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03/04/2013

República Tcheca liberará compra e uso de maconha para fins terapêuticos


República Tcheca liberará compra e uso de maconha para fins terapêuticos

Fonte: Terra



A República Tcheca será o primeiro país ex-comunista a permitir a venda de maconha com fins terapêuticos em farmácias, já que a mesma é usada no tratamento contra dores crônicas e anorexia, entre outros males.
"Não se trata de remédios preparados por atacado ou de forma clássica, como pílulas ou aerossóis, mas de maconha em forma de planta fêmea seca", explicou à Agência Efe Viktorie Plívová, porta-voz do Ministério da Saúde.
Apesar de a lei que permite a compra de maconha nas farmácias sob receita médica entrar em vigor já em abril, o desenvolvimento prático da legislação poderá atrasar a venda por vários meses, segundo avaliações de analistas.
Com essa nova legislação, o país centro-europeu engrossa a lista dos países da União Europeia (UE), entre eles Espanha, Áustria, Irlanda e Holanda, que permitem o uso e a compra da maconha para fins médicos.
Atualmente, o ministério da Saúde da República Tcheca trabalha em um regulamento para definir "os tipos de maconha que serão usados em fins terapêuticos - com conteúdos padronizados de canabinóides THC e CBD -, que serão receitados de acordo com a necessidade dos pacientes", acrescentou Viktorie.
Os canabinóides THC e CBD são segregados somente pelo cânhamo índico e são dotados de propriedades sedativas e analgésicas.
O regulamento também estabelecerá o sistema de cultivo e supervisão, para evitar que as plantas acabem no mercado negro, e ainda implantará um sistema de receita eletrônica que também poderá ser acessado pela polícia. Neste caso, a ideia é evitar abusos e, principalmente, desvios.
O processo legislativo para aprovar o uso terapêutico da maconha começou em fevereiro de 2012, quando um grupo de deputados pediu ao governo mandar ao Parlamento uma proposta de lei, e foi concluído com uma ratificação presidencial um ano depois.
Durante este período houve um consenso entre os médicos do país centro-europeu sobre a necessidade e a eficácia do uso maconha para combater males como dores crônicas, a magreza extrema produzida pelo avanço de doenças psicológicas e polineuropatias em pacientes com aids.
Os analistas também destacaram as virtudes dessa substância como paliativo para aqueles que sofrem de tumores cancerígenos e como atenuante de dores neuropáticas, entre outros.
"O uso terapêutico da maconha será recomendado para aqueles pacientes que demonstraram ter reagido positivamente", afirmou porta-voz do Ministério da Saúde, que citou o exemplo dos que sofrem do chamado estado espástico no caso de esclerose múltipla.
Apesar do avanço da lei, as autoridades ainda não informaram sobre a quantidade máxima de maconha que cada paciente poderá adquirir e, inclusive, se o seguro médico cobrirá os custos deste tratamento.
A seção tcheca da Associação Internacional para estudo da Dor considera que "esta lei é correta", explicou seu presidente, Richard Rokyta, à Agência Efe.
"Está comprovado que os canabinóides têm efeitos positivos no tratamento de esclerose múltipla cerebrospinal e contra dores crônicas, enquanto, por outro lado, não está comprovada sua eficácia no caso do Parkinson", acrescentou.
"Outro problema que existe neste caso é que os remédios preparados que podem ser importados geralmente são muito caros e inacessíveis para grande parte das pessoas que sofrem destas doenças. Sendo assim, o uso de um medicamento mais acessível se mostra necessário", declarou Rokyta.
Alguns farmacêuticos consideram que a aplicação prática da lei - a venda de maconha em seus estabelecimentos - ainda demorará a entrar em vigor porque a legislação ainda está sendo desenvolvida.
"Estão estudando como os seguros de saúde vão financiar esse tratamento, se os consumidores terão de pagar algum tipo de taxa e, principalmente, a quantidade que poderá ser consumida em um mês", apontou Jana Hladikova, uma farmacêutica que teme que a maconha seja tão cara quanto os remédios, o que, segundo ela, poderia fortalecer o tráfico.
A aprovação do uso terapêutico da maconha é o último passo de uma política liberal tcheca em matéria de drogas, que, em 2010, já descriminalizou a posse de pequenas quantidades de entorpecentes, que passou a ser penalizada com multas administrativas.
"A emenda ao código penal reduziu as sanções penais na esfera de posse e cultivo de maconha", assegurou à Agência Efe Barbora Kudlácková, porta-voz de uma unidade policial que luta contra as drogas.
"Damos boas-vindas à nova lei porque permite aproveitar o potencial terapêutico da maconha", comentou a porta-voz policial, que também advertiu: "O cultivo privado está absolutamente excluído. O uso terapêutico da maconha será acessível somente aos pacientes mediante a apresentação da receita médica".


Para ver o link completo, clique aqui.

25/03/2013

Polícia do RS fecha laboratório que fabricava nova droga para raves.

Polícia do RS fecha laboratório que fabricava nova droga para ravesG1- Produto ilegal, chamado de 'Sucesso', é distribuído em festas rave. Segundo a polícia, ela é considerada um subproduto do lança-perfume.
Botijões de gás e frascos da droga foram apreendidos no laboratório (Foto: Divulgação/Polícia Civil)
Agentes do Departamento Estadual do Narcotráfico (Denarc), da Polícia Civil, fecharam um laboratório de drogas sintéticas neste domingo (24) em Viamão , na Região Metropolitana de Porto Alegre. No local, os policiais descobriram a produção de uma nova droga, chamada de “Sucesso” e considerada um subproduto do lança-perfume. De acordo com a polícia, a droga causa dependência química, danos cerebrais e pulmonares.
Segundo o delegado Rodrigo Zucco, que coordenou a operação, a mercadoria seria vendida em uma festa rave marcada para o dia 30 de março. Um suspeito de 28 anos foi preso com cerca de R$ 2,5 mil em dinheiro. Ele foi encaminhado ao Presídio Central.
No laboratório, a polícia apreendeu quatro botijões de gás e mais de 100 frascos que armazenavam o produto. Para produzir o “Sucesso”, traficantes utilizavam essências de hortelã, maracujá, morango e baunilha. A substância ainda não consta como droga na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas a inclusão já foi solicitada pela Polícia Civil gaúcha.

