Tradutor (incluindo Português)

24/04/2013

Gosto da cerveja é suficiente para ativar sistema de recompensa cerebral


Gosto da cerveja é suficiente para ativar sistema de recompensa cerebral

Pesquisa mostrou que não é necessário que o álcool surta efeito para que a atividade da dopamina no cérebro humano seja elevada

(Thinkstock)
Um estudo publicado na revista Neuropsychopharmacology nesta segunda-feira mostrou que basta o sabor da cerveja — sem qualquer efeito alcoólico — para ativar o sistema de recompensa do cérebro humano. Segundo os neurologistas da Universidade de Indiana envolvidos na pesquisa, isso mostra que os estímulos sensoriais relacionados ao consumo do álcool são suficientes para dar início aos mecanismos responsáveis por seu abuso, mesmo quando seus efeitos farmacológicos não são sentidos.

Os pesquisadores usaram aparelhos de tomografia para escanear o cérebro de 49 homens enquanto consumiam cerveja ou bebidas isotônicas. O objetivo foi procurar por evidências de uma mudança na atividade da dopamina, um neurotransmissor responsável pela sensação de recompensa e relacionado ao abuso de álcool e outras drogas.
A cerveja foi racionada em minúsculas porções de apenas 15 mililitros (uma colher de sopa) servidas a cada 15 minutos, de forma que a resposta do cérebro pudesse ser avaliada sem a influência tóxica do álcool.
Como resultado, os cientistas descobriram que apenas sentir o gosto da cerveja foi o suficiente para ativar os receptores de dopamina do cérebro. Este efeito foi maior do que o percebido após os voluntários consumirem o isotônico, mesmo que muitos tenham dito preferir o gosto desse. "Esta é a primeira experiência em humanos a demonstrar que apenas sentir o sabor de uma bebida alcoólica, sem qualquer efeito intoxicante alcoólico, pode trazer à tona a atividade da dopamina nos centros de recompensa do cérebro", afirmou David Kareken, professor de neurologia que chefiou os experimentos.
O estudo destaca que o efeito da dopamina foi significativamente maior entre os voluntários com histórico familiar de alcoolismo.
Recompensa e vício -  Os pesquisadores sabem há muito tempo que os estímulos sensoriais que costumam estar associados à intoxicação por uma determinada droga, como o som ou o cheiro de um bar, podem despertar a vontade incontrolável pela substância em pessoas viciadas — por vezes induzindo a recaída em alcoólatras em recuperação. Muitos neurologistas acreditavam que a dopamina tinha um importante papel nesses estímulos, mas não sabiam, até agora, como isso podia acontecer. 
Segundo os cientistas, o estudo deve ajudar a compreender os mecanismos neurológicos e genéticos que levam ao vício e ajudar a desenvolver técnicas para minimizar os gatilhos cerebrais que podem levar às recaídas.

Artigo Completo, clique aqui.

