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31/05/2013

CBN: Mudança do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas não deve ter tanta resposta

CBN SP - Mudança do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas não deve ter tanta resposta - CBN


Entrevista com Elton Kanomata, psiquiatra do programa de orientação e atendimento a dependentes da Universidade Federal de São Paulo.


Para ver a reportagem no site da CBN, clique aqui.

21/05/2013

A droga de cada um


A droga de cada um

Denis Russo Burgierman

Todo mundo tem a sua droga. A da minha mãe, por exemplo, é a endorfina, nome que é uma abreviação de “endo-morfina”, ou “morfina interior”. A endorfina é um opióide, ou seja, uma droga da mesma classe do ópio e da heroína. Os opióides agem como desentupidores nas sinapses do cérebro: eles abrem os caminhos pelos quais a dopamina flui. E a dopamina é a mãe de todas as recompensas: aquela sensação gostosa, aconchegante, de bem estar, que chamamos de prazer. É a dopamina que nos dá aquele gosto doce que acaba formando hábitos. É ela, também, que, quando algo sai do controle, causa a dependência.
Minha mãe busca a dopamina dela de maneira saudável, correndo pelas ruas e pelos parques de São Paulo, subindo em pódios com medalhas douradas no pescoço – exercício físico faz o corpo produzir endorfina. Há quem busque o prazer em outras coisas. Glutões produzem dopamina quando se empanturram. Yogues produzem quando respiram profundamente. Jogadores vão em busca dela na emoção das apostas do bingo ou do carteado. Futebol, chope, sexo, novela, dança, festa, trabalho, cinema – tudo aquilo que tem o potencial de dar prazer pode estimular a produção de dopamina. Inclusive drogas, como álcool, tabaco, nicotina, açúcar, maconha, cocaína, heroína.
Ontem participei da entrevista com o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, no programa Roda Viva, da TV Cultura. Laranjeira é um médico-político, bem conectado com o poder, recebedor de farto financiamento público, com larga experiência em dependência, defensor radical da Guerra Contra as Drogas. Colegas de Laranjeira no mundo acadêmico já haviam me advertido que a droga dele é o poder. É a sensação de mandar nos outros aquilo que ativa seu sistema dopamínico.
A entrevista foi bem frustrante para mim. Laranjeira tomou a palavra e falou sem parar, sem dar atenção às perguntas que lhe faziam. Citou uma série de dados inventados, como a informação de que todos os países desenvolvidos estão abandonando as políticas de redução de danos – basicamente o contrário da realidade, já que há uma clara tendência no sentido contrário, até mesmo nos Estados Unidos.
Num dos intervalos do programa, uma das entrevistadoras, a especialista em segurança pública Ilona Szabo, deu uma bronca no entrevistado fora do ar, criticando a forma irresponsável como ele manipulava os dados. Laranjeira virou agressivamente sua cadeira para ela, aumentou o volume da voz, e brandiu o argumento da autoridade: “cresça e apareça, menina. Quem é você? Eu tenho 30 anos de experiência nisso”. Ilona respondeu tranquila: “eu trabalho com gente que tem o dobro de sua idade e que teve a humildade de mudar de ideia. Você pode mudar também.”
Aos 34 anos, Ilona é coordenadora do secretariado da Comissão Global de Políticas sobre Drogas, o órgão internacional cujo presidente é Fernando Henrique Cardoso (81 anos) e que tem entre seus membros gente como o ex-presidente do banco central americano Paul Volcker (85) e o ex-secretário de Estado dos EUA George Schultz (92), braços direito e esquerdo do ex-presidente Ronald Reagan, principal comandante da Guerra Contra as Drogas na década de 80. O objetivo da Comissão é acabar com a guerra e buscar soluções mais pacíficas e racionais para evitar que nosso apetite natural por dopamina nos destrua.
Nos anos 1980 e 90, FHC, Volcker, Schultz e Reagan eram generais da Guerra Contra as Drogas. Laranjeira, naquele tempo, era um soldado raso, talvez um jovem oficial dedicado a dar alguma sustentação científica para a ofensiva militar. Hoje os generais não apenas estão cansados de lutar mas pedem desculpas pelos erros do passado: eles reconhecem que a guerra foi um equívoco.
Mas o soldado Laranjeira quer continuar lutando. Afinal, ele não está preocupado em saber se a guerra dá certo ou não. O que ele quer é poder – e, consequentemente, dopamina. No fundo, ele sabe que a guerra é inútil, mas sabe também que, se ela acabar, ele perde poder. Ele é dependente de poder.
Denis Russo BurgiermanDenis Russo Burgierman
Diretor de redação da Superinteressante. Escreveu o livro O Fim da Guerra, sobre o futuro das políticas de drogas, participa da comunidade TED, dá aulas na Eise (Escola de Inovação em Serviços) e é membro da Rede Pense Livre – Por Uma Política de Drogas que Funcione. Pedala entre uma coisa e outra. 