Para ver o artigo no site do G1, clique aqui.

23/03/2013

O cafezinho nosso de cada dia é uma droga.


O cafezinho nosso de cada dia é uma droga.

Tarso Araujo ( BLOG DA REVISTA GALILEU )

É engraçado como as pessoas ainda se surpreendem com o fato de o café ser uma droga. Desde ao ano passado, quando lancei o Almanaque das Drogas, eu me divirto vendo as pessoas virarem uma, duas páginas e tomarem um susto quando veem a primeira foto. Com esse título, elas ficam esperando ver uma seringa, uma carreira de pó, um cigarro de maconha, mas aí vem… uma xícara de café quente? “Ué, mas cafezinho é droga?”. Pois é.
Cafeína e cocaína, por exemplo, são muito parecidas. A principal diferença entre a “onda” das duas é a potência. Claro que isso é uma diferença muito importante, mas não é o suficiente para guardá-las em categorias diferentes. A duas moléculas são pequeninas, capazes de atravessar uma sofisticada barreira de proteção que nosso cérebro tem, e de se encaixar em “fechaduras” nos nossos neurônios. Cada uma abre uma porta diferente, mas no final as duas chaves deixam você em alerta. São drogas estimulantes.
A gente chama de “psicoativas” ou “psicotrópicas” as essas substâncias que são capazes de abrir essas “portas” no nosso cérebro. O café faz isso – e você que toma um cafezinho para despertar de manhã, para não ter sono depois do almoço ou para estudar até mais tarde sabe muito bem disso.
As pessoas usam café para ficarem “ligadas”, porque reconhecem o poder psicoativo da bebida e tiram proveito dele. Do mesmo jeito que algumas pessoas bebem álcool para lidar com sua timidez numa festa, como os caminhoneiros usam anfetaminas para aguentar mais quilômetros na estrada e os estressados que tomam rivotril para dormir.
O café é uma droga. E isso não é necessariamente mal, porque droga não é só aquilo que é perigoso para nossa saúde. Nosso próprio cafezinho serve de exemplo. Veja só:
-  Homens que bebem 3 a 4 doses de café por dia têm até 5 vezes menos chances de ter doença de Parkinson. Em mulheres esse efeito é menor, mas também existe, desde que elas não façam tratamento hormonal.
-  A cafeína e antioxidantes do café protegem o cérebro dos sintomas do Mal de Alzheimer, embora ainda não se saiba ao certo o porque nem o quanto.
-  Beber 240 ml de café por dia diminui o risco de pedras nos rins em cerca de 10%.
-  Quem bebe 6 xícaras por dia tem menos chance de desenvolver diabetes do tipo II, mas o efeito protetor parece valer mesmo com doses menores.
-  Café protege o fígado e reduz a incidência de cirrose, inclusive alcoólica.
Esses benefícios não são papo de vendedor de café, mas observações de dezenas de pesquisas, reunidas nesse artigo de revisão de 2009. Em geral, se você não beber mais de 500 mg de cafeína por dia – ou cinco xícaras de café expresso – a chance de ter problemas de saúde é irrisória.
E o café não é uma exceção, porque ele não é a única droga capaz de fazer algum tipo de bem ou que possa até mesmo ser usada como remédio. Se você conseguir beber apenas uma taça de vinho ou um copo de cerveja todo dia durante as refeições, a saúde do seu coração pode melhorar, sem efeitos colaterais negativos. A morfina é uma das drogas mais fatais que existem, quando usada do modo errado, mas uma droga indispensável em qualquer pronto socorro, para o alívio de dores fortes.
Outro exemplo importante é o da maconha: ela tem uma série de propriedades terapêuticas reconhecidas há séculos e comprovadas pela medicinal ocidental nas últimas décadas. Ela ajuda a aliviar dores crônicas, sintomas de esclerose múltipla, além de ser um remédio melhor que os sintéticos no tratamento de náuseas, enjoo e falta de apetite em pacientes de quimioterapia (veja no final).
Muita gente acha isso estranho porque “maconha e morfina são proibidas. E são proibidas porque fazem mal”. Mentira, não se deixe enganar. O que define se uma substância é droga ou não tem a ver com o fato de ela ser ilegal ou não. A lista de substâncias proibidas que se usa hoje nasceu em 1961, com uma convenção da ONU.
Naquela época, já se sabia que o álcool é uma importante causa de doença mentais, câncer e doenças mentais, além de provocar comportamento violento em muitas pessoas. Também já se sabia que o cigarro causava câncer de pulmão. E nunca nem se cogitou que essas duas drogas entrassem na lista. E alguém duvida que álcool e nicotina sejam drogas?
Veja como o critério “é proibido” é tão inútil para definir o que é droga quanto o “faz mal”.
Aliás, voltando ao cafezinho, lembra que até ele pode fazer mal, se você passar daquelas cinco xícaras por dia. A azia é o sintoma mais comum, porque o café aumenta acidez e refluxo gástrico – e descafeinado não resolve. O exagero também aumenta a chance de enfarto e outros problemas cardíacos, especialmente em pessoas obesas, hipertensas ou fumantes.
E se você comprar cafeína em pó, purificada a partir do café como o pó de cocaína é extraído da folha de coca, pode até morrer de overdose. Foi o que aconteceu com um adolescente britânico desinformado, que tomou duas colheradas do “energético” e teve uma parada cardíaca.
Esse caso bizarro deixa bem claro como o mal não está na droga em si, mas no uso que se faz dela. “Todas as cosias são veneno e não há nada sem veneno. A dose é que o faz o veneno”, escreveu o suíço Paracelso, pai da toxicologia, no longínquo século 16. Não é exagero. Até a insípida, incolor e inodora água pura pode matar se você exagerar.
A gente está acostumado a chamar de droga aquilo que faz mal e/ou é proibido. Mas esses exemplos mostram como essa visão é, na verdade, consequência de anos de desconhecimento, preconceito e doutrina moral e religiosa. É uma lavagem cerebral longa e muito eficiente, embora falha.
O tom pejorativo que se usa ao falar em “droga” é tão presente e tradicional que o termo já virou até sinônimo de “coisa ruim ou sem valor” no dicionário. Poxa, o cafezinho do boteco aqui na esquina é mesmo uma coisa ruim, mas tem o seu valor!
A brincadeira necessária não é tanto dizer o que é droga ou não, e muito menos qual é proibida ou não – como os governos estão sempre fazendo, sempre em vão. O importante é ficar atento ao modo como a gente usa e abusa do termo fazendo associações preconceituosas, construindo lógicas furadas e raciocínios contraditórios quando falamos de café ou crack, de álcool ou de cocaína. Fazemos tudo isso sem perceber.
Uma vez entrevistei um defensor público que defendia penas criminais para usuários de drogas, porque elas são um “grande problema social”. Então fiz uma pergunta e ele respondeu. “Eu não uso drogas, mas gosto de beber uísque.” Álcool não é droga, doutor? Álcool não é um grande problema social? Aquele mendigo que me pede um troco para o pão, que perdeu família, emprego e teto por causa da bebida é uma exceção? Bem, é claro que o defensor não queria proibir o álcool ou punir quem bebe álcool e fica na sua.
Dois pesos, duas medidas. Falar e pensar sobre drogas assim, diferenciá-las pelo fato de serem lícitas ou não, socialmente aceitas ou não, é uma tremenda fábrica de injustiças.
Sugiro um exercício. Da próxima vez que você beber aquele seu cafezinho sagrado da manhã ou de depois do almoço lembre que você está usando droga. Talvez isso o ajude a ver todo o mundo de outro modo. Vai ser uma viagem, e você não vai nem precisar tomar uma droga para isso.
* * *
Aqui vão os links de algumas histórias em que você talvez não tenha acreditado:
- A história do cara que morreu de overdose de cafeína em 2010. Já tinha  acontecido em 2002, também. Quantas vezes aconteceram sem a gente saber? Esse aqui quase se deu male nem precisou de cafeína em pó – oito latinhas de Red Bull já foi um exagero.
- Uma parte dos que morrem depois de usar ecstasy morrem, na verdade, de overdose de água, achando que precisam de litros d’água para evitar a desidratação. Lea Beth bebeu sete litros em 90 minutos e entrou em coma. Mas isso acontece até com quem faz dieta. Tem até um verbete na Wikipedia em inglês para a intoxicação por água.
- E você pode ver informações mais detalhadas sobre a eficácia da maconha medicinal na página 316 do Almanaque das Drogas ou na página 12 da monografia sobre maconha publicada em 2008 pelo Observatório Europeu de Drogas, disponível aqui.

