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03/04/2014

Entidade de chefe de programa anticrack do Estado vai gerir hospital para viciados

Entidade de chefe de programa anticrack do Estado vai gerir hospital para viciados

Secretaria da Saúde escolhe organização presidida por Ronaldo Laranjeira para administrar, por cinco anos e ao custo de R$ 114 milhões, futuro hospital na Cracolândia; MPE vê conflito de interesse. Psiquiatra não decide despesas, diz governo

Sem obras. Parte da unidade já deveria estar funcionando
Robson Fernandjes/Estadão
Fabiana Cambricoli - O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - O governo do Estado de São Paulo contratou uma entidade filantrópica presidida pelo psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador do programa anticrack da Secretaria Estadual da Saúde, para administrar o futuro hospital de dependentes químicos da Cracolândia, na região central. A Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), organização social vinculada à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), vai receber cerca de R$ 114 milhões, no período de 5 anos, para gerenciar a unidade da Rua Helvetia.
O hospital integra o programa Recomeço, projeto do governo estadual de combate à dependência em crack, do qual Laranjeira é coordenador desde maio do ano passado.
Para o Ministério Público Estadual (MPE), o fato de o psiquiatra ter cargos de comando tanto no governo quanto na SPDM consiste em conflito de interesses. Estado e SPDM alegam, porém, que Laranjeira atua nas duas instituições de forma voluntária, sem remuneração, e que ele não é o responsável por administrar despesas dentro da Secretaria da Saúde nem pela escolha das entidades contratadas pelo Estado para administrar unidades de saúde.
"Do ponto de vista ético, merece uma reflexão maior. (O contrato) É algo que precisaria ser mais bem pensado e investigado. É uma situação muito inusual alguém estar dos dois lados, como contratante e como contratado", afirmou o promotor da Saúde Pública Arthur Pinto Filho, após ser questionado pelo Estado sobre a parceria firmada entre organização social e Secretaria da Saúde.
Como presidente da SPDM desde agosto do ano passado, Laranjeira foi quem assinou o contrato em nome da organização, em dezembro. Pinto Filho disse que, embora não duvide da "idoneidade de Laranjeira", poderá abrir um inquérito para apurar em que condições o contrato foi firmado. "O mais correto seria que ele abdicasse de um dos dois cargos", afirmou.
O professor de Direito Administrativo da Universidade Presbiteriana Mackenzie Bruno Boris tem a mesma avaliação do promotor em relação ao contrato firmado entre SPDM e governo estadual para prestação de serviços na Cracolândia.
"Se ele é coordenador da política anticrack do Estado, tem poder de decisão, assim como tem acesso a informações privilegiadas dentro do governo. Pode até configurar um tráfico de influência. Por ele estar dos dois lados, é difícil garantir que a escolha da entidade tenha sido a melhor opção para o poder público", disse Boris.
Seleção. O edital de convocação para entidades interessadas em administrar o hospital da Cracolândia foi lançado em novembro do ano passado. As entidades deveriam apresentar um plano operacional a ser desenvolvido na Unidade Recomeço Helvetia, que terá leitos para desintoxicação, moradias para dependentes químicos e centro de convivência, entre outros serviços, e será instalada em um prédio vazio no número 55 da via de mesmo nome, no coração da Cracolândia.
O hospital é uma das principais apostas da gestão Geraldo Alckmin (PSDB) para a região dominada pelo crack. Será a primeira unidade da capital a reunir vários estágios de tratamento para o dependente químico, modelo defendido por Laranjeira na área acadêmica. Professor titular da Unifesp, ele é reconhecido como um dos maiores especialistas em dependência química do País.
Atraso. A Unidade Recomeço Helvetia está com as obras atrasadas. A inauguração da primeira ala, um centro de convivência, foi prometida por Laranjeira para fevereiro, mas deve começar a funcionar somente no segundo semestre.
Já a parte hospitalar e as moradias para dependentes, esperadas para maio, deverão ser abertas somente no ano que vem, segundo os prazos firmados no contrato. O Estado foi anteontem ao local onde a unidade será criada e não encontrou nenhum operário. Segundo vigilantes, o prédio, de 11 andares, está vazio há meses e não há previsão para o início da reforma.
Usuário de crack, o mecânico Donizete Garcia de Matos, de 28 anos, afirma que uma nova unidade de saúde na Cracolândia ajudaria. "Quanto mais rápido eles abrissem, melhor. A gente teria mais opção de cuidar da saúde, tentar sair do vício."

