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23/03/2013

O cafezinho nosso de cada dia é uma droga.


O cafezinho nosso de cada dia é uma droga.

Tarso Araujo ( BLOG DA REVISTA GALILEU )

É engraçado como as pessoas ainda se surpreendem com o fato de o café ser uma droga. Desde ao ano passado, quando lancei o Almanaque das Drogas, eu me divirto vendo as pessoas virarem uma, duas páginas e tomarem um susto quando veem a primeira foto. Com esse título, elas ficam esperando ver uma seringa, uma carreira de pó, um cigarro de maconha, mas aí vem… uma xícara de café quente? “Ué, mas cafezinho é droga?”. Pois é.
Cafeína e cocaína, por exemplo, são muito parecidas. A principal diferença entre a “onda” das duas é a potência. Claro que isso é uma diferença muito importante, mas não é o suficiente para guardá-las em categorias diferentes. A duas moléculas são pequeninas, capazes de atravessar uma sofisticada barreira de proteção que nosso cérebro tem, e de se encaixar em “fechaduras” nos nossos neurônios. Cada uma abre uma porta diferente, mas no final as duas chaves deixam você em alerta. São drogas estimulantes.
A gente chama de “psicoativas” ou “psicotrópicas” as essas substâncias que são capazes de abrir essas “portas” no nosso cérebro. O café faz isso – e você que toma um cafezinho para despertar de manhã, para não ter sono depois do almoço ou para estudar até mais tarde sabe muito bem disso.
As pessoas usam café para ficarem “ligadas”, porque reconhecem o poder psicoativo da bebida e tiram proveito dele. Do mesmo jeito que algumas pessoas bebem álcool para lidar com sua timidez numa festa, como os caminhoneiros usam anfetaminas para aguentar mais quilômetros na estrada e os estressados que tomam rivotril para dormir.
O café é uma droga. E isso não é necessariamente mal, porque droga não é só aquilo que é perigoso para nossa saúde. Nosso próprio cafezinho serve de exemplo. Veja só:
-  Homens que bebem 3 a 4 doses de café por dia têm até 5 vezes menos chances de ter doença de Parkinson. Em mulheres esse efeito é menor, mas também existe, desde que elas não façam tratamento hormonal.
-  A cafeína e antioxidantes do café protegem o cérebro dos sintomas do Mal de Alzheimer, embora ainda não se saiba ao certo o porque nem o quanto.
-  Beber 240 ml de café por dia diminui o risco de pedras nos rins em cerca de 10%.
-  Quem bebe 6 xícaras por dia tem menos chance de desenvolver diabetes do tipo II, mas o efeito protetor parece valer mesmo com doses menores.
-  Café protege o fígado e reduz a incidência de cirrose, inclusive alcoólica.
Esses benefícios não são papo de vendedor de café, mas observações de dezenas de pesquisas, reunidas nesse artigo de revisão de 2009. Em geral, se você não beber mais de 500 mg de cafeína por dia – ou cinco xícaras de café expresso – a chance de ter problemas de saúde é irrisória.
E o café não é uma exceção, porque ele não é a única droga capaz de fazer algum tipo de bem ou que possa até mesmo ser usada como remédio. Se você conseguir beber apenas uma taça de vinho ou um copo de cerveja todo dia durante as refeições, a saúde do seu coração pode melhorar, sem efeitos colaterais negativos. A morfina é uma das drogas mais fatais que existem, quando usada do modo errado, mas uma droga indispensável em qualquer pronto socorro, para o alívio de dores fortes.
Outro exemplo importante é o da maconha: ela tem uma série de propriedades terapêuticas reconhecidas há séculos e comprovadas pela medicinal ocidental nas últimas décadas. Ela ajuda a aliviar dores crônicas, sintomas de esclerose múltipla, além de ser um remédio melhor que os sintéticos no tratamento de náuseas, enjoo e falta de apetite em pacientes de quimioterapia (veja no final).
Muita gente acha isso estranho porque “maconha e morfina são proibidas. E são proibidas porque fazem mal”. Mentira, não se deixe enganar. O que define se uma substância é droga ou não tem a ver com o fato de ela ser ilegal ou não. A lista de substâncias proibidas que se usa hoje nasceu em 1961, com uma convenção da ONU.