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21/03/2013

Na contramão da internação compulsória


Na contramão da internação compulsória

Um dos assuntos mais em pauta na sociedade atualmente diz respeito à internação compulsória dos usuários de crack que vem ocorrendo nos grandes centros urbanos. Mas isso,  ao rigor da lei, não é permitido. Aliás, existe diferença entre internação compulsória e involuntária. Para esclarecer melhor tais questões, o Informe ENSPentrevistou o presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/ENSP) e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública, Paulo Amarante.

Em um bate-papo franco, o pesquisador diz apoiar a visão da juíza Maria Lúcia Karam em prol da liberação de todas as drogas, entendendo que isso não acarretará aumento do número de usuários. Ele fala, ainda, sobre o polêmico Projeto de Lei do deputado Osmar Terra, que estabelece a internação compulsória para desintoxicação e o credenciamento de comunidades terapêuticas no âmbito do Ministério da Saúde, e defende a ampliação do papel dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) para combater o que chama de retrocesso do processo de reforma psiquiátrica no país.

Informe ENSP: Hoje em dia, um dos grandes debates com relação às drogas é a questão da internação compulsória e internação voluntária. Qual é a real diferença entre elas?

Paulo Amarante: O debate começou a aparecer com a denominação internação compulsória. Houve várias críticas a isso, porque internação compulsória é regulamentada pelo Código Penal. É uma internação determinada por um juiz. A pessoa não tem de ser levada por família ou por ninguém. Basicamente, a internação compulsória é voltada para a pessoa que cometeu um crime ou delito, ou que está prestes a cometer algo do gênero, quando há uma ameaça visível para a sociedade. Ao ser detida por uma autoridade, existe a suspeita ou argumentação da parte de alguém de que se trata de uma pessoa com transtorno mental. O delegado encaminha para o juiz um caso desse tipo, porque uma pessoa com transtorno mental, a rigor, não pode ser presa, o que ocorre de forma provisória. É, então, solicitado ao juiz que faça um pedido de avaliação pericial a fim de certificar-se de que a pessoa tem transtorno mental, e se o ato cometido ou por cometer tem a ver com o delito. O perito psiquiátrico, credenciado pelo sistema Judiciário, pode dizer se a pessoa tem ou não quadro de transtorno mental, mas que o crime pode não ter nada a ver com isso. Ele determina o tipo de tratamento, que pode ser uma medida de segurança restritiva ou punitiva.
 

Se o crime for violento ou contra a vida, o perito poderá determinar uma medida de segurança com internação em algum Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), que eram os antigos manicômios judiciários. Ou determina uma medida punitiva com tratamento em regime aberto, por exemplo, quando a pessoa trabalha em alguma comunidade ou Centro de Atenção Psicossocial (Caps).

Sendo assim, a internação compulsória é aquela determinada pelo juiz a partir de um caso específico de crime cometido ou por ser cometido.

Genericamente, tanto as autoridades de São Paulo como do Rio de Janeiro falavam a respeito da internação compulsória de forma inadequada. Várias pessoas do campo da psiquiatria e do campo jurídico disseram que a utilização do termo estava sendo equivocada. Não se pode pegar uma leva de pessoas na rua e carregar para uma instituição psiquiátrica. Isso é, no mínimo, um ato policial, e não jurídico.

Informe ENSP: Então, o que realmente está acontecendo nas cidades, em particular com relação às drogas, não é internação compulsória?

Paulo Amarante: O que está sendo feito não é a compulsória, mas também não pode ser chamada internação involuntária. Essa modalidade é feita a partir de um familiar ou uma autoridade, que solicita tratamento para alguém que esteja incomodando a ordem pública. Essa pessoa é recolhida contra sua vontade e, caso não tenha condição de discernimento do tratamento, outra pessoa pode assinar por ela.

O que está acontecendo aqui é uma internação involuntária coletiva, e até mesmo sem um critério mais específico de avaliação psiquiátrica, em prontos-socorros. Agora, as autoridades pararam de usar o termo internação compulsória para falar de involuntária, porque teriam mais autonomia de atuar sem necessidade de um juiz.

