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26/05/2015

Braços Abertos: “Antes dele, 9 em cada 10 viciados desistiam”

Braços Abertos: “Antes dele, 9 em cada 10 viciados desistiam”


Dartiu Xavier, coordenador do programa, rebate matéria da Folha de S. Paulo que gerou polêmica nas redes sociais ao dar conotação negativa à iniciativa. Para Xavier, também professor da Unifesp, trata-se de uma proposta que busca atingir a causa do problema.
Por: Guilherme Franco
Edição: Paulo Roberto Brier D'Auria

Desde a metade da década de 1990, vários prefeitos de São Paulo, bem como os governadores do estado têm procurado acabar com a Cracolândia. No entanto, as ações muitas vezes se resumiram a operações policiais.
Há um ano, a equipe do prefeito Fernando Haddad (PT) colocava em prática uma ação na Cracolândia que acendeu o sinal vermelho de críticos Brasil afora. O programa  “Braços Abertos” busca a redução de danos em que o dependente é incentivado a diminuir gradativamente o consumo da droga, sem internação e com oferta de emprego e renda. A proposta vai na contramão à utilizada pelo governo do estado que prega o tratamento compulsório, permitindo às autoridades ordenarem a internação daqueles considerados em “estágio avançado de dependência”.
Na semana passada a manchete: “4 em cada 10 desistem de ação anticrack de Haddad”, segundo a Folha de S. Paulo deu o que falar nas redes sociais. É preciso valorizar, no entanto, que das 798 pessoas que aderiram ao programa iniciado há um ano e quatro meses; aproximadamente 60% delas continuam o tratamento.  “Antes dele, nove em cada dez viciados desistiam. O programa tem muitas coisas a serem melhoradas, mas algo sim já mudou, e para o bem. Esta é uma forma menos intolerante de lidar com a população”, opina Dartiu Xavier, professor da Unifesp e coordenador de treinamento de agentes da ação da prefeitura. Confira a entrevista.
SPressoSP – Primeiramente, como você avalia o programa “Braços Abertos”?
Dartiu Xavier - É a única proposta que tem alguma fundamentação. É uma mudança de paradigma. Em situações de tanta vulnerabilidade social, favorece-se o uso das drogas e a proposta do “Braços Abertos” busca atingir a causa do problema e não uma consequência ou um desdobramento, como no caso do uso da droga. Esse tipo de tratamento já foi testado em vários países e é o único que funciona.
Em alguns estudos dividiram-se a população em dois grupos de forma que no primeiro, a abstinência era pré-requisito, ou seja, se houvessem recaídas com a droga perderiam alguns privilégios. Já o outro grupo era incentivado a diminuir gradativamente o consumo da droga. Após três anos o resultado mostrou que o trabalho foi mais efetivo com o segundo grupo de que com o primeiro, mostrando que a droga não é a causa, e sim a consequência.
SPressoSP – Há um preconceito da mídia tradicional e de uma parcela conservadora da sociedade com esse tipo de tratamento?
Dartiu Xavier – A nossa sociedade é bastante reacionária e parte da mídia também. Ficamos muito tempo copiando o modelo de guerra às drogas, um modelo lançado na década de 70 pelos EUA. Já na década de 90 os EUA fizeram uma série de pesquisas e constataram que programa de guerra às drogas não eram efetivos.
Outro ponto é que fala-se muito sobre uma questão política de que se você é petista defende tal visão, contudo eu defendo o programa por questão técnica. Antes dele, nove em cada dez viciados desistiam diferente dos nossos dados atuais com o programa. Claro que ainda temos pontos a serem melhorados e já vem mudando. Com o ´´Braços Abertos´´ temos uma forma mais tolerante de lidar com a população e se formos pensar um dos programas implementados anteriormente na Cracolândia chamava-se dor e sofrimento. Como é possível crer que impondo dor e sofrimento àquela população seria uma forma de ajuda?
SPressoSP – O governador Geraldo Alckmin (PSDB) tem projeto antagônico. Batizado de “Recomeço”, o modelo estadual trabalha a saída do vício com tratamentos que incluem isolamento em hospitais e comunidades terapêuticas. Esse choque de gestões prejudica de alguma forma?
Dartiu Xavier – Prejudica muito. No “Recomeço”, eles medem a taxa de sucesso pelo número de internações. Já ouvi histórias de quem já atuou no projeto e contam histórias de arrepiar. Para bater a meta do dia eles saem com a ambulância pegando qualquer morador de rua. Isso é um afronto aos direitos humanos, prendendo uma pessoa só para atender uma meta diária. Isso me parece uma espécie de comércio humano onde o indivíduo é um número para atender o projeto. O “Braços Abertos” é completamente diferente demora-se semanas e até meses para conquistar a confiança da pessoa e assim, construindo-se uma relação afetuosa.
SPressoSP – Os resultados do programa podem representar no futuro o fim da ideia da “internação compulsória”?
Dartiu Xavier – As pessoas não chegaram àquela situação de miséria social por causa da droga mas sim por falta de acesso à moradia, trabalho, educação, saúde, etc. Quando o indivíduo viciado volta para a miséria, ele recai, de forma que é preciso melhorar as condições básicas de vida do usuário. Nesse sentido, como já foi dito, a proposta do Braços Abertos busca atingir a causa do problema e não só a consequência, como no caso do uso da droga.
Tem uma questão muito importante que está por trás de tudo isso que se relaciona ao fato do público ser população de rua. Ninguém gosta de ver miséria e gente se drogando em público e quando se vê o usuário de droga na rua já recebe o rótulo de dependente. Mas e se pensarmos naquelas pessoas que ficam dentro de seu apartamento chique no Jardins cheirando cocaína ou fumando maconha? Eles são dependentes? Grande parte delas não, são apenas usuárias, mas elas estão anônimas. O fato das pessoas se drogarem na rua gera muita visibilidade.
Foto: Marcelo Camargo/ABr