PARA VER ARTIGO COMPLETO DA SUPER INTERESSANTE, CLIQUE AQUI.

DSM 5 - O que mudou no diagnostico da Dependência Química

DSM 5 - O que mudou no diagnostico da Dependência Química

por Thiago Marques Fidalgo

Acontece agora, de 18 a 22 de maio, em São Francisco, o 166 Encontro Anual da Associação Psiquiátrica Americana. Nesse evento ocorre o lançamento da quinta edição do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês). Essa nova edição traz uma profunda revisão dos critérios diagnósticos dos transtornos mentais.

A dependência de substâncias sofreu importantes modificações. Em primeiro lugar, a dicotomia entre os diagnóstico de abuso e de dependência de substâncias deixou de existir. Alem disso, a história de problemas com a lei em decorrência do uso de substâncias não faz mais parte dos 11 critérios diagnósticos. Em seu lugar, entrou a presença de fissura (craving).

Assim, pela nova classificação, o paciente pode ter os seguintes diagnósticos:

- dependência leve - presença de dois ou três dos onze critérios por um período de um ano

- dependência moderada - presença de quatro ou cinco dos onze critérios por um período de um ano

- dependência grave - presença de mais de seis dos onze critérios por um período de um ano

Os 11 critérios são:

- uso em quantidades maiores ou por mais tempo que o planejado
- desejo persistente ou incapacidade de controlar o desejo
- gasto importante de tempo em atividades para obter a substância
- fissura importante
- deixar de desempenhar atividades sociais, ocupacionais ou familiares devido ao uso
- continuar o uso apesar de apresentar problemas sociais ou interpessoais
- restrição do repertório de vida em função do uso 
- manutenção do uso apesar de prejuízos físicos
- uso em situações de exposição a risco
- tolerância
- abstinência

Além disso, outra novidade foi a inclusão da síndrome de abstinência de maconha e de cafeína entre os transtornos induzidos pelo uso de substâncias.

O impacto dessas mudanças para a saúde pública, para as novas pesquisas e para os novos tratamentos só poderá ser avaliado nos próximos anos, à medida em que esses novos critérios forem colocados em prática.