Um médico pode fazer a internação involuntária, porque ele tem o poder de analisar caso a caso, escolher o melhor tratamento, e há um familiar que requisitou essa ajuda.

Informe ENSP: O que a comunidade psiquiátrica pensa com relação a essas internações de usuários de crack? O que está sendo feito atualmente não é solução.

Paulo Amarante: Como a gente tem esse papel de formador de opinião, venho tentando fazer uma discussão sobre a determinação social da questão. Por que, de repente, há mais vagabundos, mais criminosos, mais drogados nas ruas? Precisamos fazer uma análise mais profunda a respeito do que está ocorrendo. A questão do crack, ou das drogas, em geral, é um indicador social de que algo está mudando.

Por exemplo: Uma pessoa está com dengue; o médico de família está cuidando dela e averiguando se há mais casos da doença em uma comunidade. Esse médico pode tratar cada pessoa individualmente, mas percebe que há um foco de contaminação na região e solicita outro tipo de atenção. E isso precisa ser pensando para as drogas.

Informe ENSP: Então, o crack é um problema de saúde pública.

Paulo Amarante: Não só da saúde pública como de organização social, que vai desde toda a estrutura de desorganização das relações do trabalho, de aumento de desemprego, de trabalho informal, de domínio desse mercado informal de trabalho por grupos, gangues ou milícias. A estrutura da família também vem mudando ao longo dos anos. As mulheres, antigas cuidadoras do lar, cada vez mais trabalham fora e cuidam menos do lar; e, na questão de gênero, temos o pai, que não assume seu papel. Além disso, a estrutura das escolas, que não está mais adequada. Há uma série de aspectos, e não podemos só atribuir às pessoas o consumo de drogas. O Estado tem de pensar nisso.

Por outro lado, há a questão da importância da economia do tráfico. Hoje, é uma ingenuidade não saber que a grande lavagem de dinheiro, o grande capital envolvido em tudo isso, está ligado ao tráfico humano, de armas e outras coisas mais. É uma economia impulsionadora de várias iniciativas, não é mais só o pequeno vendedor. É um mercado que está em expansão, pegando cada vez mais trabalhadores jovens para atuar nele, com ofertas mais imediatas de crescimento.

Informe ENSP: Temos também a questão do pequeno usuário de drogas, que se torna um pequeno traficante para os que estão em seu meio. Ele, então, acaba por encontrar aí uma forma de renda.

Paulo Amarante: Exatamente. Há uma mudança de papel econômico e sociológico. No campo mais direcionado à saúde mental, temos uma desestruturalização da rede. Desde a aprovação da Lei 10.216, da reforma psiquiátrica em 2001, a grande maioria dos profissionais não a conhece. Como professor, dando aulas no Brasil inteiro, apresento a Lei para alunos que nunca a tinham lido. Muita gente não sabe o que ela representa no campo da transformação de um modelo de assistência, das práticas de saúde etc.

O desinvestimento em uma cidade como o Rio de Janeiro é horrível. Temos hoje 12 Caps funcionando. Atendendo 24 horas, apenas um. Esse desinvestimento reflete a ideia das políticas neoliberais de enxugamento do Estado, com a famigerada Lei de Responsabilidade Fiscal que não se pode contratar; quando contrata, há enorme precarização do trabalho.

Comumente, como já mencionei, essa precarização do trabalho causa uma reserva de pessoas desesperadas por alguma possibilidade, em busca de renda e de melhoria de vida, como também gera um mercado profissional muito desqualificado e instável.

Temos então uma estrutura precaríssima tanto para cuidar de pacientes com transtornos mentais em geral, como para álcool e drogas. Não tínhamos quase nada no Estado do Rio de Janeiro, apenas dois ou três serviços universitários fazendo atendimento muito pontual. E não tínhamos uma rede. O papel se repete no Brasil inteiro. Agora que a questão aparece, existe uma pressa em dizer que os serviços existentes não funcionam; outro agravante é a criação de um mercado privado, paralelo à política pública, com recursos públicos, que é o das comunidades terapêuticas.

Informe ENSP: A ampliação do papel das comunidades terapêuticas faz parte do polêmico Projeto de Lei em tramitação na Câmara dos Deputados. Ele pretende, entre outras coisas, criar um cadastro de usuários de drogas no país, de autoriado deputado Osmar Terra (PMDB-RS), correto? Mas os Caps existentes não poderiam ser utilizados para isso?

Paulo Amarante: Essa ampliação das comunidades terapêuticas é resultado da entrada dos interesses de igrejas, fundamentalmente evangélicas, e de todo o lobby evangélico existente na Câmara, que acabou virando outro grande mercado, isto é, a fé e a religião, totalmente desregulado.

Por trás desse ‘movimento de higienização’, como falei, há uma precarização da sociedade como um todo. Por outro lado, uma política de redefinição do espaço urbano. A Copa e os Jogos Olímpicos são apenas pretextos para as autoridades fazerem o que estão fazendo. O que está havendo é a concentração maior de renda, e um dos mercados mais promissores é o imobiliário. Em algumas cidades, como SP ou RJ, existe um projeto urbanístico de revitalização dos espaços urbanos, com grandes investimentos no mercado imobiliário.  E é necessário que seja feita a ‘reforma Pereira Passos’, como foi o caso do Rio de Janeiro na época de Oswaldo Cruz, no início do século XX, com a retirada das pessoas do Centro da cidade. Foi quando nasceram as favelas e, hoje em dia, se repete com a criação das comunidades terapêuticas.

A questão do crack, das drogas em si e da internação involuntária está em contexto muito ampliado. No nosso nível de competência, se podemos dizer, é necessário que se invista mais em uma rede de serviços que se mostram competentes. A Helena Furtado esteve em 2012 aqui, no curso de especialização em Saúde Mental, e falou sobre a experiência de São Bernardo. Existe sim a possibilidade de utilizarmos os Caps, com atendimento para álcool e drogas 24 horas, com internação em situação de crise, as pessoas sendo tratadas, sem a necessidade de um modelo que entende como solução a internação integral, involuntária, por meses, como se isso fosse incutir nas pessoas o desejo de se tratar.