Saiba mais em: http://spressosp.com.br/2015/05/25/bracos-abertos-antes-dele-nove-em-cada-dez-viciados-desistiam/ 

03/01/2014

Cientistas identificam molécula que bloqueia o efeito de ‘barato’ da maconha no cérebro

Cientistas identificam molécula que bloqueia o efeito de ‘barato’ da maconha no cérebro

Para saber mais, clique aqui.
FOTO: Funcionária cuida de plantação de maconha (Cannabis sativa) em uma loja no Colorado, que se tornou o primeiro Estado americano a legalizar o uso recreativo da droga. CRÉDITO: AP Photo/Brennan Linsley
Herton Escobar / O Estado de S. Paulo
Cientistas na França descobriram uma molécula no cérebro que pode acabar com o “barato” de fumar maconha. Os resultados da pesquisa, publicada hoje na revista Science, poderão ajudar no desenvolvimento de novos tratamentos para dependentes, assim como beneficiar o uso terapêutico da droga, inibindo seletivamente alguns de seus efeitos negativos associados.
Os pesquisadores, liderados por um grupo do instituto Inserm, em Bordeaux, identificaram o hormônio pregnenolona como uma molécula que bloqueia naturalmente os efeitos do tetrahidrocanabinol (THC), o princípio ativo que produz a sensação de “barato” da maconha e seus efeitos colaterais, como aumento de apetite e perda de memória. Sem com isso, porém, cancelar outros efeitos biológicos e potencialmente benéficos da droga.
Em outras palavras: seria possível, teoricamente, fumar maconha para fins medicinais sem ficar doidão; ou cortar o barato de pessoas viciadas no uso recreativo da droga, como forma de tratamento contra a dependência. O estudo foi feito com ratos e camundongos e os dados ainda precisam ser validados em seres humanos para que se possa propor alguma intervenção desse tipo, o que exigirá mais vários anos de pesquisa.
Os resultados preliminares, porém, já foram suficientes para impressionar o cientista brasileiro Dartiu Xavier da Silveira, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Fiquei muito surpreso com o trabalho, no bom sentido”, disse. “Me mostrou muitas coisas novas.”
A pregnenolona é uma molécula sintetizada naturalmente no cérebro, que serve como precursora para a formação de uma grande variedade de hormônios essenciais ao funcionamento do organismo – a “avó” de todos os hormônios, segundo Silveira. O que os pesquisadores revelam no trabalho da Science é que o THC aumenta a produção de pregnenolona nas células, e que a pregnenolona atua como uma antagonista do THC, acoplando-se ao seu receptor nas membranas celulares e, com isso, bloqueando sua atividade. “É um mecanismo que o próprio corpo tem para evitar os efeitos negativos do THC; o que pode ser uma explicação também para os efeitos terapêuticos da droga”, destaca Silveira.
Um desses efeitos bem conhecidos é a redução da ansiedade, que em casos extremos pode levar as pessoas a quadros de fobia social. “Sabemos que a pregnenolona atenua esse tipo de fobia, e que muita gente usa maconha para combater a ansiedade aguda. Isso talvez explique o seu efeito terapêutico”, reforça Silveira. “Esse estudo é o primeiro a mostrar uma ligação entre as duas coisas.”
Os primeiros a fazer uso terapêutico da maconha, segundo ele, foram pacientes de aids e câncer, na década de 1990, que fumavam para estimular o apetite e combater a perda de peso ocasionada pelas doenças. Nesses casos, a “larica” induzida pelo THC pode ser considerada um efeito positivo da maconha – que seria inibido pela pregnenolona. Já no caso de uma pessoa obesa, é um efeito prejudicial. “É um jogo intricado de fatores que podem ser positivos ou negativos, dependendo da situação”, diz o pesquisador.
Segundo Silveira, só 9 entre cada 100 usuários de maconha tornam-se dependentes da droga. “Talvez o trabalho seja importante para ajudar no tratamento desses 9%; mas o mais inovador é o que ele poderá fazer pelos outros 91%”, diz.
O uso terapêutico da maconha é um tema polêmico e que enfrenta forte rejeição, inclusive dentro de setores das comunidades médica e científica. Vários “experimentos legais” porém, estão sendo colocados em prática. O mais recente deles é o caso do Colorado, nos EUA, que na virada do ano se tornou o primeiro Estado americano a legalizar e regulamentar o uso recreativo da droga, além de vários outros que já permitem o seu uso medicinal, como a Califórnia. E no mês passado o Uruguai se tornou o primeiro país a criar um mercado legal de maconha para uso recreativo, com regras nacionais para produção, comercialização e consumo da planta.

18/08/2013

MAIS EQUÍVOCOS GOVERNAMENTAIS NAS POLÍTICAS DE DROGAS

MAIS EQUÍVOCOS GOVERNAMENTAIS NAS POLÍTICAS DE DROGAS...
Diversas instâncias governamentais tem apresentado propostas de enfrentamento dos problemas relacionados a dependência química. No entanto, a grande maioria delas parte de pressupostos equivocados a respeito do tema, não conseguindo assim caminhar para a real solução do problema. Uma dessas iniciativas questionáveis seria o projeto Recomeço. Ao dependente químico seria disponibilizada a quantia de 1.350 reais mensais, durante seis meses, paga diretamente a uma instituição de internação, preferencialmente uma comunidade terapêutica. 