23/04/2013

Evidências soterradas pelo projeto de lei sobre drogas

Evidências soterradas pelo projeto de lei sobre drogas

Luís Fernando Tófoli*
Em suas manifestações públicas em relação ao projeto de drogas que redigiu, o deputado Osmar Terra (PMDB-RS), médico e ex-secretário de Saúde de seu estado, tem sido profícuo ao citar dados. Em uma declaração ao jornal O Globo, ao criticar o viés “ideológico” daqueles que objetam contra seu projeto, não hesitou em dizer que “cada parágrafo” dele seria “baseado em evidências científicas”.
Dados científicos são frequentemente incompletos, sujeitos a contingências metodológicas e difíceis de interpretar. A própria construção do que é uma evidência científica e a decisão de nortear políticas a partir delas são também opções ideológicas, embora os médicos não se deem conta disso. No século XXI já parece ser bastante claro que não existe Ciência absolutamente neutra, e que é na análise de estudos que apontam posições e resultados contraditórios que poderemos nos aproximar da realidade. Esse é, por excelência, o caminho possível no campo das políticas públicas sobre drogas.
O PL 7663/2010 de Osmar Terra – transformado no substitutivo do deputado Givaldo Carimbão (PSB-AL) – está longe de ser uma peça legislativa baseada em dados científicos inquebrantáveis. Para começar, o projeto parte da concepção de que a dependência química é uma doença cerebral que leva a alterações permanentes causadas pelas drogas, uma doença para a qual não existe cura e para qual o único tratamento possível é a abstinência. Essa premissa é desafiada na literatura científica recente, e certamente não pode ser tomada como uma verdade para todos os casos. Como explicar, por exemplo, os vícios que não envolvem substância psicoativa, como o jogo patológico? Ainda que essa concepção da dependência fosse assumida como correta, caberia examinar se o projeto de lei, a fim de amenizar o terrível sofrimento social causado pelas drogas, está suficientemente assentado em evidências científicas. Vejamos aqui algumas que foram ignoradas no processo de elaboração do PL.
Em primeiro lugar, o projeto faz uma grande trapalhada ao emaranhar dependência química com uso de drogas. A literatura mostra claramente que o contingente de dependentes das drogas ilegais mais comuns no Brasil é algumas vezes menor do que o número total de usuários. Políticas e eventuais medidas para estes grupos devem ser distintas. Ao misturar os conceitos, o projeto dá a chance, por exemplo, de que um usuário leve de maconha seja submetido a uma versão contemporânea da internação forçada apresentada no filme Bicho de Sete Cabeças, de Laís Bodanzky.
Outra confusão feita pelo PL está na proposta de uma classificação das drogas por seu potencial de gerar dependência. A ideia é baseada em uma classificação feita pelo Reino Unido e não é delineada no texto legislativo, ficando para ser decidida posteriormente. Atualmente há críticas à própria classificação britânica, e um famoso estudo[1] publicado na respeitável revista científica Lancet colocou em cheque a própria noção de que seriam as drogas ilegais as mais daninhas para o indivíduo e a sociedade.
Não bastasse isso, o projeto ainda aumenta a pena para tráfico de drogas, sem distinguir usuários de traficantes de forma objetiva. Considerando o desproporcional aumento de apenados por tráfico no Brasil dos últimos anos – muitos deles com um perfil muito mais próximo de usuários do que de traficantes perigosos – tomar uma medida como essa sem determinar critérios objetivos de distinção é bastante temerário, ainda mais se considerarmos que o próprio endurecimento legislativo pode ser confrontado. Por exemplo, na Europa, o consumo por adolescentes é menor em países onde há menores restrições para o porte e uso pessoal de drogas. A resposta que o deputado Osmar Terra tem dado – que é o de que os “aviõezinhos” iriam carregar somente a quantidade permitida para porte e que “ninguém mais vai ser preso” – não é condizente com os dados do Observatório Europeu de Drogas e Dependência[2], que mostra que em países que se tornaram menos rigorosos com o uso e porte de drogas, as prisões por tráfico não diminuíram.
O autor do projeto já disse que as ações de consultório na rua – proposto como uma das alternativas às duas únicas formas de tratamento presentes no PL, a internação compulsória e o acolhimento voluntário em comunidades terapêuticas – não têm evidência de efetividade. Pode ser que o enfoque das provas científicas feito pelo deputado revele também um viés ideológico, já que o mais respeitável repositório de Medicina baseada em evidências, a Biblioteca Cochrane, indica que não há provas suficientes[3] para apoiar o modelo das comunidades terapêuticas no tratamento da dependência química. Além disso, segundoafirma Gilberto Gerra[4], do Escritório das Nações Unidas para o Crime e Drogas, também não há evidências que justifiquem o uso de internações forçadas a não ser em situações críticas de risco de vida e quando outras tentativas não tiverem dado certo – o que, aliás, já determina a atual lei brasileira que dispõe sobre os tipos de internação psiquiátrica.
Há muitos outros pontos problemáticos – como o financiamento de entidades religiosas, o cadastro de usuários de drogas, as formas estranhas de regulação de um sistema de tratamento paralelo ao Sistema Único de Saúde, só para citar alguns. Num projeto tão questionado – rejeitado ou fortemente criticado por notas técnicas do Governo e por ONGs, por pareceres de entidades como a Fundação Oswaldo Cruz, o Instituto dos Advogados Brasileiros e o Conselho Federal de Psicologia, e até pela opinião de políticos de posições opostas na arena eleitoral como o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) – a presença de evidências científicas que contradigam seus parágrafos deve ser mais um elemento para, no mínimo, refrear o regime urgente em que o projeto tramita e, no limite, sepultá-lo em definitivo na busca de respostas mais consensuais.
Mas, no Brasil, onde “política baseada em evidências” se confunde com “evidências baseadas em política” e a mídia – com honrosas exceções – ajuda mais a embaralhar e estigmatizar a questão do que estimular o debate qualificado, é bem possível que as evidências sejam soterradas pela urgência política vinculada ao atual projeto em tramitação. Aguardemos para ver o que os legisladores brasileiros têm a responder diante deste projeto que representa um conjunto de retrocessos míopes à pesquisa científica e às reais e sérias demandas de cuidados que a questão do uso problemático de substâncias impõe a este país.

