MAIS EQUÍVOCOS GOVERNAMENTAIS NAS POLÍTICAS
DE DROGAS...
Diversas instâncias
governamentais tem apresentado propostas de enfrentamento dos problemas
relacionados a dependência química. No entanto, a grande maioria delas parte de
pressupostos equivocados a respeito do tema, não conseguindo assim caminhar
para a real solução do problema. Uma dessas iniciativas questionáveis seria o
projeto Recomeço. Ao dependente químico seria disponibilizada a quantia de
1.350 reais mensais, durante seis meses, paga diretamente a uma instituição de
internação, preferencialmente uma comunidade terapêutica.
Ou seja, o primeiro grande
engano é que já se determina de antemão uma estratégia terapêutica fundamentada
na internação e, pior ainda, em uma comunidade terapêutica. Não existe
fundamentação cientifica para se privilegiar o tratamento através de internação
em detrimento de um tratamento ambulatorial. A eficácia tende a ser maior
quando o dependente é atendido ambulatorialmente por uma equipe
multidisciplinar (a exemplo do que ocorre nos CAPS-AD, como preconiza o
Ministério da Saúde). No caso das internações, a imensa maioria dos dependentes
recai logo após o seu termino. Se agregarmos as avaliações de custo-benefício
aos estudos de eficácia, chegaremos a conclusão que este é um modelo
incomparavelmente mais dispendioso e menos eficaz.
Isto para não mencionar
outros problemas bastante graves que foram levantados nos últimos anos a
respeito das comunidades terapêuticas. Embora algumas delas sejam exemplares e
ofereçam um tratamento de qualidade, infelizmente são exceções. Na grande
maioria das vezes, as CT são instituições precárias, com equipes mal
preparadas, que utilizam métodos pouco científicos, sem preocupação com
avaliação da eficácia das intervenções propostas. São geralmente modelos
mistos, com forte viés moralista, sem conhecimento adequado da complexidade do
fenômeno dependência. A maioria delas sequer sabe distinguir um usuário de um
dependente de drogas (e precisamos lembrar que os estudos epidemiológicos do
mundo inteiro nos mostram que mais de 80 % dos usuários de drogas não são
dependentes e portanto, não teriam que ser submetidos a nenhuma forma de
tratamento!!!)
Isto sem mencionar os frequentes casos de aviltamento a que são submetidos os pacientes internados, alguns deles sofrendo tortura psicológica e mesmo física, como foi amplamente documentado por vários órgãos, inclusive pelo Conselho Federal de Psicologia. Os pontos centrais que não deveriam ser negligenciados em qualquer iniciativa de abordagem da questão: A grande maioria dos usuários de drogas não são dependentes; deve sempre ser privilegiado o tratamento ambulatorial, sem o afastamento do dependente do seu meio (menos custoso e mais eficaz); nos casos que requerem internação (menos de 20 %), esta deveria ser de curta duração (geralmente de 2 a 4 semanas apenas) e serem feitas em ambiente de hospital geral. As internações longas não contemplam as necessidades do dependente químico e, pior ainda, reeditam o inadequado modelo psiquiátrico asilar e manicomial.
Diante do exposto, os governos deveriam investir esses recursos do projeto nas suas próprias estruturas de atendimento, implementando as unidades básicas de saúde e os CAPS-AD, o que talvez não resulte em mais votos mas que certamente ajudaria muito mais os dependentes de drogas. A ONU preconiza que o tratamento de um dependente químico deva ser feito preferencialmente em regime ambulatorial e que os tratamentos coercitivos (como ocorre com a imensa maioria das internações) deveriam ser considerados como equivalentes a tortura. Acho irônico que justamente quando temos na chefia de nosso atual governo federal uma pessoa que foi vítima de tortura na época da ditadura militar, sejam incentivadas medidas “terapêuticas” que os órgãos internacionais consideram como sendo formas disfarçadas de tortura(!).
Dartiu Xavier da Silveira
Professor Livre-Docente da
Universidade Federal de São Paulo