Ou seja, o primeiro grande engano é que já se determina de antemão uma estratégia terapêutica fundamentada na internação e, pior ainda, em uma comunidade terapêutica. Não existe fundamentação cientifica para se privilegiar o tratamento através de internação em detrimento de um tratamento ambulatorial. A eficácia tende a ser maior quando o dependente é atendido ambulatorialmente por uma equipe multidisciplinar (a exemplo do que ocorre nos CAPS-AD, como preconiza o Ministério da Saúde). No caso das internações, a imensa maioria dos dependentes recai logo após o seu termino. Se agregarmos as avaliações de custo-benefício aos estudos de eficácia, chegaremos a conclusão que este é um modelo incomparavelmente mais dispendioso e menos eficaz.

Isto para não mencionar outros problemas bastante graves que foram levantados nos últimos anos a respeito das comunidades terapêuticas. Embora algumas delas sejam exemplares e ofereçam um tratamento de qualidade, infelizmente são exceções. Na grande maioria das vezes, as CT são instituições precárias, com equipes mal preparadas, que utilizam métodos pouco científicos, sem preocupação com avaliação da eficácia das intervenções propostas. São geralmente modelos mistos, com forte viés moralista, sem conhecimento adequado da complexidade do fenômeno dependência. A maioria delas sequer sabe distinguir um usuário de um dependente de drogas (e precisamos lembrar que os estudos epidemiológicos do mundo inteiro nos mostram que mais de 80 % dos usuários de drogas não são dependentes e portanto, não teriam que ser submetidos a nenhuma forma de tratamento!!!)

Isto sem mencionar os frequentes casos de aviltamento a que são submetidos os pacientes internados, alguns deles sofrendo tortura psicológica e mesmo física, como foi amplamente documentado por vários órgãos, inclusive pelo Conselho Federal de Psicologia. Os pontos centrais que não deveriam ser negligenciados em qualquer iniciativa de abordagem da questão: A grande maioria dos usuários de drogas não são dependentes; deve sempre ser privilegiado o tratamento ambulatorial, sem o afastamento do dependente do seu meio (menos custoso e mais eficaz); nos casos que requerem internação (menos de 20 %), esta deveria ser de curta duração (geralmente de 2 a 4 semanas apenas) e serem feitas em ambiente de hospital geral. As internações longas não contemplam as necessidades do dependente químico e, pior ainda, reeditam o inadequado modelo psiquiátrico asilar e manicomial. 

Diante do exposto, os governos deveriam investir esses recursos do projeto nas suas próprias estruturas de atendimento, implementando as unidades básicas de saúde e os CAPS-AD, o que talvez não resulte em mais votos mas que certamente ajudaria muito mais os dependentes de drogas. A ONU preconiza que o tratamento de um dependente químico deva ser feito preferencialmente em regime ambulatorial e que os tratamentos coercitivos (como ocorre com a imensa maioria das internações) deveriam ser considerados como equivalentes a tortura. Acho irônico que justamente quando temos na chefia de nosso atual governo federal uma pessoa que foi vítima de tortura na época da ditadura militar, sejam incentivadas medidas “terapêuticas” que os órgãos internacionais consideram como sendo formas disfarçadas de tortura(!).

Dartiu Xavier da Silveira
Professor Livre-Docente da Universidade Federal de São Paulo

05/06/2013

"Maconha pode ser a porta de saída para o crack", diz psiquiatra

"Maconha pode ser a porta de saída para o crack", diz psiquiatra


O psiquiatra, especialista em drogas, Dartiu Xavier da Silveira defende redução de danos no tratamento de dependência de crack

02/06/2013

Dependente do atraso

Dependente do atraso

Cedo espaço à análise pertinente de Dartiu Xavier e Ilana Szabó a respeito da postura conservadora do Brasil no debate mundial sobre as drogas
por Wálter Maierovitch ( CARTA CAPITAL ) 
Usar o código penal e leis ordinárias complementares com base na falsa crença de servirem para reduzir a demanda às drogas ilícitas representa uma linha política fracassada no planeta. Os governos norte-americanos, republicanos ou democratas, acreditaram nesse simplismo e, perante as Nações Unidas, obtiveram sucesso e aprovaram em 1961 uma Convenção Única de cunho proibicionista e ainda em vigor. Os Estados Unidos tornaram-se os campeões de consumo e, na referida convenção, restou escrito que as drogas proibidas seriam “erradicadas” em 25 anos. A convenção entrou em vigor em 1964 e o tal prazo findou em 1989. Para Alain Labrusse, do Observatório Francês, “uma questão sanitária, de saúde pública, transformou-se em instrumento regulador do equilíbrio mundial”. Para se ter ideia, segundo o Fundo Monetário, o dinheiro derivado do narcotráfico, depois reciclado (lavado) principalmente no sistema financeiro, representa de 3% a 5% do PIB mundial.
O mesmo caminho de ignorar o fenômeno e mesmo assim legislar a respeito adotou o Brasil no projeto, já aprovado na Câmara, do deputado Osmar Terra (PMDB-RS). Sobre o fenômeno das drogas proibidas, transcrevo as sempre pertinentes e irrespondíveis colocações de Dartiú Xavier da Silveira, médico-psiquiatra e professor da Unifesp. O artigo foi escrito em parceria com Ilona Szabó de Carvalho, da rede Pense Livre:

“Enquanto o Ocidente vive um momento crucial no que diz respeito a políticas de drogas, nas Américas um grupo crescente de líderes, tanto da direita quanto da esquerda, clama por mudanças. Um novo relatório divulgado pela Organização dos Estados Americanos em 17 de maio é enfático: devemos nos mover em direção à descriminalização das drogas. O status quo vigente mostra-se insustentável.

