Braços Abertos: “Antes dele, 9 em cada 10 viciados desistiam”
Dartiu Xavier, coordenador do programa, rebate matéria da Folha de S. Paulo que gerou polêmica nas redes sociais ao dar conotação negativa à iniciativa. Para Xavier, também professor da Unifesp, trata-se de uma proposta que busca atingir a causa do problema.
Por: Guilherme Franco
Edição: Paulo Roberto Brier D'Auria
Edição: Paulo Roberto Brier D'Auria
Desde a metade da década de 1990, vários prefeitos de São Paulo, bem como os governadores do estado têm procurado acabar com a Cracolândia. No entanto, as ações muitas vezes se resumiram a operações policiais.
Há um ano, a equipe do prefeito Fernando Haddad (PT) colocava em prática uma ação na Cracolândia que acendeu o sinal vermelho de críticos Brasil afora. O programa “Braços Abertos” busca a redução de danos em que o dependente é incentivado a diminuir gradativamente o consumo da droga, sem internação e com oferta de emprego e renda. A proposta vai na contramão à utilizada pelo governo do estado que prega o tratamento compulsório, permitindo às autoridades ordenarem a internação daqueles considerados em “estágio avançado de dependência”.
Na semana passada a manchete: “4 em cada 10 desistem de ação anticrack de Haddad”, segundo a Folha de S. Paulo deu o que falar nas redes sociais. É preciso valorizar, no entanto, que das 798 pessoas que aderiram ao programa iniciado há um ano e quatro meses; aproximadamente 60% delas continuam o tratamento. “Antes dele, nove em cada dez viciados desistiam. O programa tem muitas coisas a serem melhoradas, mas algo sim já mudou, e para o bem. Esta é uma forma menos intolerante de lidar com a população”, opina Dartiu Xavier, professor da Unifesp e coordenador de treinamento de agentes da ação da prefeitura. Confira a entrevista.
SPressoSP – Primeiramente, como você avalia o programa “Braços Abertos”?
Dartiu Xavier - É a única proposta que tem alguma fundamentação. É uma mudança de paradigma. Em situações de tanta vulnerabilidade social, favorece-se o uso das drogas e a proposta do “Braços Abertos” busca atingir a causa do problema e não uma consequência ou um desdobramento, como no caso do uso da droga. Esse tipo de tratamento já foi testado em vários países e é o único que funciona.
Em alguns estudos dividiram-se a população em dois grupos de forma que no primeiro, a abstinência era pré-requisito, ou seja, se houvessem recaídas com a droga perderiam alguns privilégios. Já o outro grupo era incentivado a diminuir gradativamente o consumo da droga. Após três anos o resultado mostrou que o trabalho foi mais efetivo com o segundo grupo de que com o primeiro, mostrando que a droga não é a causa, e sim a consequência.
SPressoSP – Há um preconceito da mídia tradicional e de uma parcela conservadora da sociedade com esse tipo de tratamento?
Dartiu Xavier – A nossa sociedade é bastante reacionária e parte da mídia também. Ficamos muito tempo copiando o modelo de guerra às drogas, um modelo lançado na década de 70 pelos EUA. Já na década de 90 os EUA fizeram uma série de pesquisas e constataram que programa de guerra às drogas não eram efetivos.
Outro ponto é que fala-se muito sobre uma questão política de que se você é petista defende tal visão, contudo eu defendo o programa por questão técnica. Antes dele, nove em cada dez viciados desistiam diferente dos nossos dados atuais com o programa. Claro que ainda temos pontos a serem melhorados e já vem mudando. Com o ´´Braços Abertos´´ temos uma forma mais tolerante de lidar com a população e se formos pensar um dos programas implementados anteriormente na Cracolândia chamava-se dor e sofrimento. Como é possível crer que impondo dor e sofrimento àquela população seria uma forma de ajuda?
SPressoSP – O governador Geraldo Alckmin (PSDB) tem projeto antagônico. Batizado de “Recomeço”, o modelo estadual trabalha a saída do vício com tratamentos que incluem isolamento em hospitais e comunidades terapêuticas. Esse choque de gestões prejudica de alguma forma?
Dartiu Xavier – Prejudica muito. No “Recomeço”, eles medem a taxa de sucesso pelo número de internações. Já ouvi histórias de quem já atuou no projeto e contam histórias de arrepiar. Para bater a meta do dia eles saem com a ambulância pegando qualquer morador de rua. Isso é um afronto aos direitos humanos, prendendo uma pessoa só para atender uma meta diária. Isso me parece uma espécie de comércio humano onde o indivíduo é um número para atender o projeto. O “Braços Abertos” é completamente diferente demora-se semanas e até meses para conquistar a confiança da pessoa e assim, construindo-se uma relação afetuosa.
SPressoSP – Os resultados do programa podem representar no futuro o fim da ideia da “internação compulsória”?
Dartiu Xavier – As pessoas não chegaram àquela situação de miséria social por causa da droga mas sim por falta de acesso à moradia, trabalho, educação, saúde, etc. Quando o indivíduo viciado volta para a miséria, ele recai, de forma que é preciso melhorar as condições básicas de vida do usuário. Nesse sentido, como já foi dito, a proposta do Braços Abertos busca atingir a causa do problema e não só a consequência, como no caso do uso da droga.
Tem uma questão muito importante que está por trás de tudo isso que se relaciona ao fato do público ser população de rua. Ninguém gosta de ver miséria e gente se drogando em público e quando se vê o usuário de droga na rua já recebe o rótulo de dependente. Mas e se pensarmos naquelas pessoas que ficam dentro de seu apartamento chique no Jardins cheirando cocaína ou fumando maconha? Eles são dependentes? Grande parte delas não, são apenas usuárias, mas elas estão anônimas. O fato das pessoas se drogarem na rua gera muita visibilidade.
Foto: Marcelo Camargo/ABr
Saiba mais em: http://spressosp.com.br/2015/05/25/bracos-abertos-antes-dele-nove-em-cada-dez-viciados-desistiam/