Tradutor (incluindo Português)

Mostrando postagens com marcador redução de danos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador redução de danos. Mostrar todas as postagens

04/03/2014

Carnaval 2014: ‘Bloco Redução de Danos’ sensibiliza sobre uso de álcool e outras drogas na folia

Carnaval 2014: ‘Bloco Redução de Danos’ sensibiliza sobre uso de álcool e outras drogas na folia


carnaval
No percurso, serão distribuídos preservativos e água mineral, ao som de uma Banda de Fanfarra | FOTO: Meramente Ilustrativa/Google |
O ‘Bloco Redução de Danos’ realizará, pela quarta vez consecutiva, ação educativa no Carnaval de Salvador – nos dias 26 e 27 -, com o objetivo de sensibilizar os foliões sobre a necessidade de reduzir os danos e riscos causados pelo uso de álcool e outras drogas, além de prevenir a contaminação pelo vírus HIV/Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis. O bloco é uma iniciativa do Centro de Estudos e Terapias do Abuso das Drogas (CetadD/Ufba), com apoio da Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH). Na quarta (26), a ação ocorrerá durante a Lavagem do Habeas Copos, às 18h30, do Farol da Barra ao Cristo.
No percurso, serão distribuídos preservativos e água mineral, ao som de uma Banda de Fanfarra. Na quinta (27), às 18h, será no Cruzeiro de São Francisco, no Circuito Batatinha (Centro Histórico de Salvador). Profissionais da SJCDH e do Cetad ficarão no local trocando uma lata de cerveja vazia por um copo de água mineral.
Camisas 
A proposta é chamar a atenção dos foliões para a importância de adotar ações de redução de riscos e danos, entre elas, a hidratação durante o uso de substâncias psicoativas, em especial o álcool, que tem o seu consumo aumentado durante o período carnavalesco.
O evento conta com a participação dos serviços da rede pública de referência em álcool e drogas localizados em Salvador e terá 500 camisas distribuídas para profissionais e usuários dos serviços SUS/Suas [Sistema Único de Saúde e Sistema Único de Assistência Social], gratuitamente.

23/07/2013

Experiência exitosa de redução de danos

Experiência exitosa de redução de danos


Downtown Eastside (“DTE”) é uma comunidade densamente povoada e com alto índice de pobreza, uso de drogas e habitação inadequada. Ela fica localizada a poucos minutos – a pé- do centro de Vancouver e desde 1990 sofre com o uso abusivo de drogas injetáveis. O consequente compartilhamento de seringas entre os usuários caracterizou uma epidemia de HIV / AIDS e hepatite C, levando as autoridades canadeneses a declararem, em setembro de 1997, uma emergência de saúde pública no local.

Foi então que as autoridades de saúde reconheceram a necessidade soluções criativas para atender à população marginalizada – moradora de rua – e com complexas questões de saúde mental, física e emocional. Nesse cenário controverso começou, em 1991, o trabalho da PHS Community Services Society.
O PHS tem o objetivo de promover serviços e moradia; criar um senso de comunidade; fornecer asilo, defesa, serviços e habitação para aqueles que têm doenças mentais, deficiência física, HIV / AIDS, história de atividade criminosa, problemas de abuso de substânciase; além de promover, desenvolver, e manter habitação a preços acessíveis e apoiar os adultos que não tenham ou apresentam dificuldade de acesso a moradias adequadas. Esses propósitos foram difundidos em vários projetos e serviços.
O DTE concentra cerca de 4 mil pessoas vivendo em situação de rua ou moradia instável. Atualmente, a PHS conta com 18 hotéis que abrigam 1178 pessoas, as quais recebem uma bolsa do governo, que é revertida para o pagamento do aluguel dos quartos e manutenção dos serviços de abrigamento. Esse programa reduziu em mais de 85% o número de moradores de rua. O mais antigo do programa, o Stanley New Foutain Hotel, tem 87 abrigados, em sua maioria usuários de drogas injetávies que possuem problemas psiquiátricos graves. Há um número alto de overdoses no prédio.
Integrante do PHS, o Washington Needle Depot (WNP) surgiu logo após o fechamento de um programa de distribuição de seringas operado sob uma tenda na esquina da Main Street e Hastings Street. Em 1993, através desse programa, a PHS foi a primeira agência em Vancouver a operar “in loco” com um programa de distribuição fixa de seringas e agulhas, e a primeira organização em Brisith Columbia a receber financiamento dos programas de prevenção do HIV.
A distribuição ilimitada de seringas realizada pelo programa contribuiu para a diminuição da epidemia de HIV na cidade. Atualmente ele apresenta uma redução de 38% do risco de HIV entre na população de Vancouver.
Aliado a isso, existe um programa móvel de distribuição de insumos a domicílio, que também recolhe as seringas e o material usado para descarte; e esvazia, diariamente, as 28 caixas fixas espalhadas pelo DTE com as agulhas e material já utilizado; além de recolher as seringas e agulhas descartadas de maneira imprópria. O programa trabalha em 9 pontos do DTE específicos toda a manhã dando orientações à população na rua e distribuindo material.
Outros projetos criados pelo PHS Community Services Society para o tratamento e acompanhamento de usuário de drogas injetáveis são o “Heroin Perscrition Trial” e o “Low Theewshold Methadone Clinic”. Os programas, desde 1996, aumentaram o acesso ao tratamento pela metadona em 42,8%. O trabalho é baseado em uma visão integral do usuário de drogas e no vínculo pessoal. Assim, se a pessoa não aparece por alguns dias, algum profissional vai a casa dela para saber o que aconteceu e também verifica se a pessoa têm outros problemas de saúde, como HIV, Hepatite C, hipertensão, tuberculose, entre outros.

A organização mantem um local para injeção supervisionada de drogas e um programa de desintoxicação, conhecido como Insite que recebe a visita de mil pessoas diariamente para uso monitorado de drogas. O centro tem como foco a política de redução de danos por consumo de drogas psicoativas, principalmente heroína, cocaína e morfina. Graças ao tratamento já foram evitadas 1778 mortes por overdose, segundo pesquisa do Urban Health Research Institute.
No segundo andar do Insite, funciona o Onsite, local onde os usuários têm acesso a quartos e banheiros privados para se desintoxicar. A última etapa do tratamento é a recuperação e estabilização dos usuários para a conexão com os programas de tratamento da comunidade e de habitação. O acompanhamento contínuo e sigiloso dos participantes se garante mediante o uso de codinomes.
O Managed-Alcool Program (MAP), que começou em 2011 com o objetivo de reduzir danos causados pelo consumo excessivo de álcool, tem 12 integrantes e custa cerca de $350 por participante. Os beneficiários, que antes bebiam “Listerini” por conta do alto preço da bebida alcoólica no Canadá, ingerem doses supervisionadas de álcool de boa qualidade e têm acesso a tratamento de hipertensão e diabetes. Com isso, reduziu-se radicalmente a ida aos hospitais.
No PHS, o foco do trabalho passou das drogas ao indivíduo. A acessibilidade às drogas continua a mesma, mas conseguiu-se reduzir o número de pessoas encarceradas, a incidência de HIV, Hepatite C e as mortes por overdose. Assim, essa experiência nos convida a pensar em tirar o foco das drogas e redirecionar nossos esforços para o cuidado da população e, particularmente, dos usuários de drogas.
Fonte: CBDD - Comissão Brasileira Sobre Drogas e Democracia

Para saber mais, clique aqui.