Temos demonstrado que, às vezes, é mais eficaz o tratamento voluntário, quando a pessoa é convencida a se tratar e cria uma relação de confiança e vínculo, do que outros tipos de internações. A pesquisa que o professor Dartiu Xavier faz na Unifesp mostra que as pessoas que saem dessas internações involuntárias, compulsórias e obrigatórias voltam direto para as drogas.

Outra questão do nosso nível de competência que fazemos é a crítica às instituições totalitárias. O sociólogo francês Robert Castel, que trabalha nessa linha de globalização, do neoliberalismo no mundo e teve importância fundamental no campo da saúde mental, em seu livro A metamorfose da questão social – um dos mais importantes para pensar esse capitalismo pós-moderno –, ressalta a questão das instituições totalitárias. Imagina o que é a estrutura de uma instituição que vai cuidar de 20, 30, 100, 1.000 pessoas recolhidas compulsoriamente, impossibilitadas de sair? Imagina o nível de violência para coagir as pessoas a se manterem nessas instituições?

O Conselho Federal de Psicologia fez uma pesquisa em 2012 sobre as comunidades terapêuticas, e todas tinham graves violações de direitos humanos.

Informe ENSP: Então, os direitos humanos nessas instituições são praticamente nulos?

Paulo Amarante: Nessas comunidades, foram encontradas pessoas enterradas até o pescoço, que eram obrigadas a carregar pedras e serem acordadas de madrugada para tomar banho frio, criando uma mistura de prática religiosa de purificação e exorcismo com a prática de terapia cognitiva comportamental de choque, gerando medo nelas.

Informe ENSP: Tudo isso vai contra o trabalho que vem sendo feito nos últimos 25, 30 anos no Brasil em prol da reforma psiquiátrica.

Paulo Amarante: Tudo o que nós, no Brasil, lutamos contra, não só no campo da saúde mental, mas também na questão dos direitos humanos, da cidadania. A ascensão do pastor Marco Feliciano à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados é um aspecto que toda a sociedade brasileira deveria reagir com muita indignação e resistência e não aceitar. Este é um sinal de que algo muito profundo está mudando, de toda luta nossa pela democratização, pela Constituição.

Informe ENSP: Com todo esse panorama, você acredita que a legalização das drogas é uma solução?

Paulo Amarante: Eu compartilho da visão da juíza Maria Lúcia Karam,  integrante da Associação Juízes para a Democracia, que afirma que, para liberar, tem de liberar todas as drogas. Não dá para liberar uma e não a outra. Só que a legalização é o princípio, princípio este que compreende que existe menos prejuízo para a sociedade que legaliza do que para aquela que não legaliza. Isso porque a ilegalidade leva ao domínio do mercado pelo tráfico. O tráfico implica outros interesses e maior violência para a sociedade, com poder financeiro utilizado em outros campos. Isso sem falar da utilização também no mercado do tráfico de trabalhadores, que é muito mais prejudicial, porque são pessoas que se expõem ao risco muito maior de deteriorização da vida.

O assunto é muito difícil e complexo; porém, a legalização é o princípio que criaria menos problemas. Com ela, seria possível ter regulamentação de produção, de garantir níveis de ‘qualidade’ dos produtos. Hoje em dia, temos drogas misturadas aos produtos mais tóxicos possíveis, como querosene, por exemplo.

É um cinismo falar que a legalização da maconha irá causar o aumento dos usuários. Com a liberação, seria possível haver salas de uso seguro, a pessoa não precisaria se esconder e se submeter a situações de risco para comprar as drogas. Isso não significa que teremos mais dependentes químicos. A proibição nunca diminuiu o número de usuários, pelo contrário. Criou um mercado e estratégias para chegar ao usuário. Não existe nenhuma instituição onde não entre a droga, seja ela psiquiátrica, penitenciária, educacional.

Informe ENSP: Voltando ao Projeto de Lei de autoria do deputado Osmar Terra, um dos pontos é a criação de um cadastro do usuário de drogas. Qual é sua opinião sobre isso? 

Paulo Amarante: Esse projeto do Osmar Terra é muito surpreendente, porque ele foi um militante do movimento da reforma sanitária, integrante do quadro formulador das políticas do SUS. Então, eu vejo esse projeto como um retrocesso, porque é de maior criminalização, e, quanto maior a criminalização, a estigmatização, piores são os resultados e pior o envolvimento dos usuários em tratamentos, o que aumenta ainda mais a barreira da ideia do drogado como pessoa indesejada e inimiga pública da sociedade. Essa pessoa é alguém que queremos tratar e cuidar. Eu entendo como retrocesso. Hoje, está havendo uma grande mobilização, e a própria Abrasme está envolvida contra isso.

Eu acredito que esse projeto acabe passando na Câmara, principalmente por conta do lobby do mercado evangélico, e isso nos faz pensar nas alianças políticas e que tipos de projetos possam acabar passando no país. Veremos muitos retrocessos na questão dos direitos humanos.

Esse mesmo presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados tem posição homofóbica. Hoje, existe a tendência das igrejas evangélicas em tratar o homossexualismo como uma doença, para depois começar a ocorrer a internação compulsória ou involuntária, ou qualquer coisa, já que é uma doença que a pessoa perde sua capacidade de discernimento. Temos muitos outros riscos e estamos partindo para um quadro muito assustador para o país.


Artigo retirado de: Escola Nacional de saúde pública Sérgio Arouca

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20/03/2013

Você consegue viver sem drogas legais?

Você consegue viver sem drogas legais?



Como Pedro descobriu que tinha se tornado uma “máquina humana” – ou um “bombado psíquico”. E como sua história fala do nosso tempo e de muitos de nós


Retirado de: Revista Época
ELIANE BRUM


Pedro – o nome é fictício porque ele não quer ser identificado – é um cara por volta dos 40 anos que adora o seu trabalho e é reconhecido pelo que faz. É casado com uma mulher que ama e admira, com quem tem afinidade e longas conversas. Juntando os fundos de garantia e algumas economias os dois compraram um apartamento anos atrás e o quitaram em menos de um ano. Este é o segundo casamento dele, e a convivência com os dois filhos do primeiro é constante e marcada pelo afeto. 

