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20/05/2013

Nova 'bíblia da psiquiatria' vem aí. E, com ela, mais doenças


Nova 'bíblia da psiquiatria' vem aí. E, com ela, mais doenças

A Associação Americana de Psiquiatria está prestes a publicar a nova versão do DSM, o 'Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais', livro conhecido como a "bíblia da psiquiatria". Com ele, são criadas novas doenças e ressurgem velhos temores de mais epidemias de transtornos mentais.

Psiquiatria: com a publicação do DSM-5, o luto passará a ser considerado como um sintoma da depressão. Com isso, volta o debate sobre o que são os sentimentos naturais do homem e o que é uma doença mental
Psiquiatria: com a publicação do DSM-5, o luto passará a ser considerado como um sintoma da depressão. Com isso, volta o debate sobre o que são os sentimentos naturais do homem e o que é uma doença mental (Thinkstock)

A partir do próximo final de semana, algumas coisas na psiquiatria vão mudar — durante o encontro anual da Associação Americana de Psiquiatria (APA, sigla em inglês), será divulgada a nova edição do manual que define os critérios para diagnóstico de todos os transtornos mentais classificados pela entidade. Conhecido como a "bíblia da psiquiatria", esse documento é resultado de uma década de debates entre 1.500 especialistas e de um compilado de novas descobertas feitas desde a publicação da última versão revisada do manual, há 13 anos. Esta será a quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, sigla em inglês para Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders). A primeira versão do documento, o DSM-I, foi publicada em 1952, e a mais recente, o DSM-IV, saiu pela primeira vez em 1994 e foi atualizada em 2000. 
A importância do DSM é gigantesca. Apesar de ser feito por um entidade americana, ele é influente em todo o mundo. É nele que a Organização Mundial da Saúde (OMS) se baseia para classificar os transtornos psiquiátricos presentes na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, o CID, adotado pela maioria dos países, inclusive o Brasil. "O DSM é frequentemente utilizado por médicos brasileiros para que eles façam um diagnóstico, principamente médicos de entidades universitárias. Na área de pesquisa, o DSM é a principal referência", diz Teng Chei Tung, médico do Instituto de Psiquiatria da USP. Ou seja, qualquer mudança no DSM é refletida em consultórios, hospitais, clínicas e laboratórios do mundo inteiro.
Com a nova versão do documento, a psiquiatria ganhará algumas novas doenças que não eram listadas anteriormente e também sofrerá mudanças importantes em condições como a depressão e o autismo. E como consequência natural dessas mudanças, reacende-se o debate sobre qual é, de fato, o limite entre o comportamento humano normal e os sintomas de uma doença psiquiátrica que precisa ser tratada com remédios. E sobre quais são as consequências da criação de mais diagnóstico que acusam uma doença mental.

Novas doenças — Uma das mudanças que estarão presentes no novo manual é a criação de um novo diagnóstico para crianças que têm humor instável, mas que não seguem todos os critérios para serem diagnosticadas com transtorno bipolar. Trata-se do "transtorno disruptivo de desregulação do humor", que pode ser apresentado por "crianças que apresentam irritabilidade persistente e episódios frequentes de surtos de comportamento três ou mais vezes por semana por mais de um ano."
A decisão de criar esse novo diagnóstico gerou muita discussão entre os psiquiatras. Por um lado, especialistas acreditam que o novo diagnóstico pode evitar que crianças com um determinado transtorno psiquiátrico deixem de ser identificadas e sejam privadas de receber tratamento. Ou então que sejam diagnosticadas de forma incorreta — o mais provável, neste caso, com o transtorno bipolar — e recebam medicamentos indevidos. Uma vez que a psiquiatria não é uma ciência exata, no entanto, é difícil determinar quais serão as consequências da criação de um novo diagnóstico — se ele vai ajudar a tratar pacientes que realmente precisavam ser tratados, ou então se vai desencadear uma epidemia artificial.
Para Rajiv Tandon, psiquiatra da Universidade da Flórida que participou do grupo que revisou os transtornos psicóticos para o DSM-5, a criação do diagnóstico do transtorno disruptivo de desregulação do humor é algo positivo. "A preocupação é que crianças com dificuldades para regular o seu humor sejam classificadas como bipolares. Essas crianças não são más, não são antissociais. Elas têm um distúrbio de humor que precisa de atenção", disse o médico ao site de VEJA. 