03/06/2013

Resposta Folha de S. Paulo

Resposta Folha de S. Paulo * Unifesp


Resposta Folha de S. Paulo Na edição da Folha de S. Paulo de 25 de maio, o repórter Luiz Caversan comete um grave equívoco de informação, no artigo: "As drogas e a guerra perdida", publicado em sua coluna. Segundo escreve Caversan: "(...) E ao que tudo indica o principal Estado e principal cidade do país consolidam esta linha de atuação, conforme ficou claro na participação do psiquiatra Ronaldo Laranjeira no programa Roda-Vida (TV Cultura) da última segunda-feira. Laranjeira, porta-voz de tudo o que se refere a drogas na Universidade Federal de São Paulo, agora também é responsável pela aplicação do programa do governo do Estado em que a tal "bolsa crack" se inclui e ainda por um outro programa referência da prefeitura paulistana, no populoso hospital Heliópolis." A afirmação segundo a qual o psiquiatra Ronaldo Laranjeira é "porta-voz de tudo o que se refere a drogas na Universidade Federal de São Paulo" é absolutamente incorreta. 

As posições defendidas pelo Prof. Ronaldo Ramos Laranjeira no Programa Roda-Viva exibido na semana passada na TV Cultura expressam sua posição pessoal sobre o tema, não sendo consensual nesta universidade. Como é próprio à natureza de uma universidade plural e democrática, há espaço para amplo debate de ideias e coexistem diferentes pontos de vista sobre esta e outras questões. 

Existem na Unifesp outros pesquisadores atuantes na mesma área, também reconhecidos nacional e internacionalmente, que não compartilham do seu ponto de vista e se posicionam a favor das políticas de redução de danos e outras iniciativas que visam promover uma visão mais abrangente da questão, não a limitando a ações na área da saúde mas promovendo ações educativas, de reinserção social e discussão política sobre os aspectos legais envolvendo esta complexa questão. Prof. Dra. Florianita Coelho Braga Campos Pró-reitora de Extensão da Unifesp.

12/05/2013

Elisaldo Carlini: O uso medicinal da maconha


Elisaldo Carlini: O uso medicinal da maconha

Especialista em psicofarmacologia diz que já está mais do que na hora de reconhecer as qualidades médicas da droga no Brasil
NELDSON MARCOLIN e RICARDO ZORZETTO | Edição 168 - Fevereiro de 2010

O médico Elisaldo Carlini parece ter uma obsessão como especialista em psicofarmacologia, área que ajudou a difundir no Brasil nos anos 1960 depois de uma passagem de quatro anos pelos Estados Unidos, três deles na Universidade Yale. O foco de seu trabalho é procurar entender como a Cannabis sativa – a maconha – age no organismo humano, seu alvo de pesquisa há 50 anos. Herdou esse interesse de José Ribeiro do Valle, seu professor de farmacologia na Escola Paulista de Medicina na década de 1950. Desde então tem trabalhado no sentido de desmitificar o conceito de que a maconha é uma droga maldita, sem utilidade.


Nas décadas de 1970 e 1980 liderou no Brasil um grupo de pesquisa publicando mais de 40 trabalhos em revistas científicas internacionais. Esses resultados, juntamente com as investigações de outros grupos internacionais, possibilitaram o desenvolvimento no exterior de medicamentos à base de Cannabis sativa utilizados atualmente em vários países do mundo para tratamento da náusea e dos vômitos causados pela quimioterapia do câncer, para melhorar a caquexia (enfraquecimento extremo) de doentes com HIV e câncer e para aliviar alguns tipos de dores. Para ele, já está mais do que na hora de reconhecer o uso medicinal da maconha no Brasil.
Em maio deste ano haverá um simpósio internacional em São Paulo especialmente para tratar dessa questão. Carlini vê grande preconceito contra a maconha, mas aposta que se os pesquisadores insistirem na direção correta, com o apoio da ciência, essa aprovação será obtida algum dia. É preciso ressaltar que esse médico de 79 anos é contra o uso dessa e de outras drogas para fins recreativos.
Carlini tem uma atuação social que, por vezes, ofusca o cientista. Ele é o criador do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) – um importante fornecedor de informações para a formulação de políticas de educação – e da Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos (Sobravime), em 1990. Entre 1995 e 1997 esteve à frente da Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária, órgão predecessor da atual Anvisa, onde enfrentou a espinhosa missão de combater a corrupção no setor. Com sucesso, diga-se. Atualmente está no sétimo mandato como membro do Expert Advisory Panel on Drug Dependence and Alcohol Problems, da Organização Mundial da Saúde (OMS). Tem seis filhos e cinco netos. Em dezembro, entre uma reunião e outra, Carlini deu a entrevista abaixo.
Qual será a proposta do simpósio internacional sobre maconha, que ocorrerá em maio em São Paulo?
Vamos propor que a maconha seja aceita para uso médico no Brasil. Meu avô se formou médico no fim do século XIX e naquela época já usava um livro de 1888, que guardo até hoje, com a receita da maconha para vários males. Era uma terapêutica corrente no mundo todo, inclusive no Brasil. O simpósio internacional terá o título “Uma agência brasileira da Cannabis medicinal?”. A Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece que a maconha pode ser medicamento – apesar da proibição da Convenção Única de Entorpecentes, de 1961 – desde que os paí-ses oficializem uma agência especial para Cannabis e derivados nos seus ministérios da Saúde. Já há uns 10 países que fazem esse uso: Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Itália, França, Alemanha, Espanha, Suíça, entre outros.

Quando e como o senhor decidiu eleger a maconha como objeto de estudo?
Quando entrei na Escola Paulista de Medicina [a EPM, hoje Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)] em 1952. E como aluno do 2º ano comecei a me interessar pela farmacologia e estagiei com o professor José Ribeiro do Valle. Ele foi o primeiro que fez trabalhos verdadeiramente científicos sobre a Cannabis sativa em animais de laboratório no Brasil.