23/04/2013

Evidências soterradas pelo projeto de lei sobre drogas

Evidências soterradas pelo projeto de lei sobre drogas

Luís Fernando Tófoli*
Em suas manifestações públicas em relação ao projeto de drogas que redigiu, o deputado Osmar Terra (PMDB-RS), médico e ex-secretário de Saúde de seu estado, tem sido profícuo ao citar dados. Em uma declaração ao jornal O Globo, ao criticar o viés “ideológico” daqueles que objetam contra seu projeto, não hesitou em dizer que “cada parágrafo” dele seria “baseado em evidências científicas”.
Dados científicos são frequentemente incompletos, sujeitos a contingências metodológicas e difíceis de interpretar. A própria construção do que é uma evidência científica e a decisão de nortear políticas a partir delas são também opções ideológicas, embora os médicos não se deem conta disso. No século XXI já parece ser bastante claro que não existe Ciência absolutamente neutra, e que é na análise de estudos que apontam posições e resultados contraditórios que poderemos nos aproximar da realidade. Esse é, por excelência, o caminho possível no campo das políticas públicas sobre drogas.
O PL 7663/2010 de Osmar Terra – transformado no substitutivo do deputado Givaldo Carimbão (PSB-AL) – está longe de ser uma peça legislativa baseada em dados científicos inquebrantáveis. Para começar, o projeto parte da concepção de que a dependência química é uma doença cerebral que leva a alterações permanentes causadas pelas drogas, uma doença para a qual não existe cura e para qual o único tratamento possível é a abstinência. Essa premissa é desafiada na literatura científica recente, e certamente não pode ser tomada como uma verdade para todos os casos. Como explicar, por exemplo, os vícios que não envolvem substância psicoativa, como o jogo patológico? Ainda que essa concepção da dependência fosse assumida como correta, caberia examinar se o projeto de lei, a fim de amenizar o terrível sofrimento social causado pelas drogas, está suficientemente assentado em evidências científicas. Vejamos aqui algumas que foram ignoradas no processo de elaboração do PL.
Em primeiro lugar, o projeto faz uma grande trapalhada ao emaranhar dependência química com uso de drogas. A literatura mostra claramente que o contingente de dependentes das drogas ilegais mais comuns no Brasil é algumas vezes menor do que o número total de usuários. Políticas e eventuais medidas para estes grupos devem ser distintas. Ao misturar os conceitos, o projeto dá a chance, por exemplo, de que um usuário leve de maconha seja submetido a uma versão contemporânea da internação forçada apresentada no filme Bicho de Sete Cabeças, de Laís Bodanzky.
Outra confusão feita pelo PL está na proposta de uma classificação das drogas por seu potencial de gerar dependência. A ideia é baseada em uma classificação feita pelo Reino Unido e não é delineada no texto legislativo, ficando para ser decidida posteriormente. Atualmente há críticas à própria classificação britânica, e um famoso estudo[1] publicado na respeitável revista científica Lancet colocou em cheque a própria noção de que seriam as drogas ilegais as mais daninhas para o indivíduo e a sociedade.
Não bastasse isso, o projeto ainda aumenta a pena para tráfico de drogas, sem distinguir usuários de traficantes de forma objetiva. Considerando o desproporcional aumento de apenados por tráfico no Brasil dos últimos anos – muitos deles com um perfil muito mais próximo de usuários do que de traficantes perigosos – tomar uma medida como essa sem determinar critérios objetivos de distinção é bastante temerário, ainda mais se considerarmos que o próprio endurecimento legislativo pode ser confrontado. Por exemplo, na Europa, o consumo por adolescentes é menor em países onde há menores restrições para o porte e uso pessoal de drogas. A resposta que o deputado Osmar Terra tem dado – que é o de que os “aviõezinhos” iriam carregar somente a quantidade permitida para porte e que “ninguém mais vai ser preso” – não é condizente com os dados do Observatório Europeu de Drogas e Dependência[2], que mostra que em países que se tornaram menos rigorosos com o uso e porte de drogas, as prisões por tráfico não diminuíram.
O autor do projeto já disse que as ações de consultório na rua – proposto como uma das alternativas às duas únicas formas de tratamento presentes no PL, a internação compulsória e o acolhimento voluntário em comunidades terapêuticas – não têm evidência de efetividade. Pode ser que o enfoque das provas científicas feito pelo deputado revele também um viés ideológico, já que o mais respeitável repositório de Medicina baseada em evidências, a Biblioteca Cochrane, indica que não há provas suficientes[3] para apoiar o modelo das comunidades terapêuticas no tratamento da dependência química. Além disso, segundoafirma Gilberto Gerra[4], do Escritório das Nações Unidas para o Crime e Drogas, também não há evidências que justifiquem o uso de internações forçadas a não ser em situações críticas de risco de vida e quando outras tentativas não tiverem dado certo – o que, aliás, já determina a atual lei brasileira que dispõe sobre os tipos de internação psiquiátrica.
Há muitos outros pontos problemáticos – como o financiamento de entidades religiosas, o cadastro de usuários de drogas, as formas estranhas de regulação de um sistema de tratamento paralelo ao Sistema Único de Saúde, só para citar alguns. Num projeto tão questionado – rejeitado ou fortemente criticado por notas técnicas do Governo e por ONGs, por pareceres de entidades como a Fundação Oswaldo Cruz, o Instituto dos Advogados Brasileiros e o Conselho Federal de Psicologia, e até pela opinião de políticos de posições opostas na arena eleitoral como o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) – a presença de evidências científicas que contradigam seus parágrafos deve ser mais um elemento para, no mínimo, refrear o regime urgente em que o projeto tramita e, no limite, sepultá-lo em definitivo na busca de respostas mais consensuais.
Mas, no Brasil, onde “política baseada em evidências” se confunde com “evidências baseadas em política” e a mídia – com honrosas exceções – ajuda mais a embaralhar e estigmatizar a questão do que estimular o debate qualificado, é bem possível que as evidências sejam soterradas pela urgência política vinculada ao atual projeto em tramitação. Aguardemos para ver o que os legisladores brasileiros têm a responder diante deste projeto que representa um conjunto de retrocessos míopes à pesquisa científica e às reais e sérias demandas de cuidados que a questão do uso problemático de substâncias impõe a este país.

