TEM PALHAÇO NO PROAD
Flávio Falcone
Há
7 meses, colaboro com o acolhimento do PROAD atendendo adultos que enfrentam a
problemática da dependência química. Minha ferramenta de trabalho é a arte do
riso. Utilizo técnicas de treinamento de palhaço para oferecer aos pacientes
uma possibilidade de se renovar o olhar para suas vidas.
O
treinamento do palhaço passa pelo entendimento de que tudo é risível e revela o estado de graça de todas as coisas.
O palhaço expressa a perplexidade da criança diante do mundo. Um estado em que
não há julgamento moral. Onde todos os tabus deixam de ser uma ameaça e se
tornam inofensivos. A sensação provocada por uma gargalhada é a de plenitude,
de gozo, de satisfação. É a conciliação entre os opostos da consciência
(bem/mal, certo/errado, masculino/feminino).
Para a psicologia analítica, o riso mobiliza o contato da
consciência com a função transcendente, pois no riso o homem se funde ao seu
estado de origem “divina” e primitiva. Muitos comparam esse estado com a
sensação do útero materno. É o retorno ao mundo do sagrado, do numinoso, cuja
plenitude se confunde com a do estado primordial. É o avesso do cotidiano, a
ruptura com as atividades sociais, o esquecimento do profano, um contato
revigorante com o mundo dos deuses e dos demônios que controlam a vida.
Para o autor Edward Edinger, a experiência do numinoso é de
extrema importância em processos de transformação psíquica. O contato com o
estado primitivo é o contato com o estado de pura potencialidade, de onde pode
uma nova forma ou atualidade surgir. Segundo Edinger, “os aspectos fixos e
desenvolvidos da personalidade não permitem mudanças. São sólidos,
estabelecidos e certos de sua correção. Somente a condição original –
indefinida, fresca e vital, mas vulnerável e insegura -, simbolizada pela
criança, esta aberta ao desenvolvimento e, portanto, viva.”(1)
Para muitas pessoas, o uso de drogas esta associado a uma busca
pela experiência da transcendência, pelo estado de prazer semelhante ao da
fusão com o útero materno. O acolhimento de palhaço no PROAD busca atender a
essa necessidade criativamente, oferecendo a experiência do retorno à infância
através de exercícios cômicos. A arte do palhaço favorece a expressão de
conteúdos inconscientes e faz com que o riso vença o medo de lidar com os
aspectos sombrios da personalidade. Segundo Frederico Fellini, “no circo, através do
palhaço, a criança pode imaginar que faz tudo o que está proibido, se vestir de
mulher, armar surpresas, gritar, dizer em voz alta tudo
o que pensa. No circo ninguém te repreende. Pelo contrário, te aplaudem.”(2)
A
psiquiatra Carmen Santana dá seu depoimento sobre o palhaço no seguinte texto:
“no palhaço encontro, encarnada e restaurada, uma dimensão positiva e criadora
do riso, que faz renascer um mundo múltiplo e fervilhante. É ele o risonho
porteiro do circo que, com seu humor, nos convida para o espetáculo da vida,
espetáculo de um mundo convertido em picadeiro. (...) Á medida que o palhaço
incorpora, pela ação, pantomima e palavra, a coexistência de realidades opostas
da vida, jogando, tateando, brincando, com estas oposições sem tentar
reconcilia-las, ele nos conecta com a mobilidade do mundo mais que com sua
estrutura, com o acontecer ininterrupto, mais que com a sucessão de instantes
fotografados e encerrados nos limites de uma moldura. Deslizando com o palhaço
em seu viver, temos estado a descobrir no mundo a sua vibração, sua graça, sua
palhacice. (...) A presença do palhaço é transformadora, pois reinventa, a todo
instante, nosso olhar para a vida. Por ver o mundo pelo grotesco é inofensivo e
alegre, nele o medo é vencido pelo riso.”(3)
Referências:
(1)
Edinger,
Edward F. (2006). Anatomia da Psique: o
simbolismo alquímico na psicoterapia”. São Paulo, Ed. Cultrix, pág. 31
(2)
Fellini,
F. (2004). Fazer um Filme. Rio de
Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, pág.185.
(3)
Sampaio,
C.P. (1993). Entre Palhaços e Capitães.
Junguiana Rev. Brasileira de Psicologia Analítica, no. 10, pág. 38 – 45.