*Luís Fernando Tófoli é professor de Psiquiatria da Universidade Estadual de Campinas

ARTIGO COMPLETO, CLIQUE AQUI.

20/02/2013

Óxi e seus efeitos devastadores


Seis efeitos devastadores do óxi

Droga leva pasta base de cocaína, cal virgem e querosene em sua composição


Alline Menegueti
Pedras de óxi na Polícia Federal de Rio Branco, no Acre (Regiclay Alves Saady )

O óxi, nova droga que está se espalhando pelo Brasil, é ainda mais nociva que o crack. Por sua aparência amarronzada, já foi definida como ‘rapadura do diabo’. Sua composição, que leva cal virgem e até querosene, dá uma ideia do poder devastador e tóxico que possui.
"Ainda não deu tempo de avaliar o real efeito nocivo da droga, contudo, sabe-se que é intenso", diz o psiquiatra Thiago Fidalgo, do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes do Departamento de Psiquiatria (PROAD) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e do Ambulatório de Dependência Química do Hospital AC Camargo.
Especialistas acreditam que a devastação se inicia um minuto após o consumo. Internamente, a droga devasta o sistema nervoso central, o coração, o pulmão e o fígado. O menor dano causado no dependente é o envelhecimento precoce causado pela perda de colágeno.
"Suas substâncias químicas causam mais dependência com um custo relativamente inferior”, diz Fidalgo, referindo-se ao valor da pedra do óxi, menor que a do crack. A dependência, porém, cobra caro do organismo, causando danos muitas vezes irreversíveis, como problemas cognitivos e até morte súbita.
A droga é responsável pela ativação excessiva do sistema nervoso central, o que provoca morte de neurônios. Com o decorrer do consumo, a droga altera as funções psicomotora e cognitiva, causando perda contínua de memória, problemas de concentração, irritação e insônia, além do risco de desencadear transtornos psiquiátricos em pessoas com predisposição.
O uso contínuo da droga pode levar a uma perda de sensibilidade dos neurônios à dopamina— importante neurotransmissor no cérebro responsável, entre outras coisas, pela sensação de prazer. A ação da droga no cérebro faz com que a dopamina se esgote, causando os sintomas depressivos após o uso do óxi.
O risco de AVC (acidente vascular cerebral) é grande entre os dependentes, já que a droga provoca aumento da pressão arterial e diminuição do fluxo sanguíneo cerebral.
A aceleração cardíaca constante, gerada pela droga, aumenta a frequência respiratória e cardíaca, resultando no desgaste do coração. Os vasos sanguíneos também sofrem com o efeito corrosivo. Com o coração trabalhando de forma mais intesa e com menos fluxo de sangue, o resultado pode ser um infarto ou mesmo morte súbita. A combinação explosiva entre cocaína fumada e querosene intensifica a toxicidade da droga e aumenta o risco da morte súbita.
Aqui, tudo começa pela boca, mas as lesões causadas pelo calor e pelos componentes químicos tóxicos da fumaça do óxi se estendem por todo o sistema respiratório e podem levar, inclusive, à indução de tumores cancerosos.
A fumaça corrosiva leva à destruição do tecido pulmonar. Além disso, as repetidas lesões causadas pelas substâncias químicas deixam as portas abertas para eventuais infecções, aumentando o risco de pneumonia ou mesmo tuberculose.
Artigo retirado da revista Veja, para acessar, clique aqui.

