidade de vida nos momentos finais de um canceroso que morre urrando de dor, por exemplo. No caso da maconha, há relatos científicos dizendo que a droga é uma substância de primeira linha para tratar certas dores. Não dores comuns, como uma dor de cabeça, de dente ou cólica, mas as miopáticas ou neuropáticas, que envolvem músculos e nervos. A esclerose múltipla, por exemplo, provoca esse tipo de dor. E a maconha tem um efeito muito bom para aliviar essas dores. No entanto, aqui no Brasil não se consegue utilizar esse recurso. Em outros países já há esse uso bastante difundido.

© EDUARDO CÉSAR
Mesmo nos Estados Unidos, que vêm de um período recente muito conservador?
Lá já existe pelo menos um medicamento. Eles sintetizam o delta-9-tetraidrocanabinol (THC), que é o princípio ativo da maconha, e vendem o composto para o mundo inteiro: Marinol é o nome comercial. Foi inicialmente propagandeado para reduzir a náusea e o vômito induzidos pela quimioterapia do câncer. Foi aprovado pela FDA [Food and Drug Administration, agência norte-americana de controle de alimentos e medicamentos] com uso controlado, como deve ser.

E é possível importar o medicamento no Brasil?
É proibido importar e usar. O interessante é que o uso terapêutico antináusea foi descoberto acidentalmente por jovens da Califórnia que tinham leucemia, o câncer sanguíneo. Eles recebiam o quimioterápico e, aos sábados, saíam para se divertir e fumavam maconha. Os jovens passaram a descrever para seus médicos que não sentiam nem náusea nem vômito quando estavam sob o efeito da droga. Os especialistas começaram a investigar, fizeram trabalhos e demonstraram claramente que havia um efeito antinauseante. Mais tarde estudaram outra consequência do uso da maconha, chamada popularmente de larica, a fome exagerada que o sujeito tem depois de fumar. Dessa vez também comprovaram os efeitos e patentearam o medicamento Marinol para a caquexia, a perda exagerada de peso que ocorre no câncer e na Aids.

É possível fazer chá em vez de fumar?
Não, porque os compostos que estão nas folhas não são solúveis. O delta-9-THC é vendido em cápsulas gelatinosas, dada a sua natureza lipídica. Há também um canabinoide sintético, chamado Nabilone, utilizado no Canadá. E acabou de ser lançado também no Canadá e na Inglaterra uma mistura de duas cepas de maconha. Ambas são de Cannabis sativa. Uma delas produz canabidiol, que é o precursor do delta-9-THC. E outra possui alto teor de delta-9-THC. A firma inglesa GW Pharmaceuticals faz dois extratos dessas plantas. A estratégia é misturar os dois, de maneira a ter uma quantidade adequada do canabidiol e do delta-9-THC. Essa mistura foi lançada com o nome comercial de Sativex dentro de uma bombinha, como as de asma, para usar direto na boca. Cada dose libera 5 miligramas do delta-9-THC.

Qual a indicação?
Dores neuropáticas, náusea e vômito da quimioterapia do câncer, caquexia e esclerose múltipla. O interessante é que quem pela primeira vez mostrou que misturando canabidiol com delta-9-THC em determinadas concentrações se modula melhor o efeito da maconha foi o nosso Departamento de Psicofarmacologia da Unifesp. Daqui se originou o trabalho na Inglaterra. Isso é reconhecido internacionalmente. O canabidiol modula o efeito do delta-9-THC, de tal maneira que o delta-9-THC, na presença do canabidiol, gera menos ansiedade e age por um tempo maior.

Quando vocês demonstraram isso?
São estudos da década de 1970 e 1980 com trabalhos publicados na British Journal of Pharmacology, Journal of Pharmacy and Pharmacology e European Journal of Pharmacology, revistas de alto nível. Mas nunca conseguimos tirar nada de positivo desses trabalhos aqui no Brasil para gerar algum produto. Não é prioridade para o país.

Esses trabalhos só serviram para os outros?
Só para o exterior. Foi a mesma coisa com a Maytenus ilicifolia, a espinheira-santa. Fizemos um trabalho imenso com ela. Mostramos, em animais de laboratório e no homem, que tem um efeito protetor para o estômago. Publicamos muito aqui e no exterior e não conseguimos fazer uma patente. O Japão é que pediu e conseguiu. O que me frustra mais é que no pedido de patente japonês está escrito mais ou menos assim: “… a Maytenus ilicifolia, pertencente à família Celastraceae, é utilizada no folclore brasileiro para o tratamento de úlcera”.