Naquela época, já se sabia que o álcool é uma importante causa de doença mentais, câncer e doenças mentais, além de provocar comportamento violento em muitas pessoas. Também já se sabia que o cigarro causava câncer de pulmão. E nunca nem se cogitou que essas duas drogas entrassem na lista. E alguém duvida que álcool e nicotina sejam drogas?
Veja como o critério “é proibido” é tão inútil para definir o que é droga quanto o “faz mal”.
Aliás, voltando ao cafezinho, lembra que até ele pode fazer mal, se você passar daquelas cinco xícaras por dia. A azia é o sintoma mais comum, porque o café aumenta acidez e refluxo gástrico – e descafeinado não resolve. O exagero também aumenta a chance de enfarto e outros problemas cardíacos, especialmente em pessoas obesas, hipertensas ou fumantes.
E se você comprar cafeína em pó, purificada a partir do café como o pó de cocaína é extraído da folha de coca, pode até morrer de overdose. Foi o que aconteceu com um adolescente britânico desinformado, que tomou duas colheradas do “energético” e teve uma parada cardíaca.
Esse caso bizarro deixa bem claro como o mal não está na droga em si, mas no uso que se faz dela. “Todas as cosias são veneno e não há nada sem veneno. A dose é que o faz o veneno”, escreveu o suíço Paracelso, pai da toxicologia, no longínquo século 16. Não é exagero. Até a insípida, incolor e inodora água pura pode matar se você exagerar.
A gente está acostumado a chamar de droga aquilo que faz mal e/ou é proibido. Mas esses exemplos mostram como essa visão é, na verdade, consequência de anos de desconhecimento, preconceito e doutrina moral e religiosa. É uma lavagem cerebral longa e muito eficiente, embora falha.
O tom pejorativo que se usa ao falar em “droga” é tão presente e tradicional que o termo já virou até sinônimo de “coisa ruim ou sem valor” no dicionário. Poxa, o cafezinho do boteco aqui na esquina é mesmo uma coisa ruim, mas tem o seu valor!
A brincadeira necessária não é tanto dizer o que é droga ou não, e muito menos qual é proibida ou não – como os governos estão sempre fazendo, sempre em vão. O importante é ficar atento ao modo como a gente usa e abusa do termo fazendo associações preconceituosas, construindo lógicas furadas e raciocínios contraditórios quando falamos de café ou crack, de álcool ou de cocaína. Fazemos tudo isso sem perceber.
Uma vez entrevistei um defensor público que defendia penas criminais para usuários de drogas, porque elas são um “grande problema social”. Então fiz uma pergunta e ele respondeu. “Eu não uso drogas, mas gosto de beber uísque.” Álcool não é droga, doutor? Álcool não é um grande problema social? Aquele mendigo que me pede um troco para o pão, que perdeu família, emprego e teto por causa da bebida é uma exceção? Bem, é claro que o defensor não queria proibir o álcool ou punir quem bebe álcool e fica na sua.
Dois pesos, duas medidas. Falar e pensar sobre drogas assim, diferenciá-las pelo fato de serem lícitas ou não, socialmente aceitas ou não, é uma tremenda fábrica de injustiças.
Sugiro um exercício. Da próxima vez que você beber aquele seu cafezinho sagrado da manhã ou de depois do almoço lembre que você está usando droga. Talvez isso o ajude a ver todo o mundo de outro modo. Vai ser uma viagem, e você não vai nem precisar tomar uma droga para isso.
* * *
Aqui vão os links de algumas histórias em que você talvez não tenha acreditado:
- A história do cara que morreu de overdose de cafeína em 2010. Já tinha  acontecido em 2002, também. Quantas vezes aconteceram sem a gente saber? Esse aqui quase se deu male nem precisou de cafeína em pó – oito latinhas de Red Bull já foi um exagero.
- Uma parte dos que morrem depois de usar ecstasy morrem, na verdade, de overdose de água, achando que precisam de litros d’água para evitar a desidratação. Lea Beth bebeu sete litros em 90 minutos e entrou em coma. Mas isso acontece até com quem faz dieta. Tem até um verbete na Wikipedia em inglês para a intoxicação por água.
- E você pode ver informações mais detalhadas sobre a eficácia da maconha medicinal na página 316 do Almanaque das Drogas ou na página 12 da monografia sobre maconha publicada em 2008 pelo Observatório Europeu de Drogas, disponível aqui.