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27/03/2014

O Transtorno do Vício em Internet

O Transtorno do Vício em Internet

vicio e internet
Por Breno Rosostolato*       

Vivemos a era da informática, das informações livres e da acessibilidade fácil e rápida a elas. As tecnologias se renovam, incessantemente, favorecendo e permitindo o contato das pessoas a todos os assuntos, a todos os lugares e a hora que quiserem. Esta é a internet, o mundo de possibilidades que se veio de fato para ficar e hoje o mundo não existiria sem ela. A internet é o sol no centro deste sistema globalizado que aquece a tudo e todos. Mas acontece que, como tudo nesta vida, a lei criacionista de “causa e efeito” sintetiza uma máxima: tudo que é demais enjoa. Enjoa, mas também adoece. 

Muitos problemas e dificuldades despontaram por conta do surgimento da internet. Problemas que nem ousarei enumerar, mas quando refletimos quais seriam eles, rapidamente identificamos. Admito que muitos já existiam e que a internet só acentuou sua gravidade. Me limitarei a um agravante que recebe pompas de transtorno, reconhecido pela Associação Americana de Psicólogos como uma dependência tão crônica quanto à de substâncias como álcool e cocaína, a Internet Addiction Disorder (Transtorno do Vício de Internet).

O problema afeta mais de 50 milhões de pessoas no mundo, segundo um recente estudo da Universidade La Salle, nos Estados Unidos. No Brasil, as pessoas que sofrem desta dependência chegam a 4,3 milhões. Estes números só tendem a crescer pela maior facilidade de acesso à web e pelo desenvolvimento de novas tecnologias. Acho oportuno mencionar que a nomofobia também é um transtorno relacionado a celulares, smartphones e tablets. Estes são os nomofóbicos. Pessoas que ficam angustiadas quando não podem usar o celular. A impossibilidade de se comunicar usando o celular é sufocante e angustiante. 

O transtorno é associado ao fato de falar a todo o momento com os outros ou por considerar o celular imprescindível para sua segurança, desperta também a necessidade de ficar conectado à internet.  Isso não só é uma realidade, que muitos buscam comprar aparelhos cada vez mais modernos que facilitem o acesso à internet. Os mercados de telefonia móvel, por sua vez, atentos a este movimento, lançam a cada ano modelos mais potentes, com novos recursos e aplicativos.

A preocupação se concentra nos jovens e nas crianças, sempre mais vulneráveis a este tipo de dependência, principalmente pelo surgimento cada vez maior dos jogos “online”. Este desprendimento ao mundo real é o perigo da dependência, que pode fazer com que a pessoa viva baseada na irrealidade. A internet proporciona um prazer imediato, uma satisfação rápida que leva a pessoa desejar repetir a sensação. 

Esta busca pelo prazer imediato é o propósito destes tempos contemporâneos, em que a sociedade é movida pelo prazer próprio e a satisfação de seus desejos. O mal-estar imposto pela realidade pode assim ser atenuada. Muitos não possuem a noção do preço pago para concretizar este desejo desenfreado. Negligenciam suas vidas em prol de uma sensação agradável, mas momentânea. O indivíduo vivencia uma série de experiências agradáveis que incluem desde a possibilidade de abstrair o tempo até um incrível sentimento de poder. Tudo isso a um toque na tecla ou no mouse e que rompe a frágil película do limite e acionando outras dimensões, a fantasia. A escravidão é o preço pago.

Outro ponto que contribui para o vício é a falsa ideia de que você pertence a um grupo. A possibilidade de interagir com todos ao mesmo tempo e até com pessoas de outros países fomenta a fantasia do ciberviciado. O anonimato é outro fator preponderante para que esta fantasia aumente. Se apresentar como quiser, subtraindo em parte ou totalmente o que não gosta em si mesmo, e assim, assumir a imagem que quiser, colocando as máscaras que achar conveniente e sustentar a história que for agradável à pessoa.