Quais experimentos?
Ele procurava saber os tipos de reação [comportamental] que os animais apresentam quando submetidos aos efeitos da maconha e queria quantificar a potência dos diferentes tipos dessa planta. Naquela época, a psicologia experimental estava pouco desenvolvida no Brasil. Em 1960 fui para os Estados Unidos com a missão de estudar técnicas mais modernas de neuroquímica e psicologia experimental para introduzir aqui. Foi o que fiz quando retornei, em 1964.

O senhor foi logo depois de acabar a graduação?
Não, me formei em 1957 e trabalhei como assistente voluntário da farmacologia até 1960 com bolsa da Fundação Rockefeller. Foi quando ganhei outra bolsa, mas para ir para os Estados Unidos. Fiquei lá quatro anos e fiz o mestrado na Universidade Yale. Quando voltei não consegui lugar na EPM, apesar dos esforços do Ribeiro do Valle. Fui para a Faculdade de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, que começava a funcionar.

Por que o senhor não foi contratado pela EPM?
Não havia vagas. Em 1964 eu era casado, tinha três filhos. Fiquei dois meses na EPM e fui para a Santa Casa, de onde saí em 1970. Foi lá que comecei a fazer de fato meus estudos sobre maconha com testes comportamentais.

Como o senhor voltou para a EPM?
Quando me avisaram que não queriam mais pesquisa na Santa Casa. Como não queria apenas dar aula, fui para a EPM e falei com o diretor, professor Horácio Kneese de Mello. Perguntei se ele aceitava que fosse para lá e desse um curso que não existia lá naquele tempo, de psicofarmacologia, junto ao curso de farmacologia do Ribeiro do Valle. Ele aceitou e prometeu que assim que abrisse a primeira vaga eu seria efetivado. Dois anos depois isso ocorreu. Entrei como professor-adjunto, depois me tornei titular.

Lá o senhor continuou os estudos sobre a maconha?
Continuei no assunto. Quando estudamos a história da maconha, é fácil ver que na proibição de seu uso médico não há nada de científico, e sim de ideológico. Até o início do século XX a maconha era considerada um excelente medicamento. Ela era importada da França na forma de cigarros que se chamavam Grimaldi. Depois, dos anos 1930 em diante, a maconha virou uma droga maldita. O governo egípcio chegou a dizer que ela era uma droga totalmente destruidora, que mereceria o ódio dos povos civilizados. O Brasil participou da criminalização da maconha por meio de uma mentira levada pelo representante brasileiro na Liga das Nações, antecessora da ONU. Em 1925, a Liga das Nações fez a segunda conferência internacional sobre o ópio com 44 países presentes, entre os quais o Brasil. Era para discutir como controlar o ópio, mas o Egito entrou com o tema maconha. E o representante brasileiro, Pedro Pernambuco Filho, disse que ela era mais perigosa que o ópio no nosso país. Isso era, naturalmente, incorreto. Primeiro porque a maconha é muitíssimo menos perigosa que o ópio; segundo, o ópio nunca foi um problema aqui. O resultado disso é que a Liga das Nações condenou a maconha. Depois que a ONU foi criada houve a primeira Convenção Única de Entorpecentes em 1961, assinada por mais de 200 países colocando a Cannabis numa lista, junto com a heroína, como droga particularmente perigosa. É algo que não tem razão científica nos dias de hoje.

De qualquer forma, é indiscutível que a maconha tem efeitos tóxicos.
Claro que tem, como todos os medicamentos. Não existe nenhum remédio em que a bula diga “Não provoca nenhum tipo de problema”. Isso vale para as plantas. Estamos desenvolvendo o programa Planfavi, Planta e Farmacovigilância, e alertamos também para os perigos dos produtos naturais.

Comparado com o cigarro de nicotina, o cigarro de maconha é pior ou melhor?
Tenho dificuldade em dar uma resposta definitiva. Não há dúvida hoje de que o cigarro normal é cancerígeno. Nós sabemos que a maconha tem também substâncias cancerígenas. A folha da maconha é coberta por uma camada de cera que tem naftaleno, antraceno… Se esfregarmos o sarro da maconha na pele de rato, naqueles que nascem sem pelo, o animal passa a ter câncer depois de 50 semanas da administração. Ocorre que não se usa a maconha da mesma forma que o cigarro, com a mesma intensidade e frequência. Outra diferença é que o cigarro tem um efeito bastante sério para o coração. Já a maconha não tem esse problema. Com relação à parte clínica existem demonstrações, segundo vários autores, o que precisa ser confirmado, que o uso da maconha pode facilitar o aparecimento de câncer em certas pessoas se usada de maneira desbragada. Não conseguimos ainda fazer um estudo epidemiológico suficientemente grande como os realizados com o cigarro, em que centenas de milhares de pessoas já foram entrevistadas. Para isso é preciso acompanhar muita gente que use continuamente a maconha e seja suscetível aos efeitos dela.

O senhor é favorável ao uso da maconha como recreação?
Não sou. Não sou favorável a nenhum uso de droga para “dar barato”, que altere a mente sem a real necessidade disso. Mas sou muito favorável ao uso da morfina, por exemplo, como analgésico. Seria um absurdo total proibir o uso da morfina ou do ópio porque podem produzir dependência forte. O que não posso é difundir o uso recreativo da morfina, mas devo difundir, e muito, o uso da morfina como um agente extremamente poderoso para dar qualidade de vida nos momentos finais de um canceroso que morre urrando de dor, por exemplo. No caso da maconha, há relatos científicos dizendo que a droga é uma substância de primeira linha para tratar certas dores. Não dores comuns, como uma dor de cabeça, de dente ou cólica, mas as miopáticas ou neuropáticas, que envolvem músculos e nervos. A esclerose múltipla, por exemplo, provoca esse tipo de dor. E a maconha tem um efeito muito bom para aliviar essas dores. No entanto, aqui no Brasil não se consegue utilizar esse recurso. Em outros países já há esse uso bastante difundido.

© EDUARDO CÉSAR
Mesmo nos Estados Unidos, que vêm de um período recente muito conservador?
Lá já existe pelo menos um medicamento. Eles sintetizam o delta-9-tetraidrocanabinol (THC), que é o princípio ativo da maconha, e vendem o composto para o mundo inteiro: Marinol é o nome comercial. Foi inicialmente propagandeado para reduzir a náusea e o vômito induzidos pela quimioterapia do câncer. Foi aprovado pela FDA [Food and Drug Administration, agência norte-americana de controle de alimentos e medicamentos] com uso controlado, como deve ser.