Um exemplo, porém, da falta de consenso entre os próprios psiquiatras é a opinião do psiquiatra Allen Frances, presidente da comissão que produziu o DSM-IV e um dos maiores críticos da nova versão do manual. Para ele, o novo diagnóstico "é uma ideia terrível que transforma a birra infantil em uma desordem mental e que pode aumentar o uso inapropriado de medicamentos", afirmou ao site de VEJA.


Excesso de diagnósticos? — É difícil precisar se o DSM, quando é republicado com um maior número de doenças, de fato desencadeia um aumento do número de diagnósticos psiquiátricos. E é mais difícil ainda dizer até que ponto tal aumento é positivo e quando ele passa a ser prejudicial. É só pensar no caso do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), que se tornou cada vez mais comum entre crianças nos últimos anos. Nos Estados Unidos, onde os dados sobre essa condição são constantemente atualizados, o número de crianças com TDAH no país aumentou 41% na última década, segundo dados divulgados em abril pelo Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC, sigla em inglês), órgão federal de saúde do país. Porém, é preciso lembrar, o último DSM foi publicado há quase 20 anos – ou seja, os critérios para diagnóstico dessa condição não muda desde então.
"Os números mostram que, no caso do TDAH, as taxas subiram por alguma outra razão que não tem a ver com o DSM. Pode ser que isso esteja relacionado à pressão das indústrias farmacêutica para vender mais remédios ou à pressão que os pais fazem para que seus filhos se saiam melhor na escola, por exemplo. Mas esse aumento também revela que casos de TDAH que não seriam reconhecidos agora são tratados, e que agora os médicos finalmente são capazes de diagnosticar uma criança com o problema", diz Michael First, psiquiatra da Universidade Columbia, em Nova York. "O lado ruim é que pode haver crianças normais que são normalmente hiperativas, mas que recebem o diagnóstico e passam a tomar remédios."

Diagnóstico impreciso — Talvez o grande responsável por todas as controvérsias que acompanham cada edição do DSM seja o próprio método de diagnóstico do manual, que, atualmente, é feito a partir do número e da duração de sintomas que um paciente apresenta. O problema desse sistema é o fato de ele não explicar o que, de fato, está acontecendo no organismo e no cérebro de um paciente que apresenta algum distúrbio. "É muito frustrante para nós vermos que as classificações do DSM, embora sejam muito úteis em comunicar aos pacientes sobre os transtornos, não vão longe o suficiente para nos ajudar a entender as doenças", diz Michael First.
Diante disso, o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH, sigla em inglês) criou, em 2009, o Projeto de Pesquisa em Domínio de Critérios (RDoc na sigla em inglês), programa que tem como objetivo de investir em novos estudos que possibilitem, no futuro, o diagnóstico psiquiátrico feito com base nos genes, nos circuitos cerebrais e nos biomarcadores — ou seja, nas causas biológicas das doenças, e não apenas nos sintomas. A ideia não é criar um concorrente ou um substituto para o DSM, mas sim produzir estudos cujos resultados ajudem a melhorar as futuras versões do manual.
Na opinião de First, que além de consultor do DSM-5, também trabalha como consultor do RDoc, passar a usar esses conhecimentos científicos na prática clínica pode diminuir as disputas em torno do DSM, mas não acabar com elas. "Qualquer sistema que tenha a ver com transtornos mentais vai levantar preocupações, pois isso envolve estigmatizar o comportamento das pessoas. O RDoc pode fazer com que o diagnóstico psiquiátrico seja mais objetivo, mas mesmo assim ele vai lidar com a mente e com o potencial de prejudicar as pessoas ao rotular algum problema como um distúrbio mental", diz.


Para ver este artigo completo pela Veja, clique aqui.

15/03/2013

Alcoólicos Anônimos: É preciso dar mais do que doze passos


É preciso dar mais do que doze passos

Um estudo conclui que, sozinho, o método preconizado pelos Alcoólicos Anônimos para livrar dependentes da bebida tem pouca eficácia.