PARA VER ESTE ARTIGO NA GALILEU, CLIQUE AQUI.

06/02/2013

Estudos com Ibogaína para tratamento contra dependência química


Ibogaína: a droga que cura o vício


Da planta iboga é extraída a ibogaína, uma substância psicodélica que faz sonhar por 12 horas e é cada vez mais usada contra a dependência química.
Fausto Salvadori ( Revista Galileu online )

Deitado numa cama, Wladimir Kosiski, 33 anos, viu, literalmente, sua vida passar como num filme — e descobriu que era um drama ruim. A abertura até prometia: cenas de sua infância e adolescência, o casamento, o emprego como vendedor em uma multinacional em Curitiba (PR), a faculdade, dois filhos... Mas, ao chegar aos 21 anos, o roteiro virava filme B, uma típica história de dependência de drogas, reprisando todos os clichês do gênero.

O crack, então, roubava a cena: uma sequência previsível de empregos perdidos, faculdade abandonada e bens vendidos a preço de banana para pagar o vício. E sua carreira de vendedor em multinacional acabou enveredando para a vida de aviãozinho do tráfico em troca de alguns gramas de pedras.

O filme apareceu como uma espécie de sonho acordado durante as 48 horas que Wladimir passou sob o efeito da ibogaína, uma droga psicodélica, em uma clínica no Estado de São Paulo (que prefere não divulgar o nome). Durante esse tempo, ele ficou sonolento, mas plenamente consciente. Viu nítidas as imagens de sua vida, como se fossem projetadas em uma tela de LCD na parede do quarto, logo acima do médico que o observava sobre a cama.

Quando o efeito passou, foi a primeira vez em anos que Wladimir acordou sem a fissura, o desejo incontrolável pela fumaça do crack que ataca os dependentes. Nem o desejo, nem as náuseas e nem as dores comuns desse tipo de abstinência apareceram. “Era como se eu nunca tivesse usado droga nenhuma”, diz o hoje administrador de empresas, que passou pelo tratamento e se livrou da dependência em 2007.

A substância que ajudou Wladimir é cada vez mais usada em terapias experimentais contra o vício. De 1962, quando começou a ser testada em dependentes químicos, até 2006, 3.414 pessoas usaram a ibogaína, obtida a partir da raiz de um arbusto africano, a iboga, para fins terapêuticos.

Só nos últimos quatro anos, no entanto, 7 mil pessoas passaram pelas terapias, de acordo com dados preliminares de um estudo do Dr. Kenneth Alper, da New York School of Medicine, nos Estados Unidos. O número de tratamentos cresceu tanto que provocou uma escassez da substância, ainda produzida de maneira artesanal, no mundo.

AVAL DA CIÊNCIA: 

Boa parte dos cientistas torce o nariz diante da ideia de se usar uma fortíssima droga psicodélica para se tratar dependentes químicos. Porém, o crescimento no número de terapias bem-sucedidas e o início de novos estudos deram mais credibilidade à prática.

Um deles começou em julho, conduzido pela Associação Multidisciplinar para Pesquisa de Psicodélicos (MAPS, na sigla em inglês), de Santa Cruz, na Califórnia. De acordo com a entidade, trata-se da primeira pesquisa sobre os efeitos de longo prazo da ibogaína na luta contra o vício.

O levantamento é feito em cima de usuários de heroína, tratados com a droga por uma clínica do México, a Pangea Biomedics. O interesse dos pesquisadores surgiu após estudos que mostram os benefícios da prática. “Há cada vez mais aceitação por parte da comunidade científica”, afirma Randolph Hencken, diretor de comunicação da MAPS. Os pacientes da Pangea são, em boa parte, americanos que cruzam a fronteira para receber um tratamento considerado ilegal nos EUA (embora a pesquisa seja permitida por lá).

A ibogaína também é proibida na Dinamarca, na Bélgica, na Suécia e na Suíça. Já no Gabão, é considerada tesouro nacional. Na África Central, curandeiros usam a raiz em rituais contra as chamadas “doenças do espírito”.

Um deles, da religião Bouiti no Camarões, faz com que o participante coma uma grande quantidade de iboga (que pode chegar a 500 g) enquanto um grupo canta, toca e dança a noite inteira. A cerimônia de três dias pode produzir um coma induzido — o que é entendido como uma viagem ao mundo dos mortos. O objetivo, dizem, é receber revelações, curar doenças ou comunicar-se com aqueles que já morreram. Trabalho da antropóloga paulistana Bia Labate, que estudou a droga, afirma que
“acredita-se que os pigmeus tenham descoberto a iboga em tempos imemoriáveis”.

A primeira pesquisa brasileira no assunto está prevista para começar no ano que vem, sob orientação do psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ainda que os resultados sejam positivos, não há chance de cápsulas de ibogaína chegarem às farmácias tão cedo.
“Sob estrita supervisão médica, a droga poderia se tornar um medicamento, mas custaria milhões de dólares em estudos e ainda não há investidores para tanto”, diz Hencken.

