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Redução de Danos: o ponto de vista do PROAD.
No século passado, três
ocorrências favoreceram uma nova forma de abordar o problema do uso indevido de
substâncias psicoativas no mundo:
· 1926 - Colégio de Médicos Britânicos / Comitê
Rolleston: começa-se a prescrever heroína e seringas para os dependentes de
heroína;
· 1984 - Epidemia de HIV e Hepatite B entre
usuários de drogas injetáveis na Holanda: medidas sanitárias derrubam o
preconceito de que os dependentes químicos não responderiam a intervenções de
prevenção;
· 1985 - Expansão da estratégia de troca de
seringas em vários países do mundo.
A esta nova abordagem deu-se
o nome de “Redução de Danos”. Atualmente, o movimento de Redução de Danos (RD)
vai muito além dos programas de disponibilização de seringas para usuários de
drogas injetáveis. Podemos pensá-lo como um paradigma que permeia diversos
aspectos do trabalho na área de uso e abuso de substâncias psicoativas.
Segundo Andrade, 2001, “Redução
de Danos é uma política de saúde que se propõe a reduzir os prejuízos de
natureza biológica, social e econômica do uso de drogas, pautada no respeito ao
indivíduo e no seu direito de consumir drogas”.
A posição do PROAD foi a de
considerar a Redução de Danos como um paradigma que permeia todo o seu
trabalho.
Em sua tese, Bravo, 2000,
afirma existirem atualmente dois discursos contrapostos a respeito do consumo
de drogas: o discurso tradicional, ligado a posturas repressivas, focalizando
predominantemente as drogas ilegais e criminalizando o usuário – a assim
chamada “Guerra às Drogas”; e um novo discurso, denominado “Redução de Danos”,
que não tem como objetivo a eliminação total do consumo, mas a diminuição dos
efeitos prejudiciais do mesmo, priorizando assim a saúde dos sujeitos e da comunidade
em geral.
Este movimento aceita que “bem
ou mal, as drogas lícitas e ilícitas fazem parte deste mundo, e escolhe
trabalhar para minimizar seus efeitos danosos ao invés de simplesmente
ignorá-los ou condená-los”, Harm Reduction Coalition, 2001.
Na RD, o critério de sucesso
de uma intervenção não segue a lei do “tudo ou nada”, sendo aceitos objetivos
parciais. As alternativas não são impostas de “cima para baixo”, por leis ou
decretos, mas são desenvolvidas com participação ativa da população beneficiária
da intervenção. O denominador comum das ações dentro da RD é a postura
compreensiva e inclusiva, as abordagens “amigáveis” ao usuário (Marllat, 1999).
Cabe ressaltar que, na visão
partilhada pelo PROAD, a RD não se contrapõe ao modelo que visa a abstinência
de drogas, mas o considera como uma das estratégias possíveis entre várias
outras.
Segue abaixo um quadro
comparando a política de “Guerra às Drogas” com o movimento de Redução de
Danos:
Segundo Silveira e Silveira,
2001, o movimento da Redução de Danos apresenta como objetivos gerais evitar,
se possível, que as pessoas se envolvam com o uso de substâncias psicoativas;
se isto não for possível, evitar o envolvimento precoce com o uso de drogas,
retardando-o ao máximo; para aqueles que já se envolveram, ajudá-los a evitar
que se tornem dependentes; e, para aqueles que já se tornaram dependentes, oferecer
os melhores meios para que possam abandonar a dependência; e se, apesar de todos
os esforços, eles continuarem a consumir drogas, orientá-los para que o façam
da maneira menos prejudicial possível.
Desta forma, se
considerarmos a Redução de Riscos e a Redução e Danos como partes de um mesmo continuum,
onde estão englobadas as estratégias de prevenção nos vários níveis: primário,
secundário e terciário, bem como todas as intervenções de atendimento ao
usuário, incluindo tratamento e reinserção social.
Na visão do PROAD, em um
tratamento da dependência química pautado nos princípios da Redução de Danos,
os usuários são acolhidos dentro das suas demandas e possibilidades. Isto
inclui a possibilidade de modificação do padrão de uso e da substituição da
droga de abuso por outra com a qual o usuário consiga estabelecer um padrão de
uso menos danoso, sem excluir a possibilidade da abstinência.
A substituição de drogas
pode incluir tanto drogas lícitas (prescrição de metadona para usuários de
opióides e de benzodiazepínicos para dependentes de álcool) ou ilícitas
(acompanhar o uso de maconha que usuários de crack e cocaína fazem no sentido
de tentar controlar sua ‘fissura’). As metas intermediárias são destinadas aos
pacientes que não desejam ou não conseguem, temporariamente ou não, abandonar o
uso de drogas. A busca pelo uso moderado ou controlado da substância em questão
é, em princípio, uma estratégia possível no atendimento ao dependente de
qualquer substância.
No enfoque da RD a individualidade
do usuário é considerada e este participa na construção do seu modelo de recuperação.