Ao contrário da regra nesses casos, a relação com a ex-mulher é amigável. Pedro tem vários bons amigos, o que é mais do que um homem pode desejar, acha ele, porque encontrar um ou dois bons amigos na vida já seria o bastante, e ele encontrou pelo menos uns dez com quem sabe que pode contar na hora do aperto. A vida para Pedro faz todo sentido porque ele criou um sentido para ela. 

Ótimo. Ele poderia ser personagem de uma daquelas matérias sobre sucesso, felicidade e bem-estar. Mas há algo estranho acontecendo. Algo que pelo menos Pedro estranha. Há dois anos, Pedro toma Lexapro (um antidepressivo), Rivotril (um ansiolítico, tranquilizante) e Stilnox (um hipnótico, indutor de sono). Dou os nomes dos remédios porque os psicofármacos andam tão populares que se fala deles como de marcas de geleia ou tipos de pão. E o fato de nomes tão esquisitos estarem na boca de todos quer dizer alguma coisa sobre o nosso tempo.

Pedro conta que a primeira vez que tomou antidepressivo, anos atrás, foi ao perder uma pessoa da família. A dor da perda o paralisou. Ele não conseguia mais trabalhar. Queria ficar quieto, em casa, de preferência sem falar com ninguém. Nem com a sua mulher e com os filhos ele queria conversar. Pedro só queria ficar “para dentro”. E, quando saía de casa, sentia um medo irracional de que algo poderia acontecer com ele, como um acidente de carro ou um assalto ou ser atingido por uma bala perdida. Ele mesmo pediu indicação de um bom psiquiatra a uma amiga que trabalha na área. Pedro sentia que estava afundando, mas temia cair na mão de algum charlatão do tipo que receita psicofármacos como se fossem aspirinas e acredita que tudo que é do humano é uma mera disfunção química do cérebro.

O psiquiatra era sério e competente. Ele disse a Pedro não acreditar que ele fosse um depressivo ou que tivesse síndrome do pânico, apenas estava em um momento de luto. Precisava de tempo para sofrer, elaborar a perda e dar um lugar a ela. Receitou um antidepressivo a Pedro para ajudá-lo a sair da paralisia porque o paciente repetia que precisava trabalhar. A licença em caso de luto – dois (!!!!) dias, segundo a legislação trabalhista – já tinha sido estendida por um chefe compreensivo. Por Pedro ser muito bom no que faz recebera o privilégio de duas semanas de folga para se recuperar da perda de uma das pessoas mais importantes da vida dele. Pedro não queria “fracassar” nessa volta. E não “fracassou”. Com a ajuda do antidepressivo, depois de algumas semanas ele voltou a produzir com a mesma qualidade de antes. Três meses depois da morte de quem amava, ele já voltara a ser o profissional brilhante.

Pedro tomou o antidepressivo por cerca de um ano, com acompanhamento rigoroso e consultas mensais. Como não agradava nem a ele nem era o estilo do psiquiatra que escolheu, pediu para parar de tomar o remédio. O psiquiatra concordou, e Pedro foi diminuindo a dose da medicação até cessar por completo. Tocou a vida por mais ou menos um ano e meio.

Neste intercurso, ele se tornou ainda mais criativo. Aumentou o número de horas de trabalho, que já eram muitas, porque se sentia muito potente. Pedro multiplicou o seu sucesso, que sempre foi medido por ele não pela quantidade de dinheiro, mas de paixão. E achava que tudo estava maravilhoso até começar a ter insônia. Pedro dormia e acordava, sobressaltado. Sem conseguir voltar a dormir, pensamentos terríveis passavam pela sua cabeça. Pedro pensava que perderia todo o seu sucesso, a sua possibilidade de fazer as coisas que acreditava e às vezes temia morrer de repente. As noites de Pedro passaram a ser povoadas por catástrofes imaginárias, mas bem reais para ele. E, toda vez que saía de casa pela manhã, voltara a ter medo de ser atingido por alguma fatalidade, por algo que estaria sempre fora do seu controle.

Algumas semanas depois do início da insônia, Pedro paralisou de novo. Não conseguia trabalhar – e este, para Pedro, era o maior dos pesadelos reais. Voltou ao consultório psiquiátrico e há dois anos toma os três remédios citados. Pedro, que sempre tinha olhado com desconfiança para a prateleira de psicofármacos, começou a achar natural precisar deles para enfrentar os dias e também as noites. “Que mal tem tomar uma pílula para dormir?”, dizia para a mulher, quando ela o questionava. “Ou tomar umas gotas de tranquilizante para não travar o maxilar de tensão? Ou 15 mg de antidepressivo para vencer a vontade de se atirar no sofá e ficar apenas olhando para dentro?” Sua mulher conta que ele parecia o Capitão Nascimento, em “Tropa de Elite”, tomando comprimidos no banheiro e dizendo à esposa: “Isso aqui não tem problema nenhum. Todo mundo faz isso. Não tem problema nenhum”.

Em 2011, Pedro teve momentos em que achou que tudo estava muito bem mesmo. E, se para tudo ficar tão bem era preciso tomar algumas pílulas, não tinha mesmo problema nenhum. Pedro talvez nunca tenha produzido tanto como neste ano e, por conta disso, até ganhou um aumento de salário sem precisar pedir. Mas, às vezes, não com muita frequência, ele se surpreendia pensando que algumas dimensões da sua vida tinham se perdido. Pedro não tinha mais o mesmo desejo pela sua mulher, e o sexo passou a ser algo secundário na sua vida. Não tinha mais tanto desejo pela sua mulher nem desejo por mulher alguma. “Efeito colateral do antidepressivo”, conformou-se.
Pedro trabalhava tanto que tinha reduzido às idas ao cinema, os encontros com os amigos e a pilha de livros ao lado da cama continuava no mesmo lugar. 

Ele também tinha perdido o interesse por viagens de lazer com a família, porque estava ocupado demais com seus projetos profissionais. Pedro constatou que os momentos de subjetividade eram cada vez mais escassos na sua vida. E, embora o trabalho lhe desse muita satisfação, ele tinha eliminado uma coleção de pequenos prazeres do seu cotidiano. Por volta do mês de setembro, Pedro começou a sentir uma difusa saudade dele mesmo que já não conseguia ignorar.