E é possível importar o medicamento no Brasil?
É proibido importar e usar. O interessante é que o uso terapêutico antináusea foi descoberto acidentalmente por jovens da Califórnia que tinham leucemia, o câncer sanguíneo. Eles recebiam o quimioterápico e, aos sábados, saíam para se divertir e fumavam maconha. Os jovens passaram a descrever para seus médicos que não sentiam nem náusea nem vômito quando estavam sob o efeito da droga. Os especialistas começaram a investigar, fizeram trabalhos e demonstraram claramente que havia um efeito antinauseante. Mais tarde estudaram outra consequência do uso da maconha, chamada popularmente de larica, a fome exagerada que o sujeito tem depois de fumar. Dessa vez também comprovaram os efeitos e patentearam o medicamento Marinol para a caquexia, a perda exagerada de peso que ocorre no câncer e na Aids.

É possível fazer chá em vez de fumar?
Não, porque os compostos que estão nas folhas não são solúveis. O delta-9-THC é vendido em cápsulas gelatinosas, dada a sua natureza lipídica. Há também um canabinoide sintético, chamado Nabilone, utilizado no Canadá. E acabou de ser lançado também no Canadá e na Inglaterra uma mistura de duas cepas de maconha. Ambas são de Cannabis sativa. Uma delas produz canabidiol, que é o precursor do delta-9-THC. E outra possui alto teor de delta-9-THC. A firma inglesa GW Pharmaceuticals faz dois extratos dessas plantas. A estratégia é misturar os dois, de maneira a ter uma quantidade adequada do canabidiol e do delta-9-THC. Essa mistura foi lançada com o nome comercial de Sativex dentro de uma bombinha, como as de asma, para usar direto na boca. Cada dose libera 5 miligramas do delta-9-THC.

Qual a indicação?
Dores neuropáticas, náusea e vômito da quimioterapia do câncer, caquexia e esclerose múltipla. O interessante é que quem pela primeira vez mostrou que misturando canabidiol com delta-9-THC em determinadas concentrações se modula melhor o efeito da maconha foi o nosso Departamento de Psicofarmacologia da Unifesp. Daqui se originou o trabalho na Inglaterra. Isso é reconhecido internacionalmente. O canabidiol modula o efeito do delta-9-THC, de tal maneira que o delta-9-THC, na presença do canabidiol, gera menos ansiedade e age por um tempo maior.

Quando vocês demonstraram isso?
São estudos da década de 1970 e 1980 com trabalhos publicados na British Journal of Pharmacology, Journal of Pharmacy and Pharmacology e European Journal of Pharmacology, revistas de alto nível. Mas nunca conseguimos tirar nada de positivo desses trabalhos aqui no Brasil para gerar algum produto. Não é prioridade para o país.

Esses trabalhos só serviram para os outros?
Só para o exterior. Foi a mesma coisa com a Maytenus ilicifolia, a espinheira-santa. Fizemos um trabalho imenso com ela. Mostramos, em animais de laboratório e no homem, que tem um efeito protetor para o estômago. Publicamos muito aqui e no exterior e não conseguimos fazer uma patente. O Japão é que pediu e conseguiu. O que me frustra mais é que no pedido de patente japonês está escrito mais ou menos assim: “… a Maytenus ilicifolia, pertencente à família Celastraceae, é utilizada no folclore brasileiro para o tratamento de úlcera”.

A história se repetiu.
Isso é comum. As tentativas oficiais de fazer a medicina aceitar no Brasil a maconha como medicamento vêm antes da década de 1990. Em 1995, como secretário nacional da Vigilância Sanitária, eu coordenava o registro de medicamentos no país. Falei para o ministro da Saúde, Adib Jatene, que desejava organizar dentro da Vigilância Sanitária uma reunião para discutir se o delta-9-THC poderia ser licenciado como medicamento contra náusea e vômito na quimioterapia do câncer. Ele concordou e falei com o presidente do Conselho Nacional de Entorpecentes, Luiz Mathias Flack, que também aceitou. Os dois abriram a reunião. Mas não conseguimos fazer nada. Os médicos não aceitaram.

Qual a razão dessa resistência? Seria o fato de a maconha ser conhecida como uma porta de entrada para outras drogas?
Mas nós estávamos falando de medicamento, não de recreação. Organizamos outras reuniões, inclusive uma aqui na Unifesp, em 2004, com especialistas do exterior. Essa deu um primeiro resultado positivo. O general Paulo Yog de Miranda Uchôa, da Senad [Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas], estava presente e aceitou que o governo brasileiro deveria solicitar à ONU, por meio do Itamaraty, que a maconha fosse retirada da lista das drogas malditas, dado ter sido o próprio governo brasileiro quem havia colocado a maconha nessa situação. Esse pedido está sendo encaminhado à ONU.

O senhor não é a favor da legalização da maconha de modo geral?
Sou contra a legalização porque acho que o ser humano não precisa usar drogas que apenas poluem corpo e mente com objetivos recreativos. Sou a favor da maconha como medicamento, usado sob controle. A descriminalização já existe no Brasil. Ninguém mais vai preso, nem se faz boletim de ocorrência, se é pego com poucos gramas hoje. A não ser que o policial assim queira.

O senhor fuma?
Maconha não. Fumei cigarro normal durante muito tempo. Parei há mais de 20 anos por um motivo curioso, quando ainda não havia provas cabais dos prejuí-zos do fumo. Eu estava no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, recém-inaugurado. Tudo era muito novo, o carpete, as cadeiras, tudo. Fui pegar um café e deixei o cigarro na ponta do cinzeiro. Quando voltei ele tinha caído e provocado um rombo no carpete novinho. Aquilo me deu uma vergonha enorme. Parei de fumar depois disso e não sinto falta.

O senhor citou a morfina como um medicamento também muito temido pelos médicos.
Na minha época na Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária acreditava-se que apenas 5% dos pacientes com dor severa, que precisavam de morfina para minorar o sofrimento – gente com câncer terminal, queimados graves, politraumatizados –, recebiam a droga. As razões são múltiplas e ocorrem no mundo inteiro. Existe um conceito chamado opiofobia. O médico não prescreve opiáceos, dos quais a morfina é um exemplo, por medo de induzir à dependência. É óbvio que a dependência é horrível, mas não para um doente terminal ou para um politraumatizado. É muito difícil vencer essa fobia dos médicos.