Descriminalizar não é legalizar. É tratar o uso das drogas atualmente ilícitas como problema de saúde pública e não como crime.
O custo decorrente das políticas criminalizadoras e repressivas para famílias e comunidades, e sobretudo para os jovens, é a razão primordial para uma mudança de rumo. A América Latina responde por apenas 9% da população mundial, mas sofre com mais de 30% dos homicídios globais, e suas prisões estão superlotadas. Só no Brasil, cerca de 50 mil indivíduos são mortos violentamente a cada ano, e já temos a quarta maior população carcerária do mundo.

As políticas repressivas consomem verdadeiras fortunas. Surpreendentemente, os verdadeiros investimentos sociais em prevenção e tratamento, mais eficazes para reduzir o consumo e os danos causados pelas drogas, são comparativamente insignificantes. Os profissionais de saúde concordam que as políticas públicas devam se basear em evidências. Países como Portugal, Suíça, Espanha e República Tcheca têm liderado mudanças a partir de abordagens mais bem-sucedidas e menos danosas do que a simples repressão. E os resultados são claros: menos mortes e doenças, menos corrupção, redução da criminalidade e do poder do crime organizado.
No Brasil, infelizmente, velhas ideias sobrevivem, sustentadas por desinformação e preconceito. Exemplo do nosso atraso foi a aprovação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei 7.663, de autoria de Osmar Terra. O texto aprovado reforça o papel da política de internação involuntária em entidades privadas, medida de exceção cara e pouco eficaz já prevista em lei, em detrimento de investimentos no fortalecimento de uma rede pública de tratamento da dependência.
Desde os anos 1970, os Estados Unidos já gastaram mais de 1 trilhão de dólares na “guerra às drogas”. E o que aconteceu dentro de suas fronteiras? Atualmente, as drogas ilícitas são baratas e mais acessíveis do que nunca. A taxa de dependência permanece no mesmo patamar de quando a guerra foi declarada, atingindo perto de 1,3% da população. Hoje, os EUA possuem, de longe, a maior população prisional do planeta, o que implica custos econômicos, humanos e sociais gigantescos.
O proibicionismo fundamenta-se no medo e na crença de que punir é mais eficiente do que informar, regular e tratar. Defendida por um número cada vez menor de pesquisadores, essa abordagem é incompatível com as boas práticas da saúde pública, que devem se pautar no pragmatismo, com base em evidências, visando à redução de danos individuais e coletivos.
A OEA tem convocado todos os países das Américas para esse debate. Não podemos ficar para trás."

Para ver artigo completo, clique aqui.

23/05/2013

Maconha: enrolando a cura

Maconha: enrolando a cura

por: Tarso Araújo 


A pesquisa veio de Harvard – e não da cabeça de algum doidão em Kingston. Foi nos laboratórios da melhor universidade do mundo que cientistas trataram com THC, o princípio ativo da maconha, ratos preparados para desenvolver câncer no pulmão. Depois de 3 semanas, chegaram à seguinte conclusão: os ratos que receberam o tratamento com THC apresentaram tumores 50% menores que um outro grupo de ratos, esse sem acesso ao tratamento especial. A pesquisa de Harvard tem sido tratada como pioneira pela imprensa americana. Mas não é bem assim. Tão surpreendente quanto o resultado é saber que os médicos não descobriram nada de novo. Maconha pode ajudar a tratar o câncer? Tem gente falando disso desde 1974!
Há 7 anos um estudo semelhante feito na Espanha mostrou resultados bem parecidos. Na pesquisa da Universidade Complutense de Madri, 1 em cada 5 ratos tratados com THC se curou de um tumor no cérebro. Mais velha ainda é a descoberta dos pesquisadores da Faculdade Médica da Virgínia. Em 1974, eles notaram que o tratamento de 20 dias com THC reduziu significativamente o tamanho dos tumores em ratos com câncer de pulmão. Que fique bem claro: nenhuma dessas pesquisas permite afimar que “maconha cura câncer”. Mas todas apresentam uma importante linha de investigação na luta contra a doença, que mata 7 milhões de pessoas por ano.
E por que você nunca soube disso? Porque a descoberta dos anos 70 causou um efeito bizarro: a suspensão de todas as verbas federais americanas para pesquisas sobre os efeitos da maconha. Mais tarde, o governo dos EUA ainda estimularia as universidades a destruir as pesquisas feitas com o THC. “Havia uma pressão ideológica para diminuir os estudos nessa área”, diz o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Unifesp. “A ciência já passou por isso em outros momentos. Os nazistas pesquisaram os efeitos do tabaco, mas o trabalho deles foi descartado por questões ideológicas. Anos depois, confirmou-se uma série de coisas que eles sabiam havia décadas.”

Para ver o arquivo completo, clique aqui.