Pode ainda vir a atuar como Redutor de Danos na recuperação de seus pares (outros
usuários). O PROAD considera essencial a continuidade das pesquisas sobre estas
novas formas de intervenção.
Ao colocarmos o status legal
das drogas em uma posição secundária nesta discussão, estamos assumindo uma
posição bastante clara: no tocante à legislação, o PROAD defende a
descriminalização do usuário de qualquer droga, assumindo que o ato de consumir
drogas, per si, não pode ser considerado um delito. Somente poderia ser penalizado
o usuário que eventualmente vier a cometer um crime (Maierovitch, 2002).
Cabe esclarecer que descriminalizar
diz respeito a despenalizar (não mais tornar alvo de sansão penal) o indivíduo
que usa ou porta a droga para uso próprio, não importando se este é um usuário
ocasional ou um dependente. Diferentemente, legalizar refere-se a medidas mais
amplas que despenalizam igualmente a produção e a comercialização dos tóxicos
(Costa, 1988). O PROAD considera a descriminalização das drogas uma importante
medida de Redução de Danos: “a descriminalização do uso de drogas, em nosso
entender, poderia ser, por um lado, fator de integração do usuário na
sociedade; e, por outro, acabaria com o estigma marginalizante da droga” (Costa,
1988).
Dentro da mesma linha de
coerência, o PROAD coloca-se frontalmente contra intervenções coercitivas junto
a usuários, tais como a Justiça Terapêutica. Esta proposta “baseia-se numa
relação crime e castigo, obrigatoriedade e punição, numa filosofia que ingenuamente
acredita que uma lei criminal é capaz de ‘per se’ inibir o uso”, não diferenciando
o dependente químico do usuário ocasional, além de propor uma forma de tratamento
que não admite a possibilidade da recaída como fenômeno inerente ao processo de
recuperação (Maierovitch, 2003).
Quanto às práticas de
Redução de Danos na comunidade, os benefícios da prática de disponibilização de
seringas e demais insumos aos usuários de drogas injetáveis, de eficácia
amplamente comprovada, levam o PROAD a considerar imprescindível sua adoção
dentro de um modelo de intervenção abrangente. Com relação à distribuição de cachimbos
para usuários de crack, faltam ainda pesquisas que justifiquem ou condenem a prática.
Na opinião do PROAD, a
redução de danos não deve se restringir às drogas ilícitas, defendendo, no
entanto, que as muitas iniciativas já existentes devam ser reforçadas, tais
como as campanhas de evitar a direção de veículos sob efeito do álcool e a
restrição de venda de bebidas alcoólicas a menores e em estradas.
Indiscutivelmente, a Redução
de Danos é um tópico importante dentro no campo das dependências químicas, seja
como paradigma de referência, seja como conjunto de estratégias de intervenção.
O PROAD propõe ainda que a RD seja incluída no currículo de todos os cursos na
área de dependências químicas. Defende ainda o estímulo à produção de
conhecimento no campo da Redução de Danos.
Segundo Carlini-Cotrim,
1992, “Houve um aumento de quase 12 vezes, entre as décadas de 60 e 80, na
quantidade de artigos publicados (no jornal O Estado de São Paulo) sobre
drogas, álcool e tabaco”. Tal interesse da mídia, por outro lado, não se traduziu
em melhoria da qualidade das reportagens, que muitas vezes veiculam informações
distorcidas e tendenciosas. O PROAD reconhece assim a necessidade de um trabalho
contínuo junto à mídia, visando reduzir os danos relacionados à veiculação de informações
equivocadas.
Bibliografia:
Bravo, O. A. (2000).
Discurso sobre drogas nas instituições do Distrito Federal. [tese] Universidade
de Brasília, Brasília.
Carlini-Cotrim, B.
(1992). A escola e as drogas: O Brasil no contexto internacional. [Tese],
Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de Sao Paulo, São Paulo.
Pontifícia Universidade Católica de Sao Paulo.
Costa, P. F. (1988).
Aspectos legais do consumo. Em: Bucher, Richard, As drogas e a vida. São Paulo:
EPU; pp. 39-45.
Harm
Reduction Coalition. (2002-2003) Harm Reduction Coalition [Web Page]. URL http://www.harmreduction.org/
Webpage acessada em: 7/11/2002.
Maierovitch, W. (2003).
Justiça Terapêutica - Entrevista Dr. Walter Maierovitch. Webpage acessada em:
10/08/2003. http://www.psicologia-online.org.br/atualidades/materias.cfm?id_area=460
Maierovitch, W. (2002)
Drogas sem lei no Brasil. Correio Brasiliense. Brasília,
quintafeira, 17 de janeiro de 2002. Webpage acessada em:
10/08/2003 http://www2.correioweb.com.br/cw/2002-01-17/mat_28927.htm
Marlatt, G. A. (1999).
Redução de Danos: estratégias práticas para lidar com comportamentos de alto
risco. Porto Alegre: Artes Médicas Sul.
Silveira, E. D. X.,
& Silveira, D. X. (2001). Um Guia para a Família. Brasília: Presidência da
República - Secretaria Nacional Antidrogas.
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