Estamos falando de drogas e ainda não citamos o álcool. 
O álcool é uma droga psicotrópica. Produz efeito no sistema nervoso central e gera dependência. Uma droga psicoativa é aquela que age no sistema nervoso, mas não gera dependência porque não tem propriedades reforçadoras. Já a droga psicotrópica age no cérebro, produz seu efeito – analgesia, sono, euforia, alegria, relaxamento – e ao mesmo tempo reforça essas sensações no indivíduo. Ele sente bem-estar ou prazer, que é muito importante para ele. Facilmente a pessoa se torna dependente. Para mim, o álcool é a droga mais terrível que existe no mundo. No Levantamento Domiciliar de 2005, feito pelo Cebrid, foi aplicado nas 108 maiores cidades do país um teste para verificar o risco de haver dependência do álcool. Deu que 12,3% da população entrevistada corre esse risco. É gente demais, corresponde a mais de 20 milhões de brasileiros. No momento, fazemos um trabalho apoiado pela FAPESP para tentar melhorar a adesão dos alcoólatras ao tratamento.

© EDUARDO CÉSAR
Como é esse projeto?
Começamos conversando com o paciente, procurando entendê-lo. Depois expomos quatro opções terapêuticas, inclusive com um filme ilustrativo. Deixamos que ele vá para casa com um folheto explicativo, pense no que quer fazer, discuta com a família e finalmente diga para nós qual seria o melhor tratamento. Ele é que vai escolher a técnica que julgar mais conveniente. Temos uma expectativa de que o doente, sendo senhor da situação que o envolve, possa aderir mais ao tratamento. Essa é nossa linha atual. O projeto é longo e deve demorar até ter resultados mensuráveis. No momento recrutamos pacientes alcoolistas para participarem da pesquisa. [A adesão pode ser feita pelo telefone (11) 5084-1084, com Valéria.]

Como o senhor vê a política de redução de danos, como distribuição de seringas para viciados?
Acho muito bom. É algo combatido por parte da sociedade porque não se reconhece que dependência é doença. Para algumas pessoas, quem tem de receber seringa é o diabético, e não o “viciado”. O que não se sabe é que o grau de dependência e sofrimento dele é imenso. Ele tem de ser tratado como um doente.

Podemos dizer que os trabalhos dos anos 1960 sobre privação de sono e agressividade de ratos resultaram nas linhas de pesquisa sobre sono e no próprio Instituto do Sono, liderado pelo professor Sérgio Tufik?
O Sérgio foi meu aluno na Faculdade de Medicina da Santa Casa e no doutorado. Os primeiros trabalhos sobre privação de sono paradoxal e maconha nós fizemos juntos. Não há dúvida de que saiu daqui. Ele é de uma inteligência incomum e se encaixa naquele perfil raro de cientista que vê o que todos veem e pensa o que ninguém pensou.

Como nasceu o Cebrid?
Eu queria muito conhecer a situação das drogas no Brasil assim que voltei dos Estados Unidos, mas não conseguia. Já tinha começado um esboço do Cebrid na Santa Casa e percebi que teria de produzir as informações porque havia poucos dados confiáveis. O jeito foi começar a fazer a coleta dos dados para deixá-los disponíveis em um arquivo. Começamos procurando trabalhos sobre abuso de drogas em todas as bibliotecas aqui de São Paulo. Logo no início do trabalho viemos para a Unifesp e montamos um banco de trabalhos de pesquisadores brasileiros que escreveram sobre isso. Hoje são quase 4 mil, todos disponíveis para quem quiser pesquisar. Boa parte dos trabalhos era antiga e achamos que teríamos de produzir outros estudos, mais atuais. Fizemos o primeiro levantamento entre estudantes nas capitais brasileiras e entre meninos de rua em 1987. Repetimos em 1989, 1993, 1997, 2004 e devemos fazer mais um neste ano. Esses dados são utilizados no Brasil como fonte de informações para se elaborarem políticas públicas educacionais.

Existe um grande interesse sobre os possíveis resultados dos estudos sobre plantas medicinais, especialmente pela enorme biodiversidade brasileira. Mas a expectativa de achar moléculas ou princípios ativos que possam virar medicamentos parece muito difícil de concretizar. Por quê?
De fato é difícil seguir apenas por esse caminho. Se analisarmos os medicamentos importados que chegam ao Brasil atualmente, há um número grande que é feito não mais pelo princípio ativo, mas pelo extrato seco da planta. Acredito que cometemos um erro tático de procedimento. Nós sempre corremos atrás do princípio ativo da planta. Mas ela tem dezenas, às vezes centenas de substâncias e temos de pesquisar cada uma delas para saber qual é a responsável pelo efeito que desejamos. Quando se usa um extrato e ele produz o efeito desejado, está ótimo, não é preciso mais pesquisar substância por substância. Há também outra vantagem: esses extratos vêm quase sempre de plantas que foram usadas popularmente por séculos e, provavelmente, não são muito tóxicas. Talvez, de fato, não seja a melhor estratégia utilizar um princípio ativo isolado e único. A pesquisa com algumas plantas está demonstrando que a interação entre componentes é a responsável pelo efeito desejado. Nosso problema é que não há prioridade para esse tipo de pesquisa no Brasil. A começar pelos próprios órgãos do governo, que não acreditam nisso e criam limitações como as impostas pelo CGEN [Conselho de Gestão do Patrimônio Genético], do Ministério do Meio Ambiente. O CGEN sem dúvida tem boas intenções e, como nós, visa proteger nosso patrimônio genético de modo que não caia em outras mãos e também, como nós, pretende conferir direitos àqueles que são na realidade os donos do conhecimento popular. Mas na prática estabeleceu regras tão estapafúrdias que acabou por impedir que o cientista brasileiro trabalhasse com plantas. E há outro problema: trabalho com plantas dá pouco índice de impacto, o que gera pouco interesse de outros pesquisadores e das agências de fomento.

Pesquisa FAPESP nº 70, de 2001, publicou uma reportagem sobre o trabalho da bióloga Eliana Rodrigues, orientado pelo senhor, que havia identificado 164 espécies vegetais usadas pelos índios Krahô com fins medicinais. Os índios cobraram da Unifesp uma indenização de R$ 25 milhões. Como se resolveu a situação?
Não se resolveu. Até hoje a situação é complicada. Somos acusados de ser ladrões da biodiversidade brasileira. Recentemente recebemos uma carta do Ministério Público querendo uma prova de que não publicamos esse trabalho em nenhuma revista do exterior. Na mesma época, centenas de trabalhos de brasileiros foram publicados por diferentes universidades brasileiras no exterior em associação com indústrias estrangeiras e, mais do que isso, há quatro estudos com plantas exclusivas do Brasil feitos apenas por universidades de fora. E nós fomos escolhidos para prestar contas, não sabemos a razão. Para poder pesquisar uma planta brasileira, nós, farmacólogos, temos de provar que não estamos fazendo uma bioprospecção. Bioprospecção, por definição, é qualquer coisa do campo da ciência que pode gerar no futuro um interesse comercial. Ora, farmacologia é o estudo de medicamentos, algo que sempre poderá gerar um produto comercial, mesmo que o pesquisador não queira. Pode ser um remédio, um cosmético, uma tinta qualquer.