As consequências do Transtorno de Vício em Internet faz com que a pessoa aos poucos vá perdendo o interesse na vida e tudo se resuma ao uso da internet. O isolamento emocional e o contato interpessoal ficam prejudicados. A alienação é gradativa e a pessoa tende a ter dificuldades em interagir com o outro que não seja através da internet. Quem precisa usar a internet no trabalho, como instrumento para contatos e práticas profissionais não necessariamente possui a doença. 

O conflito é quando o sujeito começa a ficar inquieto, agitado e bastante incomodado em não ter condições de acessar a rede, o que causa muito sofrimento. Deixar de lado a responsabilidade do dia a dia para ficar conectado é um sintoma evidente da dependência. Carência, insegurança, vida solitária, dificuldade em lidar com frustrações, fobia social, baixa autoestima e depressão constituem o perfil de indivíduos mais propensos a desencadear o transtorno, pois encontra no mundo virtual amparo para o seus conflitos emocionais.

Existem alguns tratamentos que envolvem remédios e psicoterapia para diminuir o uso de internet. A proposta é fazer com que ela substitua a prática por coisas mais importantes na vida, modificando assim os valores do sujeito e aguçando o juízo crítico. Resgate o contato com o outro que não deve ser substituído pela máquina. Restituir as identificações sociais e uma maneira de reconstruir o afeto do sujeito, dando-lhe condições de se libertar desta dependência.

* Breno Rosostolato é psicólogo e professor da Faculdade Santa Marcelina - FASM



Retirado de: CANALTECH.COM


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16/03/2014

ONU: Brasil se tornou importante mercado de cocaína

ONU: Brasil se tornou importante mercado de cocaína

De acordo com o órgão, 1,75% dos brasileiros consomem a droga, prevalência muito maior do que a média mundial, que é de 0,4%

Cocaína: De acordo com a ONU, Brasil se consolidou como importante mercado da droga
Cocaína: De acordo com a ONU, Brasil se consolidou como importante mercado da droga (Thinkstock)
Nos últimos anos, o Brasil se consolidou não apenas como rota da cocaína dos Andes para a Europa como também passou a ser um mercado fundamental da droga. É o que mostra o Conselho Internacional de Controle de Narcóticos, entidade de Organização das Nações Unidas (ONU), em um relatório divulgado nesta terça-feira. 
De acordo com o órgão, em 2012, as maiores apreensões de cocaína no país ocorreram a partir de carregamentos da Bolívia, seguidos por Peru e Colômbia. A ONU também aponta que o Brasil apreendeu, no mesmo ano, um volume recorde de 339.000 tabletes de ecstasy, o equivalente a cerca de setenta quilos. Além disso, foram retidas 10.000 unidades de anfetamina e 65.000 unidades de alucinógenos, o maior volume desde 2007.
Dados da ONU divulgados no ano passado mostraram que a prevalência de consumo de cocaína entre brasileiros de 12 a 65 anos mais que dobrou de 2005 a 2011, passando de 0,7% para 1,75%. É uma taxa quatro vezes superior à média mundial registrada em 2011, de 0,4%, e maior do que a da América do Norte, de 1,5%.
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América do Sul — Ainda segundo o relatório da ONU, embora o consumo de cocaína tenha crescido no Brasil, foi constatada uma queda no cultivo da coca na América do Sul em 2012. No total, 133 000 hectares foram plantados, 13% menos do que em 2011. O Peru se consolidou como líder, com 45% do total, seguido por Colômbia e Bolívia, com 36% e 19%, respectivamente.
Segundo a ONU, a maconha continua sendo a droga mais consumida na América do Sul, por cerca de 14,9 milhões de pessoas. O número é 4,5 vezes o total dos usuários de cocaína. Uma vez mais o Brasil é destaque. "A prevalência do abuso de maconha aumentou significativamente na região nos últimos anos, em especial no Brasil", diz o informe.
No documento, a entidade também critica a liberalização do consumo de maconha no Uruguai e regiões dos Estados Unidos. "O Conselho nota com preocupação a baixa percepção de risco diante do consumo da maconha entre a população jovem em alguns países sul-americanos", indica, apontando para estudos que mostram que 60% dos jovens no Uruguai consideram o risco do uso baixo.
(Com Estadão Conteúdo)

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11/03/2014

Qat, a nova droga que desafia os proibicionistas

Qat, a nova droga que desafia os proibicionistas.