06/02/2013

Estudos com Ibogaína para tratamento contra dependência química


Ibogaína: a droga que cura o vício


Da planta iboga é extraída a ibogaína, uma substância psicodélica que faz sonhar por 12 horas e é cada vez mais usada contra a dependência química.
Fausto Salvadori ( Revista Galileu online )

Deitado numa cama, Wladimir Kosiski, 33 anos, viu, literalmente, sua vida passar como num filme — e descobriu que era um drama ruim. A abertura até prometia: cenas de sua infância e adolescência, o casamento, o emprego como vendedor em uma multinacional em Curitiba (PR), a faculdade, dois filhos... Mas, ao chegar aos 21 anos, o roteiro virava filme B, uma típica história de dependência de drogas, reprisando todos os clichês do gênero.

O crack, então, roubava a cena: uma sequência previsível de empregos perdidos, faculdade abandonada e bens vendidos a preço de banana para pagar o vício. E sua carreira de vendedor em multinacional acabou enveredando para a vida de aviãozinho do tráfico em troca de alguns gramas de pedras.

O filme apareceu como uma espécie de sonho acordado durante as 48 horas que Wladimir passou sob o efeito da ibogaína, uma droga psicodélica, em uma clínica no Estado de São Paulo (que prefere não divulgar o nome). Durante esse tempo, ele ficou sonolento, mas plenamente consciente. Viu nítidas as imagens de sua vida, como se fossem projetadas em uma tela de LCD na parede do quarto, logo acima do médico que o observava sobre a cama.

Quando o efeito passou, foi a primeira vez em anos que Wladimir acordou sem a fissura, o desejo incontrolável pela fumaça do crack que ataca os dependentes. Nem o desejo, nem as náuseas e nem as dores comuns desse tipo de abstinência apareceram. “Era como se eu nunca tivesse usado droga nenhuma”, diz o hoje administrador de empresas, que passou pelo tratamento e se livrou da dependência em 2007.

A substância que ajudou Wladimir é cada vez mais usada em terapias experimentais contra o vício. De 1962, quando começou a ser testada em dependentes químicos, até 2006, 3.414 pessoas usaram a ibogaína, obtida a partir da raiz de um arbusto africano, a iboga, para fins terapêuticos.

Só nos últimos quatro anos, no entanto, 7 mil pessoas passaram pelas terapias, de acordo com dados preliminares de um estudo do Dr. Kenneth Alper, da New York School of Medicine, nos Estados Unidos. O número de tratamentos cresceu tanto que provocou uma escassez da substância, ainda produzida de maneira artesanal, no mundo.

AVAL DA CIÊNCIA: 

Boa parte dos cientistas torce o nariz diante da ideia de se usar uma fortíssima droga psicodélica para se tratar dependentes químicos. Porém, o crescimento no número de terapias bem-sucedidas e o início de novos estudos deram mais credibilidade à prática.

Um deles começou em julho, conduzido pela Associação Multidisciplinar para Pesquisa de Psicodélicos (MAPS, na sigla em inglês), de Santa Cruz, na Califórnia. De acordo com a entidade, trata-se da primeira pesquisa sobre os efeitos de longo prazo da ibogaína na luta contra o vício.

O levantamento é feito em cima de usuários de heroína, tratados com a droga por uma clínica do México, a Pangea Biomedics. O interesse dos pesquisadores surgiu após estudos que mostram os benefícios da prática. “Há cada vez mais aceitação por parte da comunidade científica”, afirma Randolph Hencken, diretor de comunicação da MAPS. Os pacientes da Pangea são, em boa parte, americanos que cruzam a fronteira para receber um tratamento considerado ilegal nos EUA (embora a pesquisa seja permitida por lá).

A ibogaína também é proibida na Dinamarca, na Bélgica, na Suécia e na Suíça. Já no Gabão, é considerada tesouro nacional. Na África Central, curandeiros usam a raiz em rituais contra as chamadas “doenças do espírito”.

Um deles, da religião Bouiti no Camarões, faz com que o participante coma uma grande quantidade de iboga (que pode chegar a 500 g) enquanto um grupo canta, toca e dança a noite inteira. A cerimônia de três dias pode produzir um coma induzido — o que é entendido como uma viagem ao mundo dos mortos. O objetivo, dizem, é receber revelações, curar doenças ou comunicar-se com aqueles que já morreram. Trabalho da antropóloga paulistana Bia Labate, que estudou a droga, afirma que
“acredita-se que os pigmeus tenham descoberto a iboga em tempos imemoriáveis”.