Kalleo Coura
Foto Marcos Hermes
"SÓBRIOS SÓ POR HOJE"
O tratamento do AA baseia-se no apoio de outros dependentes e na força de vontade, exercício que tem de ser diário
Uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo traz uma boa e uma má notícia para dependentes de álcool que decidiram apostar em grupos de autoajuda para livrar-se do vício. A boa notícia é que entre os dependentes que frequentam ao menos duas vezes por mês as reuniões dos Alcoólicos Anônimos (AA), o mais conhecido desses grupos e objeto da pesquisa da Unifesp, 45% conseguem ficar abstêmios por seis meses, período mínimo necessário para considerar o resultado do tratamento satisfatório. O problema é que menos de 19% dos que lá ingressam mantêm a assiduidade exigida - o que conduz à segunda notícia: as chances de uma pessoa conseguir parar de beber por meio do ingresso no AA são as mesmas de quem tenta fazer isso sem ajuda nenhuma. Em outras palavras: o AA, segundo o estudo da Unifesp, não funciona - ao menos não sozinho.
Para conduzirem o estudo, pesquisadores do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Unifesp acompanharam durante meio ano 257 dependentes de álcool que foram encaminhados ao AA. No fim desse período, apenas 49 haviam comparecido aos encontros pelo menos uma vez por mês. A "falta de identificação" com o método foi a resposta mais citada pelos desistentes, mas o "ambiente pesado" das reuniões, justificado pela recorrência de relatos considerados "depressivos", também foi mencionado com frequên-cia. A barwoman Renata (nome fictício), de 41 anos, dependente de álcool desde os 26, conta que não conseguiu ir a mais do que quatro encontros do AA. "Minha vontade de beber, em vez de diminuir, aumentava com as sessões", diz ela. "As pessoas só falavam em álcool durante uma hora e as histórias eram sempre tristes. Um dia, saí de lá e fui direto para o bar", conta. A incapacidade de reter os frequentadores é o principal problema do AA, segundo o estudo do Proad, mas não é o único.
Foto: Lailson Santos
EFEITO INVERSOA barwoman Renata foi a quatro encontros do AA e desistiu: "Minha vontade de beber aumentava em vez de diminuir"

De acordo com o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, coordenador do Proad, o método dos Alcoólicos Anônimos é particularmente ineficaz para duas categorias de alcoólatras: os que têm dificuldade de falar em público, uma vez que a verbalização da doença está na base do tratamento da associação, e os que sofrem de algum tipo de problema psiquiátrico - caso de três em cada quatro dependentes de álcool, afirma ele. Na origem da segunda incompatibilidade está o fato de que, não tratado, o distúrbio psiquiátrico torna a abstinência um objetivo bem mais difícil de atingir. 
Tome-se o exemplo de alguém que sofre de depressão ou fobia social. Se ele estiver habituado a recorrer a um copo bem cheio para amenizar a intensidade da tristeza ou a dificuldade de se relacionar com as pessoas, terá mais problemas para livrar-se da bebida. O representante comercial Eduardo (nome fictício), de 40 anos, além do alcoolismo, sofria de depressão e transtorno obsessivo-compulsivo. Participou de cinco grupos de autoajuda e não conseguiu ficar mais do que alguns dias longe de um copo. Hoje em tratamento psiquiátrico, está há oito meses sem beber. "Identificar se algum transtorno levou o indivíduo à dependência é fundamental no tratamento do alcoolismo", diz um dos autores do estudo do Proad, o psiquiatra Mauro Terra, do Centro de Estudos José de Barros Falcão.
O psicólogo americano William Richard Miller, professor aposentado de psicologia e psiquiatria da Universidade do Novo México, analisou uma série de pesquisas sobre a eficácia do AA, algumas apontando taxas de recuperação de até 81%. Chegou à conclusão de que muitas delas apresentavam resultados inflados, por causa de erros metodológicos. Em compensação, obteve um dado animador. Descobriu que a participação assídua em grupos de autoajuda faz crescer em até 10% a chance de abstinência no caso de um dependente de álcool que já esteja em tratamento psiquiátrico.
Criado em 1935 nos Estados Unidos, o modelo dos Alcoólicos Anônimos parte do princípio de que só um alcoólatra pode ajudar outro - o que ocorreria por meio do apoio mútuo, do compartilhamento de experiências e do compromisso de seguir os doze passos, conjunto de princípios que forma a base metodológica do AA (o primeiro passo prega a admissão da impotência do doente diante do álcool e o segundo invoca a crença de que a sua recuperação depende de um poder superior). O método é hoje seguido por 2 milhões de pessoas em mais de 160 países. No Brasil, existem em torno de 6.000 grupos de Alcoólicos Anônimos, que, segundo a entidade, reúnem 110 000 membros - aqueles que comparecem ao menos uma vez por semana às sessões ou participam dos encontros on-line.
Foto: Pedro Rubens
ALÉM DO ALCOOLISMO
Com depressão e TOC, Eduardo, dependente de álcool, tentou cinco grupos de autoajuda antes de recorrer ao psiquiatra
Embora admita que o AA tem limitações, o psiquiatra Arthur Guerra de Andrade, coordenador do Grupo de Estudos de Álcool e Drogas da Universidade de São Paulo, afirma que não se pode desprezar a sua relevância, sobretudo para "os que não podem arcar com os custos de um tratamento médico e aqueles que possuem algum tipo de crença espiritual". Tanto isso é verdade que os doze passos hoje já não são usados exclusivamente pelos grupos de autoajuda. "Muitas clínicas de recuperação de dependentes de álcool adotam a cartilha", diz o psiquiatra Marcelo Niel, do Proad. O coordenador do grupo, Dartiu Xavier da Silveira, chama atenção, no entanto, para o fato de que a combinação de dois fatores - remédios e psicoterapia - é um dos caminhos comprovadamente mais bem-sucedidos até hoje na reabilitação de alcoólatras. A taxa de abstinência, nesse caso, chega a 36%, contra a de 9% obtida por indivíduos que apenas recorrem aos grupos de autoajuda. Força de vontade e palavras de apoio são essenciais, mas a estrada rumo à sobriedade requer mais do que doze passos.