A história se repetiu.
Isso é comum. As tentativas oficiais de fazer a medicina aceitar no Brasil a maconha como medicamento vêm antes da década de 1990. Em 1995, como secretário nacional da Vigilância Sanitária, eu coordenava o registro de medicamentos no país. Falei para o ministro da Saúde, Adib Jatene, que desejava organizar dentro da Vigilância Sanitária uma reunião para discutir se o delta-9-THC poderia ser licenciado como medicamento contra náusea e vômito na quimioterapia do câncer. Ele concordou e falei com o presidente do Conselho Nacional de Entorpecentes, Luiz Mathias Flack, que também aceitou. Os dois abriram a reunião. Mas não conseguimos fazer nada. Os médicos não aceitaram.

Qual a razão dessa resistência? Seria o fato de a maconha ser conhecida como uma porta de entrada para outras drogas?
Mas nós estávamos falando de medicamento, não de recreação. Organizamos outras reuniões, inclusive uma aqui na Unifesp, em 2004, com especialistas do exterior. Essa deu um primeiro resultado positivo. O general Paulo Yog de Miranda Uchôa, da Senad [Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas], estava presente e aceitou que o governo brasileiro deveria solicitar à ONU, por meio do Itamaraty, que a maconha fosse retirada da lista das drogas malditas, dado ter sido o próprio governo brasileiro quem havia colocado a maconha nessa situação. Esse pedido está sendo encaminhado à ONU.

O senhor não é a favor da legalização da maconha de modo geral?
Sou contra a legalização porque acho que o ser humano não precisa usar drogas que apenas poluem corpo e mente com objetivos recreativos. Sou a favor da maconha como medicamento, usado sob controle. A descriminalização já existe no Brasil. Ninguém mais vai preso, nem se faz boletim de ocorrência, se é pego com poucos gramas hoje. A não ser que o policial assim queira.

O senhor fuma?
Maconha não. Fumei cigarro normal durante muito tempo. Parei há mais de 20 anos por um motivo curioso, quando ainda não havia provas cabais dos prejuí-zos do fumo. Eu estava no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, recém-inaugurado. Tudo era muito novo, o carpete, as cadeiras, tudo. Fui pegar um café e deixei o cigarro na ponta do cinzeiro. Quando voltei ele tinha caído e provocado um rombo no carpete novinho. Aquilo me deu uma vergonha enorme. Parei de fumar depois disso e não sinto falta.

O senhor citou a morfina como um medicamento também muito temido pelos médicos.
Na minha época na Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária acreditava-se que apenas 5% dos pacientes com dor severa, que precisavam de morfina para minorar o sofrimento – gente com câncer terminal, queimados graves, politraumatizados –, recebiam a droga. As razões são múltiplas e ocorrem no mundo inteiro. Existe um conceito chamado opiofobia. O médico não prescreve opiáceos, dos quais a morfina é um exemplo, por medo de induzir à dependência. É óbvio que a dependência é horrível, mas não para um doente terminal ou para um politraumatizado. É muito difícil vencer essa fobia dos médicos.

Estamos falando de drogas e ainda não citamos o álcool. 
O álcool é uma droga psicotrópica. Produz efeito no sistema nervoso central e gera dependência. Uma droga psicoativa é aquela que age no sistema nervoso, mas não gera dependência porque não tem propriedades reforçadoras. Já a droga psicotrópica age no cérebro, produz seu efeito – analgesia, sono, euforia, alegria, relaxamento – e ao mesmo tempo reforça essas sensações no indivíduo. Ele sente bem-estar ou prazer, que é muito importante para ele. Facilmente a pessoa se torna dependente. Para mim, o álcool é a droga mais terrível que existe no mundo. No Levantamento Domiciliar de 2005, feito pelo Cebrid, foi aplicado nas 108 maiores cidades do país um teste para verificar o risco de haver dependência do álcool. Deu que 12,3% da população entrevistada corre esse risco. É gente demais, corresponde a mais de 20 milhões de brasileiros. No momento, fazemos um trabalho apoiado pela FAPESP para tentar melhorar a adesão dos alcoólatras ao tratamento.