Natural do Iêmen (como o café), comprovadamente inofensiva, planta psicoativa chega à Europa, vencendo complexa logística. Haverá maturidade para encará-la sem preconceitos?
Por Roberto Cattani
qat.jpgDescobri o qat nos anos 1970, quando fui para o Iêmen, que era então um dos países mais isolados e desconhecidos do mundo, para entrar na Eritreia, em guerra com a Etiópia. Fiquei um mês lá, aguardando o momento certo para cruzar o Mar Vermelho e me juntar aos guerrilheiros da Frente Popular de Liberação da Eritréia (Fple). Deu tempo para conhecer os iemenitas, e os costumes do país. O mais marcante é o consumo do qat. Muitos iemenitas tinham (e ainda hoje têm) a bochecha direita ou esquerda deformada, flácida, de tanto guardar nela o bolo de folhas, para chupá-lo devagar, ao longo do dia, até a noite.
Para esses iemenitas, para os somalis, para os moradores de Djibuti (a estratégica ex-colônia francesa que controla a entrada e saída no Mar Vermelho), para uma parte dos etíopes e quenianos, o qat é exatamente o que a coca representa para os povos andinos.
É o vício cotidiano para os povos doa região chamada de Chifre da África, o que o café representa para os povos mais modernizados; é o estímulo absorvido, dia após dia, para enfrentar as dificuldades e os esforços da vida. Mas a dose de anfetamina natural contida na catha edulis é muito maior que em qualquer outra planta, incluindo a coca. Naquela época, fiquei me perguntando quando é que os grandes traficantes internacionais, sejam eles colombianos ou sicilianos (os cartéis mexicanos, hoje os mais poderosos do mundo, nem existiam então), iam descobrir o qat, e processá-lo quimicamente para extrair uma qataína, da mesma forma que a cocaína extraída da coca.
Agora parece que chegou a hora: o qat é o novo grande negócio, para os traficantes internacionais de entorpecentes, e até para os grupos terroristas que financiam suas atividades com as drogas, como al-Qaeda. Na Europa, hoje em dia, a diáspora somali e etíope representa um grande mercado já disponível, e cada vez mais europeus ficaram fisgados, depois de experimentar essa anfetamina natural, que aparentemente não apresenta nenhum tipo de contra-indicação e de sequela negativa, mesmo com o uso cotidiano e prolongado. Não é a qataína que eu estava imaginando (aparentemente, há problemas técnicos em extrair o princípio ativo do qat e transformá-lo numa substância de fácil assimilação). Mas ainda assim representa hoje, na Europa, um tráfico pouco inferior à cocaína e heroína, e maior que a maconha. Em 2013, foram sequestradas várias toneladas de folhas frescas nos aeroportos da Europa, para um valor comparável aos entorpecentes mais valorizados. E a tendência é aumentar a cada ano.
Os chineses tentaram ser os primeiros a reproduzir o princípio ativo do qat (qathinone), e chegaram a produzir uma substância química (mephedrone) bastante eficaz para dar um “barato” barato, mas a porcaria causou a morte de 26 pessoas durante as primeiras semanas de distribuição.
Os grandes traficantes de qat preferem limitar-se a distribuir as folhas frescas que, quando mastigadas, provocam um efeito considerado inigualável, pelos consumidores habituais (eu vomitei até as entranhas, quando experimentei pela primeira vez; mas depois, deu para apreciar).
O grande problema logístico do qat, ao contrário da coca, é que depois de 48 horas de colhido, ele perde todas suas propriedades estimulantes, que evaporam ao calor da África Oriental. Por isso, o transporte desde as plantações do Quênia e da Etiópia, onde é produzida a maior parte do qat exportado atualmente, precisa demorar menos de um dia, para chegar até os mercados de consumidores ávidos das folhas verdes. Quanto mais fresco, tanto mais eficaz e valioso. Isto quer dizer que quem tiver o sistema mais funcional e desenvolvido para levar os feixes de folhas desde as plantações, nas alturas do altiplano centro-africano, até os centros de distribuição europeus, controla um mercado de vários milhões de dólares por dia.