A primeira pesquisa brasileira no assunto está prevista para começar no ano que vem, sob orientação do psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ainda que os resultados sejam positivos, não há chance de cápsulas de ibogaína chegarem às farmácias tão cedo.
“Sob estrita supervisão médica, a droga poderia se tornar um medicamento, mas custaria milhões de dólares em estudos e ainda não há investidores para tanto”, diz Hencken.

Comprimidos feitos com substância da raiz dos arbustos africanos
Crédito: divulgação

O EFEITO: 

Ainda não se sabe exatamente como essa substância atua no combate à dependência, mas dezenas de pesquisas em animais e humanos indicam que age em dois níveis: tanto na química cerebral como na psicologia do dependente. Por um lado, a droga estimula a produção do hormônio GDNF, que promove a regeneração do tecido nervoso e estimula a criação de conexões neuronais.

Isso permitiria reparar áreas do cérebro associadas à dependência, além de favorecer a produção de serotonina e dopamina, neurotransmissores responsáveis pelas sensações de bem-estar e prazer. Isso explicaria o desaparecimento da fissura relatado pelos dependentes logo após sair de uma sessão.

Na outra frente, a ibogaína promoveria uma espécie de psicoterapia intensiva ao fazer o paciente enxergar imagens da própria vida enquanto a mente fica lúcida. Estas visões não seriam alucinações, como as imagens de uma viagem de LSD. É como sonhar de olhos abertos, o que ajudaria os dependentes a identificar fatores que os teriam empurrado para as drogas em determinados momentos da vida.

Estudos com eletroencefalogramas feitos pela Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, apontaram que ondas cerebrais de um paciente que tomou ibogaína têm o mesmo comportamento daquelas de alguém em REM (a fase do sono em que sonhamos). “O sonho renova a mente e, se no sono comum temos apenas cinco minutos de sonho a cada duas horas, na ibogaína são 12 horas de sonho intensivo”, aponta o gastroenterologista Bruno Daniel Rasmussen Chaves, que estuda o tema desde 1994 e participará da pequisa da Unifesp.

RISCOS: 


No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informa que não há restrições legais à ibogaína, mas seu uso como medicamento não está regulamentado. Por isso, os tratamentos são considerados experimentais e as clínicas não fazem propaganda.

A importação é feita pelos próprios pacientes, que pagam cerca de R$ 5 mil por uma sessão com o derivado da raiz. Após passar por exames médicos, o dependente ingere as cápsulas, deita-se em uma cama e deixa sua mente navegar pelos efeitos, que podem durar até 72 horas. Durante esse tempo, médicos monitoram o paciente. Vale dizer que a literatura médica registra 12 óbitos associados ao uso de ibogaína nas últimas quatro décadas, provocados por diminuição na frequência cardíaca (o equivalente a uma morte a cada 300 usuários).

No entanto, estudos de Deborah Mash, neurologista da Universidade de Miami, nos Estados Unidos, que já acompanhou o tratamento de cerca de 500 pacientes, apontam que não há registro de morte por ingestão de ibogaína em ambiente hospitalar. É preciso que o paciente chegue “limpo” à sessão. “As mortes registradas ocorreram em tratamentos de fundo de quintal, em que as pessoas fizeram uso concomitante de ibogaína e outras substâncias”, afirma Chaves.

NÃO HÁ FÓRMULA MÁGICA: 


Estudiosos e pacientes avisam: a droga não é uma poção mágica. Para se livrar da dependência, Wladimir Kosiski aliou o tratamento à psicoterapia e mudança drástica de hábitos. Voltou a trabalhar, a estudar e nunca mais pisou no local onde comprava crack. Não foi isso o que fez o professor Gilberto Luiz Goffi da Costa, 44 anos, que se tratou com ibogaína pela primeira vez em 2005. Viciado em drogas desde os 14 anos, Gilberto já acumulava 18 tratamentos fracassados contra dependência. Volta e meia, dormia nas ruas de Curitiba e praticava roubos para comprar crack: já havia sido preso cinco vezes. Após usar ibogaína, achou que estava curado. “Tive uma sensação de bem-estar, mas é um efeito que se perde depois”, afirma. Estava livre do desejo, mas continuou a frequentar os mesmos ambientes e amigos com quem dividia drogas.