Artigo retirado da Revista Veja, para ver o artigo completo, clique aqui.



13/03/2013

Dartiu na Veja de 1995: As drogas são eternas.


Vale a pena ler a entrevista dada pelo Psiquiatra e Coordenador do Proad, Dr. Dartiu Xavier da Silveira em 1995 a revista Veja. 
Esta reportagem foi retirada e transcrita do acervo digital da Revista VEJA.

AS DROGAS SÃO ETERNAS

Psiquiatra lembra que a humanidade sempre consumiu drogas e diz que é preciso abrir o debate sobre sua legalização.
VEJA, 20 de dezembro de 1995. 
Autora: Flávia Varela
Transcrição: Paulo Roberto Brier D'Auria

Foto: VEJA
Em seus plantões no pronto socorro de psiquiatria do Hospital São Paulo, no início dos anos 80, o recém-formado Dartiu Xavier da Silveira Filho ficava especialmente intrigado com os pacientes viciados em drogas. “Pareciam gente como a gente. Não transpareciam nenhum transtorno mental”, lembra. Conversando com eles, mais interessado em compreender do que em recriminar, o médico começou a tentar entender “qual era a dessa turma”.
Depois de formado e pós-graduado em psiquiatria, Silveira foi fazer especialização em farmacodependências no Centre Medial Marmottan, em Paris. Em 1986, criou o Programa de Orientação e Assistência a dependentes, Proad, ligado à Escola Paulista de medicina da Universidade Federal de São Paulo. O Proad já atendeu cerca de 2200 pacientes e é hoje um dos centros de atendimento a viciados mais conceituados do país. Com quinze anos de experiência no assunto, consultor científico em farmacodependência da Organização Mundial de Saúde, o psiquiatra está cada vez mais seguro de que há muita mitificação em relação às drogas. “Acho  que a droga desperta um fascínio. No usuário, o fascínio é claro. Mas ele também se exerce sobre quem tem medo. Por não entender, as pessoas rejeitam e tratam as drogas como se fossem o grande mal da sociedade. Não são”, conclui.
Silveira declara-se fascinado pela paradoxal questão das drogas, “substâncias capazes de proporcionar tanto êxtases prazerosos incríveis quanto descidas radicais ao fundo do poço existencial”.  Se ele já experimentou? “Essa é uma pergunta proibida”, responde, alegando rigor profissional. Aos 40 anos, casado e pai de três filhos 10, 6 e 5 anos,  diz que pretende tratar o assunto de drogas em casa com conversa e “sem radicalismo”, quando achar que for oportuno ou quando for solicitado. Dias depois de ter lançado o livro “Drogas – Uma compreensão psicodinâmica das farmacodependências”, deu a seguinte entrevista a VEJA:


VEJA:  Por que as drogas provocam tanto medo na sociedade?
SILVEIRA: Porque se confunde uso com dependência. Uso de drogas existiu, sempre vai existir e não é uma coisa nociva.