“Devagar eu comecei a perceber que tinha criado uma vida que não podia sustentar sem medicação. E tinha aceitado isso. Como, acho, boa parte das pessoas que conheço e que tomam esse tipo de remédio”, conta. “Eu só consigo fazer tudo o que faço porque tenho essa espécie de anabolizante. Sou um bombado psíquico. Vivo muitas experiências todo dia e não tenho nenhum tempo para elaborar essas experiências, como não tive tempo para elaborar o meu luto. É uma vida vertiginosa, mas é uma vida não sentida. Às vezes tenho experiências maravilhosas, mas, na semana seguinte, ou na mesma semana, já não me lembro delas, porque outras experiências se sobrepuseram àquela. E sei que só durmo porque engulo pílulas, só acordo porque engulo pílulas. Só suporto esse ritmo porque engulo pílulas. Até pouco tempo atrás eu achava que tudo bem, então eu ficaria tomando pílulas pelo resto da vida. Em vez de mudar meu cotidiano para que ele se tornasse possível, eu passei a esticar meus limites porque sabia que podia contar com os medicamentos e, se voltasse a cair, me iludia que bastaria aumentar a dose. 

Eu me tornei uma equação: Pedro + medicamentos. Aos poucos, porém, comecei a perceber que não é essa vida que eu quero para mim. Tem algo errado quando a vida que você inventou para você só é possível porque você toma três comprimidos diferentes para poder vivê-la. E, talvez, daqui a pouco, eu esteja tomando Viagra para ter desejo pela mulher que amo. Isso aos 40 anos. E, com o tempo, os efeitos colaterais desses remédios vão causar, pelo prolongamento do uso, doenças em outras partes do meu corpo. Eu sei que muita gente, como eu, já se habituou a achar que é normal viver à custa de pílulas. Mas, se você parar para pensar, isso é uma loucura. Isso, sim, é doença. E os médicos estão nos mantendo doentes, mas produtivos, usando os remédios para ajustar a máquina a um ritmo que a máquina só vai aguentar por um certo tempo. 

De repente, percebi que eu era uma máquina humana. E que eu estava usando remédios legais como se fossem cocaína e outras drogas criminalizadas. E o mais maluco é que todo mundo acha que tenho uma vida invejável e que está tudo ótimo comigo. Por serem drogas legais, por causa da popularização de coisas como depressão e síndrome do pânico, todo mundo acha normal eu tomar pílula para ter coragem de sair da cama de manhã e pílula para conseguir dormir sem ter medo de morrer no meio da noite. De repente, me caiu a ficha, e eu comecei a enxergar que estamos todos loucos, a começar por mim. Loucos por achar que isso é normal.” 

Com a autorização de Pedro, procurei o psiquiatra dele para uma conversa. É um profissional inteligente e sério. E foi de uma honestidade rara. Perguntei a ele porque receitava psicofármacos para gente como Pedro. “Porque vivemos num mundo em que as pessoas não têm tempo para elaborar o que é do humano. Muitas vezes eu me deparo com essa situação no consultório. Vejo uma pessoa ali me pedindo antidepressivo porque não consegue mais trabalhar, não consegue mais tocar a vida. Eu sei que ela não consegue mais trabalhar nem tocar a vida porque é a sua vida que se tornou impossível, porque precisa de um tempo que não tem para elaborar o vivido. É óbvio que não é possível, por exemplo, elaborar um luto ou uma separação em uma semana e seguir em frente como se nada tivesse acontecido. 

Assim como não é possível viver sem dúvidas, sem tristezas, sem frustrações. Tudo isso é matéria do humano, mas o ritmo da nossa vida eliminou os tempos de elaboração. Essa pessoa não é doente – é a vida dela que está doente por não existir espaço para vivenciar e elaborar o que é do humano. Só que esse cara precisa trabalhar no dia seguinte e produzir bem ou vai perder o emprego. Então eu dou o antidepressivo e faço um acompanhamento sério, com psicoterapia, para que esse cara possa dar um jeito na vida e parar de tomar remédios. 

É um dilema e não tem sido fácil lidar com ele, mas é neste mundo que eu exerço a profissão de psiquiatra. Porque no tratamento da depressão, de verdade, a doença, de fato, é muito difícil obter resultados, mesmo com os medicamentos atuais. Assim como outras doenças psíquicas, quando são doenças mesmo. Os resultados são muito mais lentos – e às vezes não há resultado nenhum. A maioria das pessoas que estamos medicando hoje não é doente. E por isso o resultado é rápido e parece altamente satisfatório. Estas pessoas só precisam dar conta de uma vida que um humano não pode dar conta.” 

Pedro, que nunca foi adepto das famosas resoluções de Ano-Novo, desta vez se colocou uma que talvez seja a empreitada mais difícil que já enfrentou. “Estou reduzindo progressivamente a dose dos medicamentos e vou parar até março. Minha meta, em 2012, e talvez leve muitos réveillons para conseguir alcançar isso, é criar uma vida possível para mim. Uma vida e uma rotina que meu corpo e minha mente possam dar conta, uma vida em que seja possível aceitar os limites e lidar com eles, uma vida em que eu tenha tempo para sofrer e elaborar o sofrimento, e tempo para usufruir das alegrias e dos pequenos prazeres e da companhia dos que eu amo. Sei que vai ter um custo, sei que vou perder coisas e talvez tenha até de mudar de emprego, mas acho que vai valer a pena. Não quero mais uma mente bombada, nem ser uma máquina bem sucedida. Quero só uma vida humana.”

Torço por Pedro, torço por nós.

 (Eliane Brum escreve às segundas-feiras.)

Para ver o artigo completo, no site da Revista Época, clique aqui.

18/03/2013

The drug habits of highly effective people


The drug habits of highly effective people

The Sidney Morning Herald

Photo: The Global Drug Survey
                                                      

Every day Simon gets up at 5.30am to do yoga. Afterwards he heads to his full-time job at a university. Sometimes, he throws in some volunteer work as well. "I'd say I'm a pretty busy person," Simon, not his real name, says. 

The reason he doesn't want his name used is because there's one other part of his lifestyle Simon is explaining.

"I would use drugs a couple of times a month," he says. "Hallucinogens, mainly, and MDMA".

He also uses cannabis and alcohol, although he tends to only drink one or two nights a week.
"I'm reasonably healthy, I look after myself a lot of the time, I'm probably not what a lot of people who are anti-drug have as their stereotype of a drug user," he says.