*Luís Fernando Tófoli é professor de Psiquiatria da Universidade Estadual de Campinas

ARTIGO COMPLETO, CLIQUE AQUI.

22/04/2013

LSD: 70 ANOS


LSD: 70 ANOS

Hoje é um dia muito especial para a ciência. Faz 70 anos que Albert Hofmann, químico suíço, ingeriu voluntariamente uma minúscula dose de LSD (em 19 de abril de 1943), uma molécula que havia inventado 4 anos antes (16 de novembro de 1938) e acidentalmente ingerido 3 dias antes (16 de abril de 1943). Os efeitos o surpreenderam tanto que decidiu testar de novo em si mesmo para confirmar se uma substância química, em doses minúsculas, poderia afetar a mente humana de tal forma a alterar por completo a percepção do que é real. Albert ingeriu apenas 250 microgramas, que no caso do LSD é uma dose forte. Mas pra se ter ideia, a aspirina faz efeito em doses ao redor de 300 mil microgramas.
Carinhosamente conhecido entre os aficcionados como dia da bicicleta, o 19 de abril serve como bom marco histórico do início da Ciência Psicodélica, um ramo da psicofarmacologia extremamente promissor, mas negligenciado e até mesmo demonizado. Verdade seja dita, a mescalina, princípio ativo dos cactos Peyote (Peyotl no original Nahuatl, a língua Azteca) e San Pedro, era conhecida há muito mais tempo, tendo os primeiros relatos ocidentais sobre o fascinante cacto Peyote aparecido ainda no século XIX, com a mescalina tendo sido isolada por Arthur Heffter ainda em 1894, sendo que ele próprio experimentou o alcalóide puro em 1897.
Mas com a turbulência cultural que viria a ocorrer nos anos 60 nos EUA, que atrelou a mescalina e principalmente o LSD à revolução cultural, aos protestos anti-guerra do Vietnam, aos direitos civis, igualdade racial, liberdade sexual e afins, o LSD foi demonizado por uma série absurda de acusações e falsidades que fizeram sua imagem, até os dias de hoje, estar associada a PERIGO.
Mas este viés está ficando pra trás, está virando história. Pois a ciência psicodélica avança. A prova mais contundente disto é que hoje começa, em Oakland, Califórnia, a conferência Psychedelic Science 2013, organizada pela MAPS: Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies com parceria da Beckley Foundation, do Heffter Research Institute e do Counsel for Spiritual Practices.
Mais de 1600 pessoas, de 33 países, já estão nos EUA para participar do congresso, que tratará do LSD, da mescalina, da ayahuasca, psilocibina e muito, muito mais. Além dos 3 dias principais, sexta, sábado e domingo, há workshops e cursos extra, tanto antes quanto depois do congresso.
Plantando Consciência, que hoje celebra dois anos de sua reunião de fundação, participa desta linha pioneira da neurociência, psicologia, psiquiatria e afins com palestras e filmagens. Dentre as mais de 100 palestras, com os grandes momentos do evento incluindo por exemplo a aula do expert David Nichols, “LSD neuroscience“, destacamos as de nossos membros e sócios-fundadores, Sidarta Ribeiro e Dartiu Xavier da Silveira.
Sidarta, neurocientista e professor da UFRN, falará da relação entre sonhos e os estados psicodélicos, baseando-se principalmente em estudos com neuroimagem que revelam as redes neurais envolvidas em cada processo. Quais as semelhanças, e quais as diferenças?
Já Dartiu Xavier, psiquiatra e professor da UNIFESP, falará sobre estudos da ayahuasca e sua relação com saúde mental, que ele estuda há mais de dez anos, tendo desenvolvido parcerias com Charles Grob e Rick Strassman, pioneiros da Ciência Psicodélica.
Vale também destacar a participação essencial de outros brasileiros com papel fundamental no desenrolar deste congresso. A antropóloga Beatriz Labate coordena a seção específica sobre Ayahuasca, a medicina sagrada da Amazônia, área de estudos a que se dedica com afinco por mais de uma década. Nesta seção, haverá palestra do físicoDraulio Araújo, professor da UFRN, sobre estudos de neuroimagem e ayahuasca, do doutor em ciências médicas Paulo Brabosa, professor da Universidade Estadual de Santa Cruz, e também do psiquiatra brasileiro Luís Fernando Tófoli, professor da UNICAMP, que também estuda a questão da saúde relacionada ao uso da ayahuasca. Tema, aliás, de livro coordenado por Bia Labate e José Carlos Bouso, que será lançado no evento.