Uma mulher etíope muçulmana, mãe solteira de dez filhos, tornou-se, na última década, o maior chefão do tráfico de qat e, de quebra, a mulher mais rica e poderosa da África, segundo uma pesquisa da revista alemã Die Welt. Suhura Ismail Khan fundou em 1998, e dirige ainda hoje, a empresa “571”, que exporta 50 toneladas de qat por dia, com seus próprios aviões de carga de última geração. “Meus funcionários são seiscentos mas, entre cultivadores e revendedores, dou trabalho a vários milhares de pessoas, numa região onde não tem trabalho”, gosta de se gabar Suhura, que garante pessoalmente nunca ter experimentado o qat, apesar de trabalhar 14 horas por dia. Num país como a Etiópia, entre os mais pobres do mundo, a produção e comercialização deqat representa 17% do PIB, e a maior exportação nacional. Por contraste, no Iêmen, onde mais de 70% da população consome cotidianamente o qat desde a infância, a planta representa 11% do PIB, mas fica no consumo do mercado interno, e não é exportada - provavelmente por falta de organização e estruturas comerciais como a da “571”.
Por contraste, a máquina montada pela etíope Suhura é de uma eficácia impressionante. Todo dia, o ano todo, milhares de pequenos cultivadores entregam os feixes de folhas, valendo cada um entre 800 e 1.500 dólares, para centenas de transportadores e intermediários, cujas picapes francesas e japonesas fazem o difícil percurso das montanhas do Harar, na Etiópia, e do altiplano de Hargeysa, no Somaliland, onde o qat cresce melhor, até os portos e aeroportos de distribuição, de onde saem rumo à Grã-Bretanha e à Itália, os dois maiores mercados europeus. Para ir do Harar até Londres, percorrendo as precárias e sinuosas estradas de terra a 120 por hora até os jatos executivos, o qat demora menos de 16 horas para viajar 7 mil quilômetros, e chegar verde e fresquinho como exige o consumidor final.
Essa é a maior dificuldade que encontra al-Shebaab, a organização fundamentalista somali ligada à al-Qaeda, desde que há três anos decidiu entrar no comércio do qat para financiar suas atividades. Apesar de condenar o uso do qat por (discutíveis) razões religiosas, os fundamentalistas não veem nenhum problema em vender a substância (da mesma forma que os talibãs com ópio e heroína) para os não-muçulmanos. Mas eles não têm o know-how e a fachada limpa para montar uma rede de transporte e distribuição oficial, como no caso da “571”. Então, por um lado, operam com empresas de fachada em Nairóbi e Mogadíscio e, por outro lado, distribuem a droga, por meio de lanchas rápidas como aquelas dos piratas somalis, no litoral da Somália e do Iêmen e nos países do entorno, como Djibuti, Eritréia e Puntland. Com a vantagem de ampliar, ao mesmo tempo, o controle social e psíquico sobre parte da população da área.
qat é uma tradição milenar no Iêmen. Ainda que hoje em dia os fundamentalistas o condenem, desde os primeiros séculos do Islã os místicos das confrarias sufi adotaram a droga para ficar acordados a noite inteira para os ritos e a invocação. Nas dezenas de santuários da cidade sagrada de Harar, os ‘zikri’, as cerimônias místicas coletivas muçulmanas (às quais participam também frequentemente fiéis coptas), incentivam os participantes exaltados pelo efeito das folhas, mastigadas durante horas e horas, até o transe de união com Allah, e a exaustão física.