VEJA: Então qual o perigo das drogas?
SILVEIRA: O problema é a dependência. As pessoas confundem dependência com uso recreativo e ocasional, que não costuma ter problema nenhum. É o mesmo caso do álcool. A maioria das pessoas que usam álcool o faz no contexto recreacional, e a gente nem pensa em chamá-las de alcoólatras. O mesmo é válido para as drogas ilícitas. Nem todo mundo que usa é drogado. Estudos da Associação Psiquiátrica Americana mostram que a grande maioria das pessoas que consomem drogas ilícitas não é nem nunca será dependente.

VEJA: Quantos usuários se viciam em drogas?
SILVEIRA: Os números dependem da droga e variam um pouco de acordo com as pesquisas. Em relação à maconha, mais de 90% não são dependentes. Sobre a cocaína os níveis são mais questionáveis. Entre 60% e 70% usam cocaína apenas no contexto recreacional.

VEJA: Não se deve encarar o usuário de droga como um dependente potencial?
SILVEIRA: Isso é preconceito. Houve uma época em que se dizia que o uso ocasional de maconha não era problemático, mas seria a porta de entrada para as dependências. Esse conceito não se comprova cientificamente. A maioria dos que fumam maconha a usa para se divertir, usa por um tempo limitado e depois abandona.

VEJA: Existe perigo maior em algumas drogas do que em outras?
SILVEIRA: De modo geral, o uso recreacional não é perigoso para nenhuma droga. Mas é lógico que existem diferenças. Por exemplo, a cocaína injetável é mais perigosa do que a aspirada. Não apenas porque seu efeito é mais forte, mas porque quem se dispõe a injetar uma droga na veia pretende um efeito muito maior, quer fugir da realidade, sair de órbita completamente. Essa pessoa é muito mais propensa à dependência. Por esse raciocínio, podemos dizer que o consumo de heroína, crack e cocaína injetável é mais grave que um baseado de maconha.

VEJA: Qual o prejuízo das drogas para a saúde?
SILVEIRA: É bom ter claro que os prejuízos acontecem pela quantidade e frequência, portanto podem alcançar tanto quem é dependente como aquela pessoa que usa muito, mas não pode ser considerada dependente. O uso crônico de cocaína pode levar a problemas graves. Um deles é o infarto precoce, que pode provocar a morte de pacientes jovens. Outro efeito possível são os microinfartos, quando há obstrução de pequenas artérias. Isso pode produzir a perda de funções cognitivas como a inteligência, a capacidade de abstração, a memória e a organização de ideias. A maconha é bem menos agressiva. Em alguns casos, há um quadro de perda de motivação. O álcool é das drogas mais lesivas. Existem até demências provocadas por ele. Podem acontecer hemorragias digestivas, problemas de fígado e disfunções endocrinológicas.

VEJA: O viciado usa droga com objetivo diferente do usuário?
SILVEIRA: O viciado em droga se encontra numa situação vivencial insuportável. Uma situação de que ele não consegue fugir nem enfrentar. Ele só tem uma alternativa, modificar sua percepção da realidade e, assim, deixar de sofrer. Ser depende de droga não é ter o desejo de usar drogas, é não ter a possibilidade de não usá-las.

VEJA:  Por que alguns se tornam dependentes e outros não?
SILVEIRA: Nunca se sabe de antemão quem vai tornar-se dependente. Basicamente, tem a ver com características biológicas, influências sociais e culturais e o perfil psicológico.

VEJA: Existem características psicológicas comuns aos que se tornam viciados?
SILVEIRA: Em geral, o viciado apresenta uma fragilidade do ego. Mede-se isso pelo nível de recursos que a pessoa tem para lidar com suas dificuldades. Há também a dificuldade de simbolização, que corresponde à capacidade de fantasiar. Algumas pessoas precisam de uma droga, de algo químico, para entrar no mundo da fantasia. Quanto ao que leva a essas fragilidades, podemos citar diversos fatores e mesmo enfatizar o papel das famílias problemáticas.