22/04/2013

LSD: 70 ANOS


LSD: 70 ANOS

Hoje é um dia muito especial para a ciência. Faz 70 anos que Albert Hofmann, químico suíço, ingeriu voluntariamente uma minúscula dose de LSD (em 19 de abril de 1943), uma molécula que havia inventado 4 anos antes (16 de novembro de 1938) e acidentalmente ingerido 3 dias antes (16 de abril de 1943). Os efeitos o surpreenderam tanto que decidiu testar de novo em si mesmo para confirmar se uma substância química, em doses minúsculas, poderia afetar a mente humana de tal forma a alterar por completo a percepção do que é real. Albert ingeriu apenas 250 microgramas, que no caso do LSD é uma dose forte. Mas pra se ter ideia, a aspirina faz efeito em doses ao redor de 300 mil microgramas.
Carinhosamente conhecido entre os aficcionados como dia da bicicleta, o 19 de abril serve como bom marco histórico do início da Ciência Psicodélica, um ramo da psicofarmacologia extremamente promissor, mas negligenciado e até mesmo demonizado. Verdade seja dita, a mescalina, princípio ativo dos cactos Peyote (Peyotl no original Nahuatl, a língua Azteca) e San Pedro, era conhecida há muito mais tempo, tendo os primeiros relatos ocidentais sobre o fascinante cacto Peyote aparecido ainda no século XIX, com a mescalina tendo sido isolada por Arthur Heffter ainda em 1894, sendo que ele próprio experimentou o alcalóide puro em 1897.
Mas com a turbulência cultural que viria a ocorrer nos anos 60 nos EUA, que atrelou a mescalina e principalmente o LSD à revolução cultural, aos protestos anti-guerra do Vietnam, aos direitos civis, igualdade racial, liberdade sexual e afins, o LSD foi demonizado por uma série absurda de acusações e falsidades que fizeram sua imagem, até os dias de hoje, estar associada a PERIGO.
Mas este viés está ficando pra trás, está virando história. Pois a ciência psicodélica avança. A prova mais contundente disto é que hoje começa, em Oakland, Califórnia, a conferência Psychedelic Science 2013, organizada pela MAPS: Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies com parceria da Beckley Foundation, do Heffter Research Institute e do Counsel for Spiritual Practices.
Mais de 1600 pessoas, de 33 países, já estão nos EUA para participar do congresso, que tratará do LSD, da mescalina, da ayahuasca, psilocibina e muito, muito mais. Além dos 3 dias principais, sexta, sábado e domingo, há workshops e cursos extra, tanto antes quanto depois do congresso.
Plantando Consciência, que hoje celebra dois anos de sua reunião de fundação, participa desta linha pioneira da neurociência, psicologia, psiquiatria e afins com palestras e filmagens. Dentre as mais de 100 palestras, com os grandes momentos do evento incluindo por exemplo a aula do expert David Nichols, “LSD neuroscience“, destacamos as de nossos membros e sócios-fundadores, Sidarta Ribeiro e Dartiu Xavier da Silveira.
Sidarta, neurocientista e professor da UFRN, falará da relação entre sonhos e os estados psicodélicos, baseando-se principalmente em estudos com neuroimagem que revelam as redes neurais envolvidas em cada processo. Quais as semelhanças, e quais as diferenças?
Já Dartiu Xavier, psiquiatra e professor da UNIFESP, falará sobre estudos da ayahuasca e sua relação com saúde mental, que ele estuda há mais de dez anos, tendo desenvolvido parcerias com Charles Grob e Rick Strassman, pioneiros da Ciência Psicodélica.
Vale também destacar a participação essencial de outros brasileiros com papel fundamental no desenrolar deste congresso. A antropóloga Beatriz Labate coordena a seção específica sobre Ayahuasca, a medicina sagrada da Amazônia, área de estudos a que se dedica com afinco por mais de uma década. Nesta seção, haverá palestra do físicoDraulio Araújo, professor da UFRN, sobre estudos de neuroimagem e ayahuasca, do doutor em ciências médicas Paulo Brabosa, professor da Universidade Estadual de Santa Cruz, e também do psiquiatra brasileiro Luís Fernando Tófoli, professor da UNICAMP, que também estuda a questão da saúde relacionada ao uso da ayahuasca. Tema, aliás, de livro coordenado por Bia Labate e José Carlos Bouso, que será lançado no evento.

Para comemorar o septuagenário LSD e homenagear Hofmann, que além de inventar esta molécula, descobriu a psilocibina, a psilocina e o LSA em cogumelos e plantas sagradas dos Aztecas, Mazatecas e outras tribos ancestrais, serão lançados ainda mais dois livros. O primeiro é um relançamento do clássico “LSD my problem child”, autobiografia do gênio da ciência psicodélica, em nova tradução direto do alemão, feita pelo pioneiro da psiconáutica, Jonathan Ott. O segundo é uma nova biografia lindamente ilustrada, feita por Suíços que conviveram de perto com Hofmann: Dieter Hagenbach e Lucius Werthmuller, com prefácio de Stanislav Grof. O nome sintetiza bem o personagem: “Mystic Chemist”.

Este ano, também estaremos presentes atrás das câmeras, com Marcelo Schenberg filmando e entrevistando cientistas e conferencistas para o documentário Medicina, que você pode ajudar através de doações.
Nos próximos meses, vamos aos poucos postando as palestras do congresso, que como sempre, serão filmadas e disponibilizadas pela MAPS na internet, de graça (vale a pena ver o conteúdo dos congressos organizados pela MAPS em2010 e 2011, que também contou com presença do Plantando Consciência, com palestras de Eduardo Schenberg e Sidarta Ribeiro sobre ayahuasca e neurociência). Possivelmente, faremos legendas das palestras, contando para isso com a ajuda de voluntários. Se você deseja nos ajudar, entre em contato conosco!
Neste momento, dividimos com todos a alegria e entusiasmo de ver estes avanços acontecerem, deixando para trás o pânico moral e o sensacionalismo de eras passadas. É nosso profundo desejo que o estudo da consciência avance desimpedido, porém com respeito e seriedade, gerando frutos para a saúde mental, espiritual, física e social da humanidade.