But Simon is a pretty good example of the type of drug user identified by the Global Drug Survey, conducted this year in Australia in partnership with Fairfax Media.

At 32, he is a little younger than many people who shared their experiences, about 30 per cent of whom were aged between 40 and 60.

Overall, the 6600 respondents were an educated, healthy, heterosexual, Anglo-Saxon and well-off bunch - about a quarter earned over $100,000 each year.

The survey is the biggest ever undertaken in Australia examining current illegal drug users, with about two-thirds of people using them in the past year, and about 45 per cent in the past month.
It paints a picture of the mainstream drug user: one largely ignored by our focus on the harm, and crime, associated with drugs.

Prohibition, many police admit, is having little effect on this user.

Global Drug Survey founder and director Dr Adam Winstock is a London-based addiction psychiatrist.

"I spend my life working with one group of drug users, and they seem to be the only group that governments are interested in," he says. "That's the group whose lives are ruined by drugs, but that is a tiny minority."

Two years ago, he had an epiphany: someone needs to talk to these users, find out what they are doing and give them a forum to find out more.

Along with the survey he started a website called drugsmeter, which allows users to get feedback.

"You need to start thinking about basing your policy and your services around the 80 to 90 per cent of people who use drugs," Winstock says.

And all over the world, he says, those people are similar: next door neighbours, mothers and fathers, university students.

Winstock says the Australian respondents to the survey were slightly older on average than those in Britain, and less likely to be in the clubbing scene. That is probably more a reflection of the fact that in Britain the survey also partners with a music publication called Mixmag.

"Your drugs are also much more expensive here; ecstasy is $25-$30 whereas in the UK it's $10-$15. A gram of cocaine is $350 whereas in the UK it's $75," Winstock says.
Other differences include greater prescription drug use, and more gambling.

Our older, more educated and well-off respondents were also far less likely to have suffered the negative effects of law enforcement. "If you had a whole lot of minority groups and Aboriginal people the survey would have told a different story," he says.

Only 5 per cent of people said they had been stopped and searched by police in the past year although the younger the people, the more likely searches were. Nearly one in five of the 16- and 17-year-olds who answered the survey had been searched. This slumped to only 3 per cent for over 30s.

Younger people were also more likely to have taken risks. About a quarter of people aged between 16 and 30 had snorted a white powder without knowing what it was.

Mystery white powders and nasty tablets conjure some worrying images, but the clearest problem drug to emerge from the survey was alcohol.

Emergency medical treatment was far more common for drinkers, along with people who used synthetic cannabis. And the most common number of standard drinks consumed by people who ended up in a hospital emergency department was 12.

The survey also asked people about the good and bad feelings linked to drugs: things like whether they helped you relax or socialise, made you feel sick or act in ways you regretted. When the good and bad were added up, alcohol and tobacco came out as the least pleasurable drugs. The most pleasurable? MDMA (ecstasy) and LSD.

Tried and tested drugs such as LSD, ecstasy, cannabis and cocaine are those that people are most interested in trying, despite the explosion in new drugs being invented, often sold as ''legal highs''.

And most were not buying drugs online, but from friends and dealers, or, in the case of legal highs, from adult stores and tobacconists, says Dr Monica Barratt, a research fellow at the national drug research institute at Curtin University.

"Of those who do buy online, most of them report first doing so in the last couple of years, which indicates that buying online is becoming … increasingly popular," she says.

Small, inconspicuous drugs like LSD are easy: Barratt says she has heard of one user who received a tab of acid so well hidden in a greeting card that they had to go back to the seller to ask how to find it.

But when it comes to drugs such as cannabis - which is generally only sold through the "silk road", an online black-market trading site - dealers tend to promise the drugs will not be detectable because they are vacuum packed and sealed in "stealth packaging".

Yet anecdotally it appears Australians have more trouble importing drugs than people in Britain and Europe, where borders are more porous.

When drugs are detected, Barratt says, customs tends to send the buyer a letter saying they have the package and the person is free to come and pick it up if they want.

Unsurprisingly, few make the trip.

So what drives someone to try to buy cannabis online?

Barratt believes some people just don't want to maintain social relationships with dealers.
And, in a pattern seen across the retail sector, for some it is the value and variety.

"If you think of it more like the person is a wine connoisseur, who is interested in a particular strand or something unusual, they might not be able to get it through their usual networks, and certainly people might be prepared to pay, and pay a lot more, for that," she says.

These connoisseur drug users are set in their ways, saying they are unlikely to change their habits no matter what the law.

The public has the idea that the legal status of drugs will have a much bigger impact on individual choices that it does in reality, says Professor Alison Ritter, the deputy director of the National Drug and Alcohol Research Centre.

"The legal status of drugs gets an enormous amount of airplay, but in fact it may not substantially change people's behaviour," says Ritter.

The survey asked people what would happen if small amounts of drugs were legal, if they were punished with a fine, or if they were available from a government outlet with guaranteed quality and purity.

Most said legality would make no difference to the amount they would use, although about 15 per cent said they might use more drugs, and 25 per cent said they would probably drink less.
Ritter, who runs the centre's drug policy modelling program, is frustrated by the focus on crime and drugs. "It seems crazy to me," she says. "We know that providing treatment that's accessible and appropriate to someone's needs works, yet we invest substantially less in treatment services than we do in policing".

But if people wouldn't increase their drug use if they were legal, why is alcohol so widely used? Ritter says there is too much history and culture associated with alcohol to determine what role legality plays.

"You can't argue therefore that if cannabis for example became legal, 80 per cent to 90 per cent of the population would use it," she says.

Gino Vumbaca, executive director of the Australian National Council on Drugs, says if anything the experience with alcohol shows how not to legalise a drug. He argues governments are indeed interested in the majority of drug users who don't develop problems, and the council is working to develop an app to help people monitor their use.

"Sometimes people don't realise the patterns they are developing until it's too late," he says.But besides tobacco - which carries its own unique health problems - Vumbaca says alcohol causes Australians the most problems.

"It's quite easy to say that just because alcohol is legal it shows what a problem legalising drugs could cause, but what it shows is how not to do it," he says.

"You don't sit down and watch the cricket with people shoving ads down your throat saying 'this is the drug for you'. People are never going to support that".


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