Em pouco tempo, foi dominado novamente pelo crack. “A ibogaína retira a fissura, mas a pessoa pode continuar a usar droga mesmo sem vontade, como alguém que estraga um regime por gula, não por fome”, diz Chaves. Gilberto só conseguiu permanecer “limpo” após a terceira vez que se tratou, em 2008, quando aliou a substância a uma troca completa de atitudes, seguindo o método dos Narcóticos Anônimos.

Sem consumir drogas há dois anos, hoje dá aulas de línguas e é consultor no tratamento de outros dependentes. Ao contrário da viagem pelo mundo dos mortos em uma sessão dos rituais africanos, a ibogaína ajudou o curitibano, pouco a pouco, a permanecer no mundo dos vivos. 

Para ver o artigo original, clique aqui.

05/02/2013

Fernanda Aranda fala sobre artesanato, música, poesia e teatro como ferramentas para o tratamento de dependência química

Oficinas de artesanato, música, poesia e teatro despontam como ferramentas para o tratamento da dependência química.

Fernanda Aranda , iG São Paulo

O polegar usado para atiçar o isqueiro e acender freneticamente o cachimbo agora tem outra função. As mãos de Índio, 37 anos, há quatro meses, fazem arte. Transformam lixo em quadros e murais, em um processo realizado dentro de um ateliê instalado na Cracolândia – região da capital paulista que acumula, a céu aberto, milhares de pulmões e cérebros devastados pelo crack.

Com os dedos torturados pelos 20 anos passados na rua, Índio – que nasceu Cícero Rodrigues e ganhou o apelido devido aos traços caboclos herdados da avó – usa o artesanato para driblar a dependência química de forma autodidata, “por instinto”. Mesmo sem ter consciência disso, ele mira a abstinência usando uma ferramenta terapêutica que ganhou os consultórios, as clínicas e os centros de saúde espalhados por todo País.

Psiquiatras, psicólogos e educadores enxergaram no artesanato, no samba, no rap, no funk e na poesia uma maneira eficaz de tratar o uso compulsivo de álcool e drogas. Os resultados da chamada arteterapia para a dependência começam a aparecer catalogados em pesquisa. Um indicativo de caminho de conduta médica para uma área da saúde mental que ainda ostenta o índice de 45% de falha na recuperação dos pacientes.

Índio passou a fumar menos crack quando ingressou na rotina artística. José Benedito Leal, 45 anos, deixou de esconder as garrafas de cachaça no armário da faculdade onde lecionava após descobrir-se poeta.

“Nenhuma gota há cinco anos e milhares de versos produzidos no período”, conta ele, pós-graduado em Matemática.

Maurício Same, 32, também abandonou a bebida – responsável por fazer dele um
morador de rua em Praia Grande (litoral paulista) – depois de ouvir o som que produzia com as cordas do violão.

“Estou limpo há um ano. A primeira música inteira que toquei sóbrio foi ‘Tente outra vez’, do Raul Seixas”, diz.

Oficiais da Marinha de Salvador foram estimulados a tratar o alcoolismo em cima do palco, brincando de serem atores de teatro.

“A arte faz parte da terapia ocupacional, área já consolidada no Brasil como política de saúde pública. Não há motivo nenhum para excluir os pacientes da saúde mental destas ferramentas. Ao contrário. Os resultados são excelentes”, afirma o psiquiatra Leonardo Araújo de Souza, diretor do Instituto Nise da Silveira do Rio de Janeiro.

“Arte de resgate”


A instituição pública fluminese dirigida por Leonardo oferece aos 220 pacientes internados oficinas de samba e percussão. Todo ano, eles colocam na rua o bloco de carnaval. A entidade, inclusive, foi batizada em homenagem a uma precursora da arte como remédio para a saúde mental.

Nise (1905-1999), na década de 1940, descobriu no traço artístico uma arma para substituir os eletrochoques e o confinamento nos manicômios, formas controversas e torturantes usadas em depressivos, esquizofrênicos e dependentes químicos da época. Um de seus pacientes foi Arthur Bispo do Rosário – cujas obras ganharam o mundo e foram tema da última Bienal de Artes de São Paulo.