Artigo na Integra, clique aqui.

17/04/2013

Drogas: dos riscos da proibição à necessidade da legalização.

Vídeo onde o Professor Dartiu Xavier da Silveira fala sobre:
 Drogas: dos riscos da proibição à necessidade da legalização.

Evento realizado no dia 04 de abril de 2013 na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - Parte 6




Confira!

19/03/2013

Redução de danos e o Proad: é hora de entender.


A Redução de Danos: o ponto de vista do PROAD.

Autores: Moreira, FG; Haiek, R; Silveira, DX.

No século passado, três ocorrências favoreceram uma nova forma de abordar o problema do uso indevido de substâncias psicoativas no mundo:

·   1926 - Colégio de Médicos Britânicos / Comitê Rolleston: começa-se a prescrever heroína e seringas para os dependentes de heroína;

·   1984 - Epidemia de HIV e Hepatite B entre usuários de drogas injetáveis na Holanda: medidas sanitárias derrubam o preconceito de que os dependentes químicos não responderiam a intervenções de prevenção;

·      1985 - Expansão da estratégia de troca de seringas em vários países do mundo.

A esta nova abordagem deu-se o nome de “Redução de Danos”. Atualmente, o movimento de Redução de Danos (RD) vai muito além dos programas de disponibilização de seringas para usuários de drogas injetáveis. Podemos pensá-lo como um paradigma que permeia diversos aspectos do trabalho na área de uso e abuso de substâncias psicoativas.

Segundo Andrade, 2001, “Redução de Danos é uma política de saúde que se propõe a reduzir os prejuízos de natureza biológica, social e econômica do uso de drogas, pautada no respeito ao indivíduo e no seu direito de consumir drogas”.

A posição do PROAD foi a de considerar a Redução de Danos como um paradigma que permeia todo o seu trabalho.

Em sua tese, Bravo, 2000, afirma existirem atualmente dois discursos contrapostos a respeito do consumo de drogas: o discurso tradicional, ligado a posturas repressivas, focalizando predominantemente as drogas ilegais e criminalizando o usuário – a assim chamada “Guerra às Drogas”; e um novo discurso, denominado “Redução de Danos”, que não tem como objetivo a eliminação total do consumo, mas a diminuição dos efeitos prejudiciais do mesmo, priorizando assim a saúde dos sujeitos e da comunidade em geral.

Este movimento aceita que “bem ou mal, as drogas lícitas e ilícitas fazem parte deste mundo, e escolhe trabalhar para minimizar seus efeitos danosos ao invés de simplesmente ignorá-los ou condená-los”, Harm Reduction Coalition, 2001.

Na RD, o critério de sucesso de uma intervenção não segue a lei do “tudo ou nada”, sendo aceitos objetivos parciais. As alternativas não são impostas de “cima para baixo”, por leis ou decretos, mas são desenvolvidas com participação ativa da população beneficiária da intervenção. O denominador comum das ações dentro da RD é a postura compreensiva e inclusiva, as abordagens “amigáveis” ao usuário (Marllat, 1999).

Cabe ressaltar que, na visão partilhada pelo PROAD, a RD não se contrapõe ao modelo que visa a abstinência de drogas, mas o considera como uma das estratégias possíveis entre várias outras.

Segue abaixo um quadro comparando a política de “Guerra às Drogas” com o movimento de Redução de Danos:


Segundo Silveira e Silveira, 2001, o movimento da Redução de Danos apresenta como objetivos gerais evitar, se possível, que as pessoas se envolvam com o uso de substâncias psicoativas; se isto não for possível, evitar o envolvimento precoce com o uso de drogas, retardando-o ao máximo; para aqueles que já se envolveram, ajudá-los a evitar que se tornem dependentes; e, para aqueles que já se tornaram dependentes, oferecer os melhores meios para que possam abandonar a dependência; e se, apesar de todos os esforços, eles continuarem a consumir drogas, orientá-los para que o façam da maneira menos prejudicial possível.

Desta forma, se considerarmos a Redução de Riscos e a Redução e Danos como partes de um mesmo continuum, onde estão englobadas as estratégias de prevenção nos vários níveis: primário, secundário e terciário, bem como todas as intervenções de atendimento ao usuário, incluindo tratamento e reinserção social.

Na visão do PROAD, em um tratamento da dependência química pautado nos princípios da Redução de Danos, os usuários são acolhidos dentro das suas demandas e possibilidades. Isto inclui a possibilidade de modificação do padrão de uso e da substituição da droga de abuso por outra com a qual o usuário consiga estabelecer um padrão de uso menos danoso, sem excluir a possibilidade da abstinência.

A substituição de drogas pode incluir tanto drogas lícitas (prescrição de metadona para usuários de opióides e de benzodiazepínicos para dependentes de álcool) ou ilícitas (acompanhar o uso de maconha que usuários de crack e cocaína fazem no sentido de tentar controlar sua ‘fissura’). As metas intermediárias são destinadas aos pacientes que não desejam ou não conseguem, temporariamente ou não, abandonar o uso de drogas. A busca pelo uso moderado ou controlado da substância em questão é, em princípio, uma estratégia possível no atendimento ao dependente de qualquer substância.

No enfoque da RD a individualidade do usuário é considerada e este participa na construção do seu modelo de recuperação. Pode ainda vir a atuar como Redutor de Danos na recuperação de seus pares (outros usuários). O PROAD considera essencial a continuidade das pesquisas sobre estas novas formas de intervenção.