Vocês são processados pelos índios?
Não, eles estão a nosso favor. Eles vieram até aqui e ficamos três dias com autoridades públicas. Um dos líderes, que fala melhor o português, nos disse, “que fique bem claro, se a pesquisa não sai é por culpa de vocês brancos, porque nós queremos”. Estamos nessa briga. É o governo contra o governo, porque, afinal, a Unifesp é federal. Nosso projeto já havia sido aprovado pela FAPESP. Fechei questão em um ponto: queria que os índios tivessem direito à patente. Como índio é tutelado pelo Estado e não pode assinar nada, tentei interessar a Funai, mas naquele período mudaram três ou quatro ministros da Justiça e os respectivos presidentes da Funai. A solução foi fazer um contrato “ético” entre a universidade e os índios de modo que eles tivessem assegurados os direitos aos royalties pela própria universidade. Tudo foi assinado – e depois morreu completamente.

Como foi sua passagem pela Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária, a atual Anvisa? 
A Vigilância Sanitária tinha uma fama medonha de corrupção, conhecida nacionalmente. Quando aceitei o convite do ministro Adib Jatene, a missão era moralizá-la e modernizá-la. Pedi a colaboração dos funcionários para mudar a fama do lugar e acho que fui atendido. Eu recebia muitos presentes, relógios, canetas Mont Blanc, eletrodomésticos e decidi não devolvê-los para não criar novas inimizades. Eu agradecia e mandava a secretária colocar em uma estante específica. Eram dezenas e dezenas de presentes. Depois levava as pessoas que davam os presentes para verem o que era a estante. No final do ano chamava todos os funcionários da Anvisa e fazia um grande sorteio com esses presentes. Também afastei 15 funcionários e “fechei” de 100 a 150 laboratórios fantasmas, todos com registros normais e vários participando de concorrências públicas. Isso dá uma ideia do nível de desacertos do período. Também cancelei mais de 300 registros de farmácias magistrais que faziam as famigeradas fórmulas para emagrecer. Mas adiantou pouco. Saindo o Jatene e eu deixando a Vigilância Sanitária tudo voltou ao que era antes. Felizmente, logo depois um outro ministro da Saúde assumiu, foi criada a Anvisa e nos dias de hoje acredito que aquela negra fase jamais voltará. O interessante é que, depois de tanta luta, ganhei bastante respeitabilidade entre o pessoal da indústria e na própria Vigilância Sanitária.

21/04/2013

Por que a exceção não deve ser a regra

Por que a exceção não deve ser a regra
RAFAEL FRANZINI E AMERIGO INCALCATERRA
TENDÊNCIAS/DEBATES


A internação sem consentimento deve se aplicar a situações de absoluta emergência; deve ser a exceção, e não a regra
O consumo de drogas, especialmente o crack, nas ruas das cidades brasileiras tem gerado enorme debate público a respeito de qual seria a resposta mais eficaz para o problema. Propostas de ações voltadas à internação involuntária têm se multiplicado tanto nas ruas como na esfera legislativa.
No entanto evidências científicas apontam para a direção contrária: a lógica da saúde pode ser mais efetiva na redução do uso problemático de drogas.
Segundo diretrizes do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), a atenção e o tratamento devem estar de acordo com os princípios da ética do cuidado em saúde e respeitar a autonomia e a dignidade individuais. Além disso, os tratados internacionais de direitos humanos exigem garantias processuais para a detenção e privação de liberdade de qualquer pessoa.
Recentemente, o Ministério Público do Rio de Janeiro, a Defensoria Pública de São Paulo e duas missões das Nações Unidas demonstraram grande preocupação com a forma violenta, degradante e desumana com que usuários de drogas têm sido recolhidos das ruas brasileiras em nome de uma abordagem de saúde.
A tendência mundial crescente de propostas de tratamento sem consentimento gerou um posicionamento da ONU em 2012 contra centros de detenção/tratamento compulsório, destacando que a privação da liberdade arbitrária é uma violação das normas internacionais de direitos humanos.
Da mesma forma, um editorial de 2012 da revista "Addiction", uma das mais respeitadas do mundo no tema, diz que as internações involuntárias caíram em desuso em países desenvolvidos por serem ineficazes no tratamento da dependência de drogas e favorecerem a violação dos direitos humanos dos usuários.
A internação sem consentimento deve se aplicar a situações de absoluta emergência e ter como justificativa a proteção, quando houver risco para a segurança do sujeito e/ou de terceiros, e ser proporcional. Em outras palavras, a internação deve ser a exceção, e não a regra.
Mesmo nesses casos, é essencial observar princípios éticos e legais para que não haja violação dos direitos garantidos pelas convenções internacionais. Os procedimentos devem ser transparentes e legalmente estabelecidos para evitar uma aplicação ampla e arbitrária desse recurso.
Para tanto, as pessoas em internação involuntária devem ter o direito de recorrer a um tribunal para que seja decidida rapidamente a legalidade da privação de liberdade. Os casos judicialmente autorizados devem ser periodicamente revisados para determinar a necessidade da continuação da internação.
É certo que o uso problemático de drogas está vinculado a condições sociais de vulnerabilidade e risco, mas há poucas pesquisas e informações confiáveis sobre o número de usuários que realmente necessitariam de internação.
A experiência internacional demonstra que a reabilitação e a reintegração de usuários de drogas passam muito mais por intervenções que respeitem os direitos humanos dos usuários e sejam adequadas às suas necessidades sociais e de saúde do que pela sua segregação em centros de tratamento.

RAFAEL FRANZINI é representante do Escritório de Ligação e Parceria do Unodc (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime) no Brasil
AMERIGO INCALCATERRA
 é representante regional para a América do Sul do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Para ver o artigo completo, clique aqui.

10/04/2013

Secretaria Municipal da Saúde não aprova internação compulsória e afirma que Redução de danos guiará ações na UTI do Crack.


Nota de Esclarecimento


A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) esclarece que, em relação à matéria “UTI do crack” publicada neste jornal em 3/4/2013, a Política Municipal de Saúde Mental, Álcool e Drogas trabalha com foco na reinserção do usuário à sociedade, redução de danos e nas ações que garantam a integralidade do seu atendimento.