© EDUARDO CÉSAR
Como é esse projeto?
Começamos conversando com o paciente, procurando entendê-lo. Depois expomos quatro opções terapêuticas, inclusive com um filme ilustrativo. Deixamos que ele vá para casa com um folheto explicativo, pense no que quer fazer, discuta com a família e finalmente diga para nós qual seria o melhor tratamento. Ele é que vai escolher a técnica que julgar mais conveniente. Temos uma expectativa de que o doente, sendo senhor da situação que o envolve, possa aderir mais ao tratamento. Essa é nossa linha atual. O projeto é longo e deve demorar até ter resultados mensuráveis. No momento recrutamos pacientes alcoolistas para participarem da pesquisa. [A adesão pode ser feita pelo telefone (11) 5084-1084, com Valéria.]

Como o senhor vê a política de redução de danos, como distribuição de seringas para viciados?
Acho muito bom. É algo combatido por parte da sociedade porque não se reconhece que dependência é doença. Para algumas pessoas, quem tem de receber seringa é o diabético, e não o “viciado”. O que não se sabe é que o grau de dependência e sofrimento dele é imenso. Ele tem de ser tratado como um doente.

Podemos dizer que os trabalhos dos anos 1960 sobre privação de sono e agressividade de ratos resultaram nas linhas de pesquisa sobre sono e no próprio Instituto do Sono, liderado pelo professor Sérgio Tufik?
O Sérgio foi meu aluno na Faculdade de Medicina da Santa Casa e no doutorado. Os primeiros trabalhos sobre privação de sono paradoxal e maconha nós fizemos juntos. Não há dúvida de que saiu daqui. Ele é de uma inteligência incomum e se encaixa naquele perfil raro de cientista que vê o que todos veem e pensa o que ninguém pensou.

Como nasceu o Cebrid?
Eu queria muito conhecer a situação das drogas no Brasil assim que voltei dos Estados Unidos, mas não conseguia. Já tinha começado um esboço do Cebrid na Santa Casa e percebi que teria de produzir as informações porque havia poucos dados confiáveis. O jeito foi começar a fazer a coleta dos dados para deixá-los disponíveis em um arquivo. Começamos procurando trabalhos sobre abuso de drogas em todas as bibliotecas aqui de São Paulo. Logo no início do trabalho viemos para a Unifesp e montamos um banco de trabalhos de pesquisadores brasileiros que escreveram sobre isso. Hoje são quase 4 mil, todos disponíveis para quem quiser pesquisar. Boa parte dos trabalhos era antiga e achamos que teríamos de produzir outros estudos, mais atuais. Fizemos o primeiro levantamento entre estudantes nas capitais brasileiras e entre meninos de rua em 1987. Repetimos em 1989, 1993, 1997, 2004 e devemos fazer mais um neste ano. Esses dados são utilizados no Brasil como fonte de informações para se elaborarem políticas públicas educacionais.

Existe um grande interesse sobre os possíveis resultados dos estudos sobre plantas medicinais, especialmente pela enorme biodiversidade brasileira. Mas a expectativa de achar moléculas ou princípios ativos que possam virar medicamentos parece muito difícil de concretizar. Por quê?
De fato é difícil seguir apenas por esse caminho. Se analisarmos os medicamentos importados que chegam ao Brasil atualmente, há um número grande que é feito não mais pelo princípio ativo, mas pelo extrato seco da planta. Acredito que cometemos um erro tático de procedimento. Nós sempre corremos atrás do princípio ativo da planta. Mas ela tem dezenas, às vezes centenas de substâncias e temos de pesquisar cada uma delas para saber qual é a responsável pelo efeito que desejamos. Quando se usa um extrato e ele produz o efeito desejado, está ótimo, não é preciso mais pesquisar substância por substância. Há também outra vantagem: esses extratos vêm quase sempre de plantas que foram usadas popularmente por séculos e, provavelmente, não são muito tóxicas. Talvez, de fato, não seja a melhor estratégia utilizar um princípio ativo isolado e único. A pesquisa com algumas plantas está demonstrando que a interação entre componentes é a responsável pelo efeito desejado. Nosso problema é que não há prioridade para esse tipo de pesquisa no Brasil. A começar pelos próprios órgãos do governo, que não acreditam nisso e criam limitações como as impostas pelo CGEN [Conselho de Gestão do Patrimônio Genético], do Ministério do Meio Ambiente. O CGEN sem dúvida tem boas intenções e, como nós, visa proteger nosso patrimônio genético de modo que não caia em outras mãos e também, como nós, pretende conferir direitos àqueles que são na realidade os donos do conhecimento popular. Mas na prática estabeleceu regras tão estapafúrdias que acabou por impedir que o cientista brasileiro trabalhasse com plantas. E há outro problema: trabalho com plantas dá pouco índice de impacto, o que gera pouco interesse de outros pesquisadores e das agências de fomento.