Contudo, está surgindo e se espalhando uma frente cívica modernizadora, de condenação da droga tradicional, no Iêmen e no Quênia. No país da península arábica (o mais pobre dos países árabes), em 2012 a jornalista iemenita Hind al-Eryani (expatriada no Líbano) lançou um “no-qat day”, iniciativa imediatamente apoiada por Tawakkul Karman, ativista também iemenita, prêmio Nobel da Paz de 2012, e por milhares de cidadãos (os poucos não viciados, aparentemente). O objetivo da campanha é proibir imediatamente o consumo nos edifícios públicos, para chegar a uma proibição total até 2033. Não seria uma medida popular: em 1972, uma tentativa análoga levou à renúncia do poderoso primeiro ministro corone,l Mohsen al-Aini, que quis tirar o poder das grandes famílias (pertencentes a outro grupo tribal) que controlam a produção e a distribuição do qat no Iêmen.
Já no Quênia, um dos países mais ricos e desenvolvidos do continente, o movimento anti-qat é liderado pelo advogado e ativista Abukar Awale, educado nos Estados Unidos (será só uma coincidência?). Awale obteve grande sucesso quando conseguiu convencer a ministra do Interior da Grã-Bretanha, a conservadora Theresa May, a banir e proibir oficialmente o qat, com o argumento dos riscos dos traficantes internacionais e organizações terroristas estarem por trás da importação. Isso, apesar do parecer favorável à substância de um grupo de pesquisadores -- nomeados pela própria May – que não encontrou nenhum argumento legal e científico para a proibição de uma substância não-prejudicial para a saúde e a sociedade.
Mas a pesquisa, aparentemente objetiva, visto o resultado, realizada pelos experts britânicos, levanta justamente a questão crucial: até agora, todas as análises médicas e estudos científicos mostram que o qat não é prejudicial à saúde, mesmo absorvido em grandes quantidades e por longos períodos, e é até benéfico, usado com moderação. Assim como poderia se dizer do café, do guaraná, e de outras substâncias moderadamente excitantes naturais.
Aliás, é curioso notar que a região de Mokka, no interior do Iêmen, é considerada a origem do café, assim como do qat. Uma compensação divina por ser o único país árabe onde nunca foi encontrado petróleo?
Então, por que condenar e banir uma substância e um costume que muitos povos consomem, como o resto do mundo faz com o café? Será mais um aspecto da típica imposição ocidental, tipo “o que eu faço está certo, o que os demais fazem está errado”? Ou ainda: “Meu cafezinho é apenas um hábito, esse costume deles de chupar folhas é um vício, que põe em risco a sociedade inteira”.
Entramos aqui na areia movediça do debate da legalização das drogas, “leves” ou “pesadas” que sejam (quem define o que, quais são os parâmetros?). O Uruguai atualizou o debate já antigo, mas novamente atual, entregando ao Estado o comércio da maconha. Alguns Estados dos EUA estão seguindo o mesmo caminho, com resultados promissores.
Voltando ao qat, que para muitos observadores científicos, nem entorpecente poderia ser considerado, não seria muito mais lógico e eficaz controlar de forma oficial e legal o sistema de distribuição, impedindo, desde a produção, que seja controlado e manipulado por organizações ilegais e até terroristas? Banir substâncias, usos e costumes que fazem parte enraizada da cultura dos povos é coisa de fundamentalistas, evangélicos e outros fanáticos modernizadores, moralistas e repressores. As sociedades tolerantes, positivas e maduras englobam e garantem, sem discriminação e sem demonização.
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Roberto Cattani é jornalista. Foi presidente da Associação de Correspondentes Estrangeiros em São Paulo