Assim, é incorreto afirmar que a UNAD – Unidade de Atendimento ao Dependente – aposta na internação à força ou compulsória. A SMS informa ainda que as declarações são de caráter pessoal do entrevistado e não devem ser consideradas como concernentes à política de Saúde Mental adotada pela administração municipal.

Por fim, a SMS é a responsável técnica e gestora integral das ações de Saúde Mental no território, incluindo a UNAD.

Para acessar a nota, clique aqui.
________________________________________________________________

Para saber mais sobre o que foi publicado sobre o assunto selecione o post abaixo.

27/03/2013

Handling Out Kits to Save Opiate Users From Dying of an Overdose


Handling Out Kits to Save Opiate Users From Dying of an Overdose 

Este artigo canadense fala sobre os kits de redução de danos compostos por agulhas, seringas, lenços e a droga Naloxona, responsável por reverter a overdose em usuários de drogas tais como a heroína, fentanil, morfina e oxicodona. Tais kits podem inclusive serem levados para casa para que o usuário utilize em momentos em que realmente necessite. 

Logo abaixo, podemos ler o artigo na integra e tirar nossas conclusões acerca do que ocorre Ontário e em outros lugares do mundo.
Para ver a pagina de onde tal artigo foi retirado, clique aqui.


Author: Alan S. Hale

OVERDOSE KITS

Handling Out Kits to Save Opiate Users From Dying of an Overdose 


Overdosing is one of the many dangers people addicted to hard drugs have to face every time they have to feed their habit.  Almost every abuser of opiate-based drugs overdoses at some point, sometimes with fatal consequences; 300 to 400 people die every year in Ontario of a drug overdoes.  To help prevent more deaths, Kenora's needle exchange programs will be giving out new take-home kits that will allow people to save the life of their overdosing friend or family member.

"Our harm reduction program, which we've had for awhile, looks at addressing and reducing drug-related harms," said Gillian Lunny, the Sexual Health and Harm Reduction Programs manager for the Northwestern Health Unit, which runs the needle exchanges.  "And one of the ways we've been doing that for over ten years is to reduce the spread of blood-born infections through the sharing of needles and other drug preparation equipment.  Another drug-related harm that's becoming more and more highlighted in our province is overdose.  That's the harm we are focusing on with this new program."

The kits contain two clean needles, some disinfective wipes and two doses of a drug called Naloxone.  If injected quickly enough, the drug can actually reverse the effects of an overdose on opium-derived drugs such as heroine, morphine, oxycodone or fentanyl.  It does this by blocking the opiods in the drugs from receptors in the brain, and so ending the high.

"Naloxone has been around for years.  I used to work in a hospital and it is administered regularly when people come in who have overdosed.  Distributing the drug to people who use opiates isn't a new idea either.  That's been happening in countries in Europe and in various states in the U.S.  since the 1990s.  But it is a new program for us," said Lunny.

Lunny said over the past few years, opiates are becoming more common among the drug-using population in Northwestern Ontario, and as a result overdoses have also been on the rise.

Knowing how many addicts live in Kenora or the region is difficult to know with any certainty, but the health unit does keep track of the number of encounters they have with users: in 2012, there were 6,000 encounters with male users and 5,000 with female users region-wide.

The needle exchange programs in Kenora and across Northwestern Ontario have become well-used by the regions intravenous drug users; giving out over 200,000 clean needles just in 2012.  The exchanges also have nurses who are trained on the use of Naloxone who can teach users before giving them the kits to take home.

"For people who are using opiods and overdose, Naloxone is a very simple, easy, life-saving measure that can be put into place to save people's lives." 

19/03/2013

Redução de danos e o Proad: é hora de entender.


A Redução de Danos: o ponto de vista do PROAD.

Autores: Moreira, FG; Haiek, R; Silveira, DX.

No século passado, três ocorrências favoreceram uma nova forma de abordar o problema do uso indevido de substâncias psicoativas no mundo:

·   1926 - Colégio de Médicos Britânicos / Comitê Rolleston: começa-se a prescrever heroína e seringas para os dependentes de heroína;

·   1984 - Epidemia de HIV e Hepatite B entre usuários de drogas injetáveis na Holanda: medidas sanitárias derrubam o preconceito de que os dependentes químicos não responderiam a intervenções de prevenção;

·      1985 - Expansão da estratégia de troca de seringas em vários países do mundo.

A esta nova abordagem deu-se o nome de “Redução de Danos”. Atualmente, o movimento de Redução de Danos (RD) vai muito além dos programas de disponibilização de seringas para usuários de drogas injetáveis. Podemos pensá-lo como um paradigma que permeia diversos aspectos do trabalho na área de uso e abuso de substâncias psicoativas.

Segundo Andrade, 2001, “Redução de Danos é uma política de saúde que se propõe a reduzir os prejuízos de natureza biológica, social e econômica do uso de drogas, pautada no respeito ao indivíduo e no seu direito de consumir drogas”.

A posição do PROAD foi a de considerar a Redução de Danos como um paradigma que permeia todo o seu trabalho.

Em sua tese, Bravo, 2000, afirma existirem atualmente dois discursos contrapostos a respeito do consumo de drogas: o discurso tradicional, ligado a posturas repressivas, focalizando predominantemente as drogas ilegais e criminalizando o usuário – a assim chamada “Guerra às Drogas”; e um novo discurso, denominado “Redução de Danos”, que não tem como objetivo a eliminação total do consumo, mas a diminuição dos efeitos prejudiciais do mesmo, priorizando assim a saúde dos sujeitos e da comunidade em geral.

Este movimento aceita que “bem ou mal, as drogas lícitas e ilícitas fazem parte deste mundo, e escolhe trabalhar para minimizar seus efeitos danosos ao invés de simplesmente ignorá-los ou condená-los”, Harm Reduction Coalition, 2001.

Na RD, o critério de sucesso de uma intervenção não segue a lei do “tudo ou nada”, sendo aceitos objetivos parciais. As alternativas não são impostas de “cima para baixo”, por leis ou decretos, mas são desenvolvidas com participação ativa da população beneficiária da intervenção. O denominador comum das ações dentro da RD é a postura compreensiva e inclusiva, as abordagens “amigáveis” ao usuário (Marllat, 1999).

Cabe ressaltar que, na visão partilhada pelo PROAD, a RD não se contrapõe ao modelo que visa a abstinência de drogas, mas o considera como uma das estratégias possíveis entre várias outras.