Pesquisa FAPESP nº 70, de 2001, publicou uma reportagem sobre o trabalho da bióloga Eliana Rodrigues, orientado pelo senhor, que havia identificado 164 espécies vegetais usadas pelos índios Krahô com fins medicinais. Os índios cobraram da Unifesp uma indenização de R$ 25 milhões. Como se resolveu a situação?
Não se resolveu. Até hoje a situação é complicada. Somos acusados de ser ladrões da biodiversidade brasileira. Recentemente recebemos uma carta do Ministério Público querendo uma prova de que não publicamos esse trabalho em nenhuma revista do exterior. Na mesma época, centenas de trabalhos de brasileiros foram publicados por diferentes universidades brasileiras no exterior em associação com indústrias estrangeiras e, mais do que isso, há quatro estudos com plantas exclusivas do Brasil feitos apenas por universidades de fora. E nós fomos escolhidos para prestar contas, não sabemos a razão. Para poder pesquisar uma planta brasileira, nós, farmacólogos, temos de provar que não estamos fazendo uma bioprospecção. Bioprospecção, por definição, é qualquer coisa do campo da ciência que pode gerar no futuro um interesse comercial. Ora, farmacologia é o estudo de medicamentos, algo que sempre poderá gerar um produto comercial, mesmo que o pesquisador não queira. Pode ser um remédio, um cosmético, uma tinta qualquer.

Vocês são processados pelos índios?
Não, eles estão a nosso favor. Eles vieram até aqui e ficamos três dias com autoridades públicas. Um dos líderes, que fala melhor o português, nos disse, “que fique bem claro, se a pesquisa não sai é por culpa de vocês brancos, porque nós queremos”. Estamos nessa briga. É o governo contra o governo, porque, afinal, a Unifesp é federal. Nosso projeto já havia sido aprovado pela FAPESP. Fechei questão em um ponto: queria que os índios tivessem direito à patente. Como índio é tutelado pelo Estado e não pode assinar nada, tentei interessar a Funai, mas naquele período mudaram três ou quatro ministros da Justiça e os respectivos presidentes da Funai. A solução foi fazer um contrato “ético” entre a universidade e os índios de modo que eles tivessem assegurados os direitos aos royalties pela própria universidade. Tudo foi assinado – e depois morreu completamente.

Como foi sua passagem pela Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária, a atual Anvisa? 
A Vigilância Sanitária tinha uma fama medonha de corrupção, conhecida nacionalmente. Quando aceitei o convite do ministro Adib Jatene, a missão era moralizá-la e modernizá-la. Pedi a colaboração dos funcionários para mudar a fama do lugar e acho que fui atendido. Eu recebia muitos presentes, relógios, canetas Mont Blanc, eletrodomésticos e decidi não devolvê-los para não criar novas inimizades. Eu agradecia e mandava a secretária colocar em uma estante específica. Eram dezenas e dezenas de presentes. Depois levava as pessoas que davam os presentes para verem o que era a estante. No final do ano chamava todos os funcionários da Anvisa e fazia um grande sorteio com esses presentes. Também afastei 15 funcionários e “fechei” de 100 a 150 laboratórios fantasmas, todos com registros normais e vários participando de concorrências públicas. Isso dá uma ideia do nível de desacertos do período. Também cancelei mais de 300 registros de farmácias magistrais que faziam as famigeradas fórmulas para emagrecer. Mas adiantou pouco. Saindo o Jatene e eu deixando a Vigilância Sanitária tudo voltou ao que era antes. Felizmente, logo depois um outro ministro da Saúde assumiu, foi criada a Anvisa e nos dias de hoje acredito que aquela negra fase jamais voltará. O interessante é que, depois de tanta luta, ganhei bastante respeitabilidade entre o pessoal da indústria e na própria Vigilância Sanitária.
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