Para comemorar o septuagenário LSD e homenagear Hofmann, que além de inventar esta molécula, descobriu a psilocibina, a psilocina e o LSA em cogumelos e plantas sagradas dos Aztecas, Mazatecas e outras tribos ancestrais, serão lançados ainda mais dois livros. O primeiro é um relançamento do clássico “LSD my problem child”, autobiografia do gênio da ciência psicodélica, em nova tradução direto do alemão, feita pelo pioneiro da psiconáutica, Jonathan Ott. O segundo é uma nova biografia lindamente ilustrada, feita por Suíços que conviveram de perto com Hofmann: Dieter Hagenbach e Lucius Werthmuller, com prefácio de Stanislav Grof. O nome sintetiza bem o personagem: “Mystic Chemist”.

Este ano, também estaremos presentes atrás das câmeras, com Marcelo Schenberg filmando e entrevistando cientistas e conferencistas para o documentário Medicina, que você pode ajudar através de doações.
Nos próximos meses, vamos aos poucos postando as palestras do congresso, que como sempre, serão filmadas e disponibilizadas pela MAPS na internet, de graça (vale a pena ver o conteúdo dos congressos organizados pela MAPS em2010 e 2011, que também contou com presença do Plantando Consciência, com palestras de Eduardo Schenberg e Sidarta Ribeiro sobre ayahuasca e neurociência). Possivelmente, faremos legendas das palestras, contando para isso com a ajuda de voluntários. Se você deseja nos ajudar, entre em contato conosco!
Neste momento, dividimos com todos a alegria e entusiasmo de ver estes avanços acontecerem, deixando para trás o pânico moral e o sensacionalismo de eras passadas. É nosso profundo desejo que o estudo da consciência avance desimpedido, porém com respeito e seriedade, gerando frutos para a saúde mental, espiritual, física e social da humanidade.

Artigo na Integra, clique aqui.

21/04/2013

Por que a exceção não deve ser a regra

Por que a exceção não deve ser a regra
RAFAEL FRANZINI E AMERIGO INCALCATERRA
TENDÊNCIAS/DEBATES