Segue abaixo um quadro comparando a política de “Guerra às Drogas” com o movimento de Redução de Danos:


Segundo Silveira e Silveira, 2001, o movimento da Redução de Danos apresenta como objetivos gerais evitar, se possível, que as pessoas se envolvam com o uso de substâncias psicoativas; se isto não for possível, evitar o envolvimento precoce com o uso de drogas, retardando-o ao máximo; para aqueles que já se envolveram, ajudá-los a evitar que se tornem dependentes; e, para aqueles que já se tornaram dependentes, oferecer os melhores meios para que possam abandonar a dependência; e se, apesar de todos os esforços, eles continuarem a consumir drogas, orientá-los para que o façam da maneira menos prejudicial possível.

Desta forma, se considerarmos a Redução de Riscos e a Redução e Danos como partes de um mesmo continuum, onde estão englobadas as estratégias de prevenção nos vários níveis: primário, secundário e terciário, bem como todas as intervenções de atendimento ao usuário, incluindo tratamento e reinserção social.

Na visão do PROAD, em um tratamento da dependência química pautado nos princípios da Redução de Danos, os usuários são acolhidos dentro das suas demandas e possibilidades. Isto inclui a possibilidade de modificação do padrão de uso e da substituição da droga de abuso por outra com a qual o usuário consiga estabelecer um padrão de uso menos danoso, sem excluir a possibilidade da abstinência.

A substituição de drogas pode incluir tanto drogas lícitas (prescrição de metadona para usuários de opióides e de benzodiazepínicos para dependentes de álcool) ou ilícitas (acompanhar o uso de maconha que usuários de crack e cocaína fazem no sentido de tentar controlar sua ‘fissura’). As metas intermediárias são destinadas aos pacientes que não desejam ou não conseguem, temporariamente ou não, abandonar o uso de drogas. A busca pelo uso moderado ou controlado da substância em questão é, em princípio, uma estratégia possível no atendimento ao dependente de qualquer substância.

No enfoque da RD a individualidade do usuário é considerada e este participa na construção do seu modelo de recuperação. Pode ainda vir a atuar como Redutor de Danos na recuperação de seus pares (outros usuários). O PROAD considera essencial a continuidade das pesquisas sobre estas novas formas de intervenção.

Ao colocarmos o status legal das drogas em uma posição secundária nesta discussão, estamos assumindo uma posição bastante clara: no tocante à legislação, o PROAD defende a descriminalização do usuário de qualquer droga, assumindo que o ato de consumir drogas, per si, não pode ser considerado um delito. Somente poderia ser penalizado o usuário que eventualmente vier a cometer um crime (Maierovitch, 2002).

Cabe esclarecer que descriminalizar diz respeito a despenalizar (não mais tornar alvo de sansão penal) o indivíduo que usa ou porta a droga para uso próprio, não importando se este é um usuário ocasional ou um dependente. Diferentemente, legalizar refere-se a medidas mais amplas que despenalizam igualmente a produção e a comercialização dos tóxicos (Costa, 1988). O PROAD considera a descriminalização das drogas uma importante medida de Redução de Danos: “a descriminalização do uso de drogas, em nosso entender, poderia ser, por um lado, fator de integração do usuário na sociedade; e, por outro, acabaria com o estigma marginalizante da droga” (Costa, 1988).

Dentro da mesma linha de coerência, o PROAD coloca-se frontalmente contra intervenções coercitivas junto a usuários, tais como a Justiça Terapêutica. Esta proposta “baseia-se numa relação crime e castigo, obrigatoriedade e punição, numa filosofia que ingenuamente acredita que uma lei criminal é capaz de ‘per se’ inibir o uso”, não diferenciando o dependente químico do usuário ocasional, além de propor uma forma de tratamento que não admite a possibilidade da recaída como fenômeno inerente ao processo de recuperação (Maierovitch, 2003).

Quanto às práticas de Redução de Danos na comunidade, os benefícios da prática de disponibilização de seringas e demais insumos aos usuários de drogas injetáveis, de eficácia amplamente comprovada, levam o PROAD a considerar imprescindível sua adoção dentro de um modelo de intervenção abrangente. Com relação à distribuição de cachimbos para usuários de crack, faltam ainda pesquisas que justifiquem ou condenem a prática.

Na opinião do PROAD, a redução de danos não deve se restringir às drogas ilícitas, defendendo, no entanto, que as muitas iniciativas já existentes devam ser reforçadas, tais como as campanhas de evitar a direção de veículos sob efeito do álcool e a restrição de venda de bebidas alcoólicas a menores e em estradas.

Indiscutivelmente, a Redução de Danos é um tópico importante dentro no campo das dependências químicas, seja como paradigma de referência, seja como conjunto de estratégias de intervenção. O PROAD propõe ainda que a RD seja incluída no currículo de todos os cursos na área de dependências químicas. Defende ainda o estímulo à produção de conhecimento no campo da Redução de Danos.

Segundo Carlini-Cotrim, 1992, “Houve um aumento de quase 12 vezes, entre as décadas de 60 e 80, na quantidade de artigos publicados (no jornal O Estado de São Paulo) sobre drogas, álcool e tabaco”. Tal interesse da mídia, por outro lado, não se traduziu em melhoria da qualidade das reportagens, que muitas vezes veiculam informações distorcidas e tendenciosas. O PROAD reconhece assim a necessidade de um trabalho contínuo junto à mídia, visando reduzir os danos relacionados à veiculação de informações equivocadas.

Bibliografia:

Bravo, O. A. (2000). Discurso sobre drogas nas instituições do Distrito Federal. [tese] Universidade de Brasília, Brasília.

Carlini-Cotrim, B. (1992). A escola e as drogas: O Brasil no contexto internacional. [Tese], Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de Sao Paulo, São Paulo. Pontifícia Universidade Católica de Sao Paulo.

Costa, P. F. (1988). Aspectos legais do consumo. Em: Bucher, Richard, As drogas e a vida. São Paulo: EPU; pp. 39-45.

Harm Reduction Coalition. (2002-2003) Harm Reduction Coalition [Web Page]. URL http://www.harmreduction.org/ Webpage acessada em: 7/11/2002.

Maierovitch, W. (2003). Justiça Terapêutica - Entrevista Dr. Walter Maierovitch. Webpage acessada em: 10/08/2003. http://www.psicologia-online.org.br/atualidades/materias.cfm?id_area=460

Maierovitch, W. (2002) Drogas sem lei no Brasil. Correio Brasiliense. Brasília,    quintafeira, 17 de janeiro de 2002. Webpage acessada em: 10/08/2003 http://www2.correioweb.com.br/cw/2002-01-17/mat_28927.htm

Marlatt, G. A. (1999). Redução de Danos: estratégias práticas para lidar com comportamentos de alto risco. Porto Alegre: Artes Médicas Sul.

Silveira, E. D. X., & Silveira, D. X. (2001). Um Guia para a Família. Brasília: Presidência da República - Secretaria Nacional Antidrogas.


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...