Ação foca modo mais radical de tratamento
'Bolsa internação' financia entidades em detrimento do sistema público
O Cartão Recomeço ganhou instantaneamente o pejorativo apelido de "bolsa crack", mas está mais próximo de uma "bolsa internação".
É um programa de financiamento público de comunidades terapêuticas privadas por meio dos R$ 1.350 mensais que serão recebidos pelos familiares dos dependentes internados.
O abuso do crack, associado a profundas vulnerabilidades sociais, é problema grave, mas está levando o poder público a uma sucessão de políticas sem debate mais sistemático com especialistas.
A internação é um tratamento indicado para apenas uma parte dos dependentes de drogas e por pouco tempo.
Por ser um isolamento artificial, produz a sensação de proteção, daí seu apelo em situações dramáticas. Por outro lado, como outros tratamentos, mostra-se ineficaz na maioria das vezes.
É preocupante que as políticas coloquem a forma mais radical de tratamento como seu foco, pois isso parece muito mais aplacar os anseios de quem está do lado de fora do que se basear em evidências científicas.
Também é preocupante o financiamento direto de entidades privadas em detrimento do sistema público de atenção à saúde mental --que, não há dúvidas, precisa ser aperfeiçoado e ampliado.
Sem entrar em controvérsias conceituais, a ação suscita questões pontuais.
O Estado será capaz de garantir a laicidade do tratamento, posto que um número enorme de comunidades terapêuticas são religiosas?
Quais serão as formas de controle e os critérios de avaliação de qualidade e eficiência desse tratamento em médio e longo prazo?
Qual é o plano de auxílio para esses dependentes e suas famílias na fase mais difícil do tratamento, que é o retorno às ruas?
Com longo histórico de internações dos dependentes, como evitar que o sofrimento deles não estimule um lucrativo e perene negócio financiado por verba pública?
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