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08/03/2014

ONU sugere pela primeira vez a descriminalização do consumo de drogas

ONU sugere pela primeira vez a descriminalização do consumo de drogas


A ONU admite em um documento elaborado para uma reunião na próxima semana em Viena que os objetivos na luta mundial contra as drogas não foram cumpridos até agora e sugere pela primeira vez a descriminalização do consumo de entorpecentes.

"A descriminalização do consumo de drogas pode ser uma forma eficaz de 'descongestionar' as prisões, redistribuir recursos para atribuí-los ao tratamento e facilitar a reabilitação", afirma um relatório de 22 páginas do Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC), ao qual a Agência Efe teve acesso.
A UNODC não quis fazer comentários à Efe sobre o conteúdo do documento, mas várias fontes diplomáticas especializadas em política de drogas concordaram que é a primeira vez que o organismo menciona a descriminalização de forma aberta.

A descriminalização do consumo pessoal, já aplicado em alguns caso no Brasil e vários países europeus, supõe que o uso de drogas seja passível de sanções alternativas ao encarceramento, como multas ou tratamentos.

No caso específico do Uruguai foi legalizada a compra e venda e o cultivo de maconha, e estabelecida a criação de um ente estatal regulador da droga.

Em qualquer caso, a descriminalização não representa uma legalização nem o acesso liberado à droga, que segundo os tratados só pode ser usada para fins médicos e científicos, mas não recreativos. Portanto, o consumo seguiria sendo sancionável (com multas ou tratamentos obrigatórios), mas deixaria de ser um delito penal.

A UNODC assegura no relatório que "os tratados encorajam o recurso a alternativas à prisão" e ressalta que se deve considerar os consumidores de entorpecentes como "pacientes em tratamento" e não como "delinquentes".


Na próxima quinta-feira (13) em Viena, a comunidade internacional avaliará na Comissão de Entorpecentes da ONU a situação do problema das drogas e se foram cumpridos os objetivos pactuados em 2009 em um roteiro para uma década, quando em 2014 já se percorreu a metade do caminho.
Em 2009, os Estados da Comissão adotaram uma Declaração Política que previa que se "elimine ou reduza consideravelmente" a oferta e a demanda de drogas até o ano 2019, um ambicioso objetivo que por enquanto está longe de ser cumprido.

Para o debate deste ano, a UNODC elaborou este relatório, assinado por seu diretor executivo, o russo Yury Fedotov, no qual avalia a situação atual da luta contra as drogas.
O relatório aponta progressos "desiguais", mas reconhece que "a magnitude geral da demanda de drogas não mudou substancialmente em nível mundial", o que contrasta com os objetivos fixados em 2009.
Apesar de a UNODC ressaltar que o mercado da cocaína e o do cannabis se reduziram, reconhece que o aumento dos estimulantes sintéticos, mais difíceis de detectar, e a recente aparição de centenas de novos entorpecentes de última geração enfraquecem esses avanços.

A prevalência mundial do consumo de drogas continua assim "estável" em torno de 5% da população adulta, e as mortes anuais causadas por seu consumo se situam em 210 mil pessoas.

A UNODC admite as dificuldades para precisar as tendências globais das drogas pela carência de dados fidedignos sobre o narcotráfico, o dinheiro lavado dos entorpecentes e a fabricação de substâncias sintéticas, entre outros aspectos.
A queda do consumo de drogas nos países ricos se viu compensada com um aumento nos países em desenvolvimento, que não estão tão preparados nem têm recursos suficientes, lamenta a UNODC.

Também se indica que "o tráfico de drogas desencadeou uma onda de violência" na América Latina e que em "alguns países da América Central se registraram os índices de homicídio mais elevados do mundo, frequentemente com números de mortos superiores aos de alguns países afetados por conflitos armados".

Em seguida, se destaca que alguns líderes latino-americanos chamaram atenção para os enormes recursos que movimentam os narcotraficantes e solicitaram, segundo a UNODC, que "se examinem os enfoques atuais do problema mundial da droga".

O relatório assinala que "é importante reafirmar o espírito original dos tratados, que se centra na saúde. O propósito dos tratados não é travar uma 'guerra contra as drogas', mas proteger a 'saúde física e moral da humanidade'".

O documento insiste que a legislação internacional sobre drogas é flexível o bastante para aplicar outras políticas, mais centradas na saúde pública e menos na repressão.

No entanto, a UNODC adverte que menosprezar as leis internacionais contra as drogas piorará a situação, já que "um acesso não controlado às drogas" ajuda "o risco de um aumento considerável do consumo nocivo de entorpecentes".

Além disso, salienta a importância da prevenção e do tratamento, e ressalta que os direitos humanos devem ser respeitados sempre na hora de combater as drogas e critica a aplicação da pena de morte por delitos de tráfico ou consumo de entorpecentes.

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