VEJA: A família do dependente tem culpa pelo vício?
SILVEIRA: Não é algo tão linear assim. Mas em alguns casos o drogado é um emergente patológico de uma família disfuncional. É ele que apresenta o problema, mas a família inteira está doente. Diversos drogados têm a história de uma figura paterna ausente, demissionária, pouco participante.  Outros podem ter tido uma mãe ambivalente. Uma mãe que em situações de extrema fragilidade não dá suporte emocional e, quando deveria soltar o filho no mundo, protege-o excessivamente. Mas aqui influem também aspectos socioculturais.

VEJA: Existe uma cultura no Brasil que favorece o contato com a droga?
SILVEIRA:Existe em todo o Ocidente. Isso é facilmente percebido com o cigarro e o álcool. Mas também há uma influência do meio social sobre as drogas ilegais. Para um grupo de adolescentes, o primeiro baseado de maconha é sinal de que o indivíduo já está aceito no grupo. Faz parte dos rituais de iniciação, como a primeira experiência sexual.

VEJA: Se os aspectos psicológicos e ambientais são tão importantes, pode-se afirmar que a dependência não tem a ver com quantidade e frequência do consumo?
SILVEIRA: Não há uma relação obrigatória. É claro que, quanto maior a frequência e a quantidade, maiores as chances de você já estar chegando ao limite da dependência. Se você bebe quando chega de noite em casa para dar uma desbandeirada, ao sair com os amigos, é uma coisa. Se você começa a ter de tomar um trago de manha para ir trabalhar, deixa de ser recreacional. A partir de certo nível, torna-se incompatível uma frequência alta com o uso recreativo.

VEJA: O que causa maior dependência: o efeito psicológico da droga ou químico?
SILVEIRA: Hoje existem remédios com os quais fica facílimo tirar alguém da dependência física. Existem remédios para dependências químicas de álcool, derivados de ópio como a heroína, benzodiazepínicos e barbitúricos. A cocaína e a maconha não causam dependência física, mas o individuo volta a consumir por causa da dependência psicológica. A partir desse dado se percebeu que a dependência psicológica é muito mais importante na manutenção do vicio do que a física. E esta existe para todas as drogas.

VEJA: Como os pais devem lidar com o conhecimento de que o filho usa drogas?
SILVEIRA: É uma questão muito difícil de lidar. O que a gente sabe é que a angustia dos pais não vai resolver o problema nem evitar que o filho use droga. O que eu tento passar par aos pais é que o mais importante não é se o filho usa drogas ou não, mas como está a qualidade de vida global dele.

VEJA: O que deve fazer o pai que encontra um baseado de maconha na mochila do filho?
SILVEIRA: A gravidade de encontrar um baseado é a mesma de o pai perceber que o filho chegou alto, bêbado, de uma festa. A atitude adequada é conversar. Descobrir o que aquilo representa para o filho. Saber se ele está bebendo demais, se precisa do álcool. Se ele não bebe, não consegue encontrar-se com a namorada? São essas informações que vão permitir saber se o uso da droga está ficando problemático.

VEJA: O consumo de álcool por jovens requer que tipo de atenção por parte dos pais?
SILVEIRA: As pesquisas mostram que, quanto mais cedo um adolescente começar a beber, maior a probabilidade de ele vir usar drogas ilegais. Ou seja, se fossemos pensar em porta de entrada, teríamos de falar do álcool e não da maconha. Quanto mais cedo ele começar a beber, também mais cedo ela probabilidade de se tornar alcoólatra.

VEJA: A droga dá prazer ao viciado para sempre?
SILVEIRA: Não, tem data marcada para acabar. É o que a gente chama de fim da lua-de-mel, quando a droga já não consegue mascarar a realidade. Nesse momento, a pessoa em geral procura ajuda. Antes disso o terapeuta não consegue agir. Nenhum terapeuta é tão gratificante para concorrer com a atração e o prazer das drogas. Aliás, isso é algo que poucos admitem. Os profissionais e a sociedade negam a realidade do prazer da droga. A droga vira um bode espiatório de tudo o que é ruim. Na verdade, a droga é algo bom. Se não fosse, seria fácil largar.

VEJA – A reposta para um tratamento de drogado está na farmacologia?
SILVEIRA – Não, embora os avanços nessa área ajudem muito. O problema é quando se atribuem poderes mágicos aos medicamentos. Aliás, a história da medicina está cheia de casos assim. No final do século passado, um laboratório desenvolveu um remédio para tratamento de dependência de ópio.  Essa droga era a morfina. A dependência de morfina tornou-se muito mais grave. No início desse século, outro laboratório lançou uma substância para tratamento dos dependentes de morfina, era a heroína. Ou seja, cada droga que ia ser o remédio ideal causava um problema pior. Por quê? Porque as pessoas estavam reduzindo o fenômeno mais amplo, a farmacodependência, a uma questão meramente biológica.