Comprimidos feitos com substância da raiz dos arbustos africanos
Crédito: divulgação

O EFEITO: 

Ainda não se sabe exatamente como essa substância atua no combate à dependência, mas dezenas de pesquisas em animais e humanos indicam que age em dois níveis: tanto na química cerebral como na psicologia do dependente. Por um lado, a droga estimula a produção do hormônio GDNF, que promove a regeneração do tecido nervoso e estimula a criação de conexões neuronais.

Isso permitiria reparar áreas do cérebro associadas à dependência, além de favorecer a produção de serotonina e dopamina, neurotransmissores responsáveis pelas sensações de bem-estar e prazer. Isso explicaria o desaparecimento da fissura relatado pelos dependentes logo após sair de uma sessão.

Na outra frente, a ibogaína promoveria uma espécie de psicoterapia intensiva ao fazer o paciente enxergar imagens da própria vida enquanto a mente fica lúcida. Estas visões não seriam alucinações, como as imagens de uma viagem de LSD. É como sonhar de olhos abertos, o que ajudaria os dependentes a identificar fatores que os teriam empurrado para as drogas em determinados momentos da vida.

Estudos com eletroencefalogramas feitos pela Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, apontaram que ondas cerebrais de um paciente que tomou ibogaína têm o mesmo comportamento daquelas de alguém em REM (a fase do sono em que sonhamos). “O sonho renova a mente e, se no sono comum temos apenas cinco minutos de sonho a cada duas horas, na ibogaína são 12 horas de sonho intensivo”, aponta o gastroenterologista Bruno Daniel Rasmussen Chaves, que estuda o tema desde 1994 e participará da pequisa da Unifesp.

RISCOS: 


No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informa que não há restrições legais à ibogaína, mas seu uso como medicamento não está regulamentado. Por isso, os tratamentos são considerados experimentais e as clínicas não fazem propaganda.

A importação é feita pelos próprios pacientes, que pagam cerca de R$ 5 mil por uma sessão com o derivado da raiz. Após passar por exames médicos, o dependente ingere as cápsulas, deita-se em uma cama e deixa sua mente navegar pelos efeitos, que podem durar até 72 horas. Durante esse tempo, médicos monitoram o paciente. Vale dizer que a literatura médica registra 12 óbitos associados ao uso de ibogaína nas últimas quatro décadas, provocados por diminuição na frequência cardíaca (o equivalente a uma morte a cada 300 usuários).

No entanto, estudos de Deborah Mash, neurologista da Universidade de Miami, nos Estados Unidos, que já acompanhou o tratamento de cerca de 500 pacientes, apontam que não há registro de morte por ingestão de ibogaína em ambiente hospitalar. É preciso que o paciente chegue “limpo” à sessão. “As mortes registradas ocorreram em tratamentos de fundo de quintal, em que as pessoas fizeram uso concomitante de ibogaína e outras substâncias”, afirma Chaves.

NÃO HÁ FÓRMULA MÁGICA: 


Estudiosos e pacientes avisam: a droga não é uma poção mágica. Para se livrar da dependência, Wladimir Kosiski aliou o tratamento à psicoterapia e mudança drástica de hábitos. Voltou a trabalhar, a estudar e nunca mais pisou no local onde comprava crack. Não foi isso o que fez o professor Gilberto Luiz Goffi da Costa, 44 anos, que se tratou com ibogaína pela primeira vez em 2005. Viciado em drogas desde os 14 anos, Gilberto já acumulava 18 tratamentos fracassados contra dependência. Volta e meia, dormia nas ruas de Curitiba e praticava roubos para comprar crack: já havia sido preso cinco vezes. Após usar ibogaína, achou que estava curado. “Tive uma sensação de bem-estar, mas é um efeito que se perde depois”, afirma. Estava livre do desejo, mas continuou a frequentar os mesmos ambientes e amigos com quem dividia drogas.

Em pouco tempo, foi dominado novamente pelo crack. “A ibogaína retira a fissura, mas a pessoa pode continuar a usar droga mesmo sem vontade, como alguém que estraga um regime por gula, não por fome”, diz Chaves. Gilberto só conseguiu permanecer “limpo” após a terceira vez que se tratou, em 2008, quando aliou a substância a uma troca completa de atitudes, seguindo o método dos Narcóticos Anônimos.

Sem consumir drogas há dois anos, hoje dá aulas de línguas e é consultor no tratamento de outros dependentes. Ao contrário da viagem pelo mundo dos mortos em uma sessão dos rituais africanos, a ibogaína ajudou o curitibano, pouco a pouco, a permanecer no mundo dos vivos. 

Para ver o artigo original, clique aqui.
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