No legado de Nise, não estão apenas descobertas de artistas famosos e anônimos. O psiquiatra Luiz Guilherme Ferreira Filho acredita que este olhar médico sobre os efeitos da arte foram fundamentais para implementar os planos de humanizar o tratamento e promover reinserção social dos pacientes – dois pilares definidos pelo Ministério da Saúde como fundamentais para vencer o crack, a cocaína, o alcoolismo e o uso de maconha.


Hoje, de acordo com o último censo do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), 10% da população brasileira (19 milhões de pessoas) necessitam de intervenção médica para tratar o vício.

Arte é neurociência. "Por meio da pintura, da música, do artesanato você alcança o inconsciente do paciente e restabelece o mecanismo de recompensa cerebral, deturpado pela droga”, diz Ferreira Filho.

“Amplia o repertório de atuação do paciente. Ele, ainda que não tenha talento, descobre que há outras formas menos nocivas de ter prazer. Não é arte bela e nem feita para estar em galerias. É arte de resgate.”

Sarau da abstinência


Foi estudando a reação cerebral dos dependentes químicos que Ferreira Filho decidiu implantar oficinas de arte no Centro de Atenção Psicossocial (Caps) de Praia Grande. Duas vezes por semana, 40 pacientes em tratamento são convidados a sentar em roda e mostrar os talentos escondidos ou nunca identificados, por conta do uso de droga.

´´Eu sou mosca presa na janela. Quero voar sem incomodar ninguém. Deixar de ser mosquito, que pica, suga e vai embora. Quero ser mosca. Quero ser livre``. José Benedito.

Em uma dinâmica típica de sarau, cada um vai ao centro do círculo e canta, declama, pinta um quadro. O matemático José Benedito descobriu assim a vocação para usar as letras em versos. No dia em que a oficina foi acompanhada pela reportagem, ele puxou de improviso o poema “mosca presa na janela”, de sua autoria (leia ao lado). Maurício criou melodias. Maria do Socorro fez o público chorar ao desafinar, mas sem sair do ritmo, as estrofes sertanejas de Menino da Porteira. Há dois meses, a produção do “sarau da abstinência” do Caps virou mostra cultural no teatro municipal da cidade.
 “Aberta ao público. Foi sucesso”, comemora o psiquiatra.

Experiências particulares


Já as técnicas teatrais voltadas ao alcoolismo, recurso idealizado pela psicóloga Thaís Gold, não chegaram à nenhuma plateia. Mas o método artístico ingressou na faculdade. Tudo começou quando Thaís foi convidada a realizar um trabalho com oficiais da Marinha de Salvador (Bahia) que apresentavam uso nocivo de álcool e drogas.

“Sabia da resistência que enfrentaria caso elaborasse uma apresentação de Power Point, com dizeres sobre drogas. Então, tive a ideia de usar Augusto Boal e o teatro do oprimido (técnica em que os participantes fazem jogos de cena, representando o cotidiano). Deu tão certo que hoje, na faculdade onde eu leciono, incentivo meus alunos a usarem o teatro terapêutico”, conta Thaís.


 Levy Seya Maeda, 28 anos, confirma que as experiências artísticas, ainda que particulares, são incentivos ao primeiro passo na direção da sobriedade. Ele, que dos 14 aos 24 de idade caminhou por todos os tipos de drogas, foi resgatado quando trocou as pedras de crack pelas miçangas coloridas.

“Aprendi a fazer pulseiras, presenteei a família toda. Não tenho talento manual, os acessórios são bem ‘mais ou menos’ mas o artesanato me colocou no mundo sem ser clandestino. Tanto que é uma ferramenta que uso bastante na clínica (Novo Mundo, em Itu – interior paulista) para dependentes químicos, onde hoje trabalho e da qual virei coordenador.”

Sem mágica


A dependência química é doença considerada epidemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS). As causas são múltiplas, passam pela genética e exigem terapia, medicamentos, em alguns casos internação, resume o psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Dartiu Xavier.

Neste contexto, não há um psiquiatra ou psicólogo que defenda a arte como remédio mágico para o uso compulsivo de drogas. Índio, o artista da Cracolândia paulistana, só pondera que talvez, “se conhecessem meu trabalho, as pessoas parassem de ter medo de mim. Elas me olhariam como ser humano e não monstro”, diz ele, enquanto finaliza o quadro para embelezar as paredes de algum lugar, “ainda não definido”.


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