VEJA- Existe muito modismo em tratamento de drogados ?
SILVEIRA- Existe. Isso é catastrófico. A toda hora se ouve que o que resolve é um remédio e tal. Aí vem alguém e apresenta uma teoria psicológica linda. Você vai ver um fenômeno polimórfico. Cada estratégia de tratamento tem de ser personalizada. Não existem métodos miraculosos.

VEJA – É muito difícil curar um viciado em droga?
SILVEIRA – O índice de sucesso de bons serviços varia entre 30% e 40%. É baixo, o que significa que é difícil.

VEJA- O tratamento de drogados tornou-se uma indústria?
SILVEIRA – É verdade. Muitas pessoas estão vendendo ilusões e ganhando muito dinheiro. Como os traficantes.

VEJA – O senhor não acha hipocrisia liberar o consumo de um alucinógeno como o Santo Daime, com o único argumento de que será apenas em cultos religiosos?
SILVEIRA – Eu acho que o contexto, ou a cultura, em que a droga é consumida tem muito a ver com seu potencial de causar dependência. Estudos mostram que em regiões vinículas da Europa os índices de alcoolismo são o mais baixos. A criança nesses lugares, apesar de ter mais acesso ao álcool, tem a cultura de seu consumo introjetada aos poucos. Ela aprende quando beber, quanto beber, como e com quem. Isso a protege do alcoolismo. 

VEJA – Pode-se transportar esse mesmo raciocínio para argumentar a favor da legalização das drogas?
SILVEIRA – Seria o passo seguinte. Algo que a gente vai ser obrigado a pensar. Por exemplo, vemos que, apesar de ser ilícita, existe uma cultura do consumo da maconha. Muitos jovens sabem quando usar, quando não, como fazer, quando é ruim, cuidados a ser tomados. Estão mais protegidos da dependência.

VEJA – A legalização das drogas não levaria a um consumo maior?
SILVEIRA- O que se supõe é que a legalização aumentaria numero de usuários recreativos, mas não alteraria tanto o de dependentes. Quanto à liberação geral, um estudo inglês de Liverpool demonstrou que ela é tão negativa quanto à repressão excessiva. A situação ideal seria a de uso controlado.

VEJA – Como se consegue isso?
Silveira – É apenas uma legalização que funcione. Não uma liberação. O álcool, por exemplo,não é liberado, é legalizado. Existem várias normas que regem a produção, a venda e o consumo. Não se pode vender para menores, não se pode dirigir embriagado e etc. Isso funcionaria, se fosse cumprido.

VEJA – Então, o senhor é a favor da legalização?
SILVEIRA – Eu sou a favor de que se discuta a legalização. Em tese, ela é algo muito plausível. O complicado é a prática da legalização num país como o Brasil. Se o dependente pudesse buscar a droga no hospital onde se trata, não teria de se colocar em situações de risco. Esse é um grande passo da legalização. Mas, se isso acontecesse no Brasil, provavelmente haveria tráfico no hospital. Nós não respeitamos nem a lei do álcool. Mande um menino comprar álcool na esquina. Ele volta com quantas garrafas de cachaça quiser.

VEJA – O que a legalização resolve?
SILVEIRA – Protegeria os viciados de outras complicações. A droga não é proibida porque é perigosa. Ao contrário, ela se tornamais perigosa por ser proibida. A legalização mexe profundamente com os problemas de tráfico de drogas, armas, esse tipo de violência que gira em torno da droga.

VEJA – Uma atitude mais condescendente da sociedade em relação às drogas não facilitaria ainda mais a violência e a criminalidade do mundo das drogas?
SILVEIRA – É uma faca de dois gumes. Mas a função da legalização não é banalizar o uso, e sim tirar falsos mitos. O mesmo estudo de Liverpool mostrou que uma postura governamental mais tolerante, facilitando o acesso, além de não alterar o número de dependentes e diminuir a infecção por HIV, também provoca uma queda brutal nos índices de criminalidade.