Ao colocarmos o status legal das drogas em uma posição secundária nesta discussão, estamos assumindo uma posição bastante clara: no tocante à legislação, o PROAD defende a descriminalização do usuário de qualquer droga, assumindo que o ato de consumir drogas, per si, não pode ser considerado um delito. Somente poderia ser penalizado o usuário que eventualmente vier a cometer um crime (Maierovitch, 2002).

Cabe esclarecer que descriminalizar diz respeito a despenalizar (não mais tornar alvo de sansão penal) o indivíduo que usa ou porta a droga para uso próprio, não importando se este é um usuário ocasional ou um dependente. Diferentemente, legalizar refere-se a medidas mais amplas que despenalizam igualmente a produção e a comercialização dos tóxicos (Costa, 1988). O PROAD considera a descriminalização das drogas uma importante medida de Redução de Danos: “a descriminalização do uso de drogas, em nosso entender, poderia ser, por um lado, fator de integração do usuário na sociedade; e, por outro, acabaria com o estigma marginalizante da droga” (Costa, 1988).

Dentro da mesma linha de coerência, o PROAD coloca-se frontalmente contra intervenções coercitivas junto a usuários, tais como a Justiça Terapêutica. Esta proposta “baseia-se numa relação crime e castigo, obrigatoriedade e punição, numa filosofia que ingenuamente acredita que uma lei criminal é capaz de ‘per se’ inibir o uso”, não diferenciando o dependente químico do usuário ocasional, além de propor uma forma de tratamento que não admite a possibilidade da recaída como fenômeno inerente ao processo de recuperação (Maierovitch, 2003).

Quanto às práticas de Redução de Danos na comunidade, os benefícios da prática de disponibilização de seringas e demais insumos aos usuários de drogas injetáveis, de eficácia amplamente comprovada, levam o PROAD a considerar imprescindível sua adoção dentro de um modelo de intervenção abrangente. Com relação à distribuição de cachimbos para usuários de crack, faltam ainda pesquisas que justifiquem ou condenem a prática.

Na opinião do PROAD, a redução de danos não deve se restringir às drogas ilícitas, defendendo, no entanto, que as muitas iniciativas já existentes devam ser reforçadas, tais como as campanhas de evitar a direção de veículos sob efeito do álcool e a restrição de venda de bebidas alcoólicas a menores e em estradas.

Indiscutivelmente, a Redução de Danos é um tópico importante dentro no campo das dependências químicas, seja como paradigma de referência, seja como conjunto de estratégias de intervenção. O PROAD propõe ainda que a RD seja incluída no currículo de todos os cursos na área de dependências químicas. Defende ainda o estímulo à produção de conhecimento no campo da Redução de Danos.

Segundo Carlini-Cotrim, 1992, “Houve um aumento de quase 12 vezes, entre as décadas de 60 e 80, na quantidade de artigos publicados (no jornal O Estado de São Paulo) sobre drogas, álcool e tabaco”. Tal interesse da mídia, por outro lado, não se traduziu em melhoria da qualidade das reportagens, que muitas vezes veiculam informações distorcidas e tendenciosas. O PROAD reconhece assim a necessidade de um trabalho contínuo junto à mídia, visando reduzir os danos relacionados à veiculação de informações equivocadas.

Bibliografia:

Bravo, O. A. (2000). Discurso sobre drogas nas instituições do Distrito Federal. [tese] Universidade de Brasília, Brasília.

Carlini-Cotrim, B. (1992). A escola e as drogas: O Brasil no contexto internacional. [Tese], Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de Sao Paulo, São Paulo. Pontifícia Universidade Católica de Sao Paulo.

Costa, P. F. (1988). Aspectos legais do consumo. Em: Bucher, Richard, As drogas e a vida. São Paulo: EPU; pp. 39-45.

Harm Reduction Coalition. (2002-2003) Harm Reduction Coalition [Web Page]. URL http://www.harmreduction.org/ Webpage acessada em: 7/11/2002.

Maierovitch, W. (2003). Justiça Terapêutica - Entrevista Dr. Walter Maierovitch. Webpage acessada em: 10/08/2003. http://www.psicologia-online.org.br/atualidades/materias.cfm?id_area=460

Maierovitch, W. (2002) Drogas sem lei no Brasil. Correio Brasiliense. Brasília,    quintafeira, 17 de janeiro de 2002. Webpage acessada em: 10/08/2003 http://www2.correioweb.com.br/cw/2002-01-17/mat_28927.htm

Marlatt, G. A. (1999). Redução de Danos: estratégias práticas para lidar com comportamentos de alto risco. Porto Alegre: Artes Médicas Sul.

Silveira, E. D. X., & Silveira, D. X. (2001). Um Guia para a Família. Brasília: Presidência da República - Secretaria Nacional Antidrogas.


15/03/2013

Alcoólicos Anônimos: É preciso dar mais do que doze passos


É preciso dar mais do que doze passos

Um estudo conclui que, sozinho, o método preconizado pelos Alcoólicos Anônimos para livrar dependentes da bebida tem pouca eficácia.