A internação sem consentimento deve se aplicar a situações de absoluta emergência; deve ser a exceção, e não a regra
O consumo de drogas, especialmente o crack, nas ruas das cidades brasileiras tem gerado enorme debate público a respeito de qual seria a resposta mais eficaz para o problema. Propostas de ações voltadas à internação involuntária têm se multiplicado tanto nas ruas como na esfera legislativa.
No entanto evidências científicas apontam para a direção contrária: a lógica da saúde pode ser mais efetiva na redução do uso problemático de drogas.
Segundo diretrizes do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), a atenção e o tratamento devem estar de acordo com os princípios da ética do cuidado em saúde e respeitar a autonomia e a dignidade individuais. Além disso, os tratados internacionais de direitos humanos exigem garantias processuais para a detenção e privação de liberdade de qualquer pessoa.
Recentemente, o Ministério Público do Rio de Janeiro, a Defensoria Pública de São Paulo e duas missões das Nações Unidas demonstraram grande preocupação com a forma violenta, degradante e desumana com que usuários de drogas têm sido recolhidos das ruas brasileiras em nome de uma abordagem de saúde.
A tendência mundial crescente de propostas de tratamento sem consentimento gerou um posicionamento da ONU em 2012 contra centros de detenção/tratamento compulsório, destacando que a privação da liberdade arbitrária é uma violação das normas internacionais de direitos humanos.
Da mesma forma, um editorial de 2012 da revista "Addiction", uma das mais respeitadas do mundo no tema, diz que as internações involuntárias caíram em desuso em países desenvolvidos por serem ineficazes no tratamento da dependência de drogas e favorecerem a violação dos direitos humanos dos usuários.
A internação sem consentimento deve se aplicar a situações de absoluta emergência e ter como justificativa a proteção, quando houver risco para a segurança do sujeito e/ou de terceiros, e ser proporcional. Em outras palavras, a internação deve ser a exceção, e não a regra.
Mesmo nesses casos, é essencial observar princípios éticos e legais para que não haja violação dos direitos garantidos pelas convenções internacionais. Os procedimentos devem ser transparentes e legalmente estabelecidos para evitar uma aplicação ampla e arbitrária desse recurso.
Para tanto, as pessoas em internação involuntária devem ter o direito de recorrer a um tribunal para que seja decidida rapidamente a legalidade da privação de liberdade. Os casos judicialmente autorizados devem ser periodicamente revisados para determinar a necessidade da continuação da internação.
É certo que o uso problemático de drogas está vinculado a condições sociais de vulnerabilidade e risco, mas há poucas pesquisas e informações confiáveis sobre o número de usuários que realmente necessitariam de internação.
A experiência internacional demonstra que a reabilitação e a reintegração de usuários de drogas passam muito mais por intervenções que respeitem os direitos humanos dos usuários e sejam adequadas às suas necessidades sociais e de saúde do que pela sua segregação em centros de tratamento.

RAFAEL FRANZINI é representante do Escritório de Ligação e Parceria do Unodc (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime) no Brasil
AMERIGO INCALCATERRA
 é representante regional para a América do Sul do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Para ver o artigo completo, clique aqui.

18/04/2013

Associação envia carta ao ministro Padilha reclamando do ´esquecimento´ das políticas de redução de danos

Associação envia carta ao ministro Padilha reclamando do ´esquecimento´ das políticas de redução de danos


A Associação Brasileira de Redutores de Danos (ABORDA) enviou correspondência ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha, manifestando sua preocupação com o crescimento de políticas conservadoras e fundamentalistas na área do combate às drogas e com o “esquecimento” gradativo que o assunto tem tido diante da realidade brasileira. 

“Apesar dos índices de usuários de drogas com HIV ser elevado - estudos realizados em dez municípios brasileiros, entre 2008 e 2009, estimaram taxas de prevalência de HIV de 5,9% entre usuários de drogas - a última campanha para esta população foi em 1999”, afirma Domiciano Siqueira, presidente da ABORDA. 

Os ativistas da instituição comentam que a estratégia de redução de danos de álcool e outras drogas mostrou no Brasil, e em outros países, importante contribuição para o controle das Hepatites Virais e da Aids. Desde as primeiras experiências na década de 1980, com ações para a troca de seringa para usuários de drogas injetáveis, houve uma sensível queda nos casos notificados desta população. 

Na carta, o presidente afirma que “um exemplo recente (do “esquecimento”) é a diminuição do apoio do Ministério da Saúde, através do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, na interlocução com a sociedade civil atuante neste campo”. E completa: “O número de usuários de drogas portadores destas patologias é crescente sem que qualquer ação de prevenção direcionada, ou de assistência humanizada integrada, tenha sido promovida nos últimos anos”. 

A organização atua há quinze anos no âmbito da saúde pública dos e direitos humanos, reunindo ativistas de todo o país. Eles afirmam sempre ter cultivado filosofias que vão além do