VEJA – Legalizar só uma droga, por exemplo, a maconha, que se dizer mais leve, faz algum sentido?
SILVEIRA – Claro. Ao pensar em legalizar, não se é obrigado a legalizar tudo. Quando falamos de maconha, em que o contingente grande de usuários é recreativo, eu acho que estamos diante de uma questão urgente. Deveríamos ter pensado ontem sobre descriminalização, para agora abrir o debate sobre legalização.

VEJA – Por que cerca de 90% da população é contra a legalização?
SILVEIRA – A maioria, acho, por preconceito. Se tivessem informações, talvez não fossem. A imprensa às vezes diz “Fumou maconha e matou a família”. A droga passa a ser associada subliminarmente à violência. Os estudos científicos têm demonstrado que os atos de violência estão muito mais relacionados ao uso de álcool do que ao de drogas ilícitas.

VEJA – A droga incita a violência?

SILVEIRA- Não. A droga libera o que já existe. Se você for violento, será violento. A ideia de relacionar crimes com drogas é preconceituosa. Seria como dizer que alguém se tornou assassino por ser homossexual, negro ou judeu.

27/02/2013

Vício em internet é um risco à saúde, alertam pesquisadores



Vício em internet é um risco à saúde, alertam pesquisadores


Estudo concluiu que o hábito está ligado à depressão, traços de autismo e variações de humor que podem ser semelhantes a crises de abstinência


Um artigo publicado neste mês no periódico PLoS One chama a atenção para os riscos à saúde apresentados pelo hábito de passar muitas horas na internet. Após avaliar 60 pessoas, entre elas alguns usuários assíduos da rede, pesquisadores britânicos concluíram que o vício em internet, assim como a dependência de drogas, está associado a alterações de humor, ao aumento do risco de depressão e a sinais de abstinência. E, além disso, o hábito pode até fazer com que um indivíduo apresente traços de autismo.

“A associação entre o vício em internet e depressão e humor instável já era conhecida e demonstra que as nossas descobertas estão de acordo com estudos anteriores. Porém, o fato de o vício em internet ter sido fortemente relacionado a traços de autismo é um achado novo, e pode ser de natureza semelhante a associações estabelecidas anteriormente entre isolamento social e esse tipo de dependência”, escreveram os autores no artigo.
Como as drogas — Ainda de acordo com a pesquisa, pessoas viciadas em internet são muito mais propensas a apresentar uma variação de humor negativa e um pior estado de espírito imediatamente após desligarem o computador do que indivíduos que usam a internet moderadamente. Segundo os autores, esse quadro é semelhante a sintomas de abstinência e reforça ainda mais que essas pessoas sofrem de dependência de internet. “Quando essas pessoas se veem off-line, elas passam a apresentar um humor muito mais negativo, assim como indivíduos que deixam de usar drogas ilegais, como o ecstasy”, disse Phil Reed, professor da Universidade de Swansea, na Grã-Bretanha, e coordenador do estudo.
“Esses resultados iniciais e pesquisas relacionadas à função cerebral sugerem que, na internet, há algumas surpresas desagradáveis para o bem-estar das pessoas”, disse Reed. Para os pesquisadores, a mensagem principal desse estudo é a de que algumas pessoas podem acabar tendo muitos problemas com o uso excessivo da internet, inclusive danos à saúde física e mental. Esses indivíduos, os autores escrevem, “talvez precisem de ajuda para entender as razões para o uso excesso da internet e qual é a função do hábito em suas vidas”.
Esse estudo foi feito com 60 pessoas, com uma idade média de 24 anos. Os pesquisadores analisaram o uso de internet, além de traços de humor, personalidade e sentimentos dos participantes. Os indivíduos foram orientados a responder um questionário sobre humor e ansiedade antes e depois de usarem a internet durante 15 minutos. Dos voluntários, 32 foram considerados "problemáticos" em relação ao uso da internet. Não foi encontrada relação entre vício em internet e sintomas de ansiedade.
Novo distúrbio — No artigo, os autores afirmam que o vício em internet tem sido cada vez mais debatido nos últimos dez anos. O problema vai, inclusive, ganhar mais atenção na quinta e mais nova edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, sigla em inglês), documento considerado por muitos médicos como a "bíblia da psiquiatria". No DSM-V, que deverá ser publicado integralmente em maio, esse tipo de dependência será classificado como uma condição digna de atenção de pesquisas futuras
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