Kalleo Coura
Foto Marcos Hermes
"SÓBRIOS SÓ POR HOJE"
O tratamento do AA baseia-se no apoio de outros dependentes e na força de vontade, exercício que tem de ser diário
Uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo traz uma boa e uma má notícia para dependentes de álcool que decidiram apostar em grupos de autoajuda para livrar-se do vício. A boa notícia é que entre os dependentes que frequentam ao menos duas vezes por mês as reuniões dos Alcoólicos Anônimos (AA), o mais conhecido desses grupos e objeto da pesquisa da Unifesp, 45% conseguem ficar abstêmios por seis meses, período mínimo necessário para considerar o resultado do tratamento satisfatório. O problema é que menos de 19% dos que lá ingressam mantêm a assiduidade exigida - o que conduz à segunda notícia: as chances de uma pessoa conseguir parar de beber por meio do ingresso no AA são as mesmas de quem tenta fazer isso sem ajuda nenhuma. Em outras palavras: o AA, segundo o estudo da Unifesp, não funciona - ao menos não sozinho.
Para conduzirem o estudo, pesquisadores do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Unifesp acompanharam durante meio ano 257 dependentes de álcool que foram encaminhados ao AA. No fim desse período, apenas 49 haviam comparecido aos encontros pelo menos uma vez por mês. A "falta de identificação" com o método foi a resposta mais citada pelos desistentes, mas o "ambiente pesado" das reuniões, justificado pela recorrência de relatos considerados "depressivos", também foi mencionado com frequên-cia. A barwoman Renata (nome fictício), de 41 anos, dependente de álcool desde os 26, conta que não conseguiu ir a mais do que quatro encontros do AA. "Minha vontade de beber, em vez de diminuir, aumentava com as sessões", diz ela. "As pessoas só falavam em álcool durante uma hora e as histórias eram sempre tristes. Um dia, saí de lá e fui direto para o bar", conta. A incapacidade de reter os frequentadores é o principal problema do AA, segundo o estudo do Proad, mas não é o único.
Foto: Lailson Santos
EFEITO INVERSOA barwoman Renata foi a quatro encontros do AA e desistiu: "Minha vontade de beber aumentava em vez de diminuir"

De acordo com o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, coordenador do Proad, o método dos Alcoólicos Anônimos é particularmente ineficaz para duas categorias de alcoólatras: os que têm dificuldade de falar em público, uma vez que a verbalização da doença está na base do tratamento da associação, e os que sofrem de algum tipo de problema psiquiátrico - caso de três em cada quatro dependentes de álcool, afirma ele. Na origem da segunda incompatibilidade está o fato de que, não tratado, o distúrbio psiquiátrico torna a abstinência um objetivo bem mais difícil de atingir. 
Tome-se o exemplo de alguém que sofre de depressão ou fobia social. Se ele estiver habituado a recorrer a um copo bem cheio para amenizar a intensidade da tristeza ou a dificuldade de se relacionar com as pessoas, terá mais problemas para livrar-se da bebida. O representante comercial Eduardo (nome fictício), de 40 anos, além do alcoolismo, sofria de depressão e transtorno obsessivo-compulsivo. Participou de cinco grupos de autoajuda e não conseguiu ficar mais do que alguns dias longe de um copo. Hoje em tratamento psiquiátrico, está há oito meses sem beber. "Identificar se algum transtorno levou o indivíduo à dependência é fundamental no tratamento do alcoolismo", diz um dos autores do estudo do Proad, o psiquiatra Mauro Terra, do Centro de Estudos José de Barros Falcão.
O psicólogo americano William Richard Miller, professor aposentado de psicologia e psiquiatria da Universidade do Novo México, analisou uma série de pesquisas sobre a eficácia do AA, algumas apontando taxas de recuperação de até 81%. Chegou à conclusão de que muitas delas apresentavam resultados inflados, por causa de erros metodológicos. Em compensação, obteve um dado animador. Descobriu que a participação assídua em grupos de autoajuda faz crescer em até 10% a chance de abstinência no caso de um dependente de álcool que já esteja em tratamento psiquiátrico.
Criado em 1935 nos Estados Unidos, o modelo dos Alcoólicos Anônimos parte do princípio de que só um alcoólatra pode ajudar outro - o que ocorreria por meio do apoio mútuo, do compartilhamento de experiências e do compromisso de seguir os doze passos, conjunto de princípios que forma a base metodológica do AA (o primeiro passo prega a admissão da impotência do doente diante do álcool e o segundo invoca a crença de que a sua recuperação depende de um poder superior). O método é hoje seguido por 2 milhões de pessoas em mais de 160 países. No Brasil, existem em torno de 6.000 grupos de Alcoólicos Anônimos, que, segundo a entidade, reúnem 110 000 membros - aqueles que comparecem ao menos uma vez por semana às sessões ou participam dos encontros on-line.
Foto: Pedro Rubens
ALÉM DO ALCOOLISMO
Com depressão e TOC, Eduardo, dependente de álcool, tentou cinco grupos de autoajuda antes de recorrer ao psiquiatra
Embora admita que o AA tem limitações, o psiquiatra Arthur Guerra de Andrade, coordenador do Grupo de Estudos de Álcool e Drogas da Universidade de São Paulo, afirma que não se pode desprezar a sua relevância, sobretudo para "os que não podem arcar com os custos de um tratamento médico e aqueles que possuem algum tipo de crença espiritual". Tanto isso é verdade que os doze passos hoje já não são usados exclusivamente pelos grupos de autoajuda. "Muitas clínicas de recuperação de dependentes de álcool adotam a cartilha", diz o psiquiatra Marcelo Niel, do Proad. O coordenador do grupo, Dartiu Xavier da Silveira, chama atenção, no entanto, para o fato de que a combinação de dois fatores - remédios e psicoterapia - é um dos caminhos comprovadamente mais bem-sucedidos até hoje na reabilitação de alcoólatras. A taxa de abstinência, nesse caso, chega a 36%, contra a de 9% obtida por indivíduos que apenas recorrem aos grupos de autoajuda. Força de vontade e palavras de apoio são essenciais, mas a estrada rumo à sobriedade requer mais do que doze passos.

Artigo retirado da Revista Veja, para ver o artigo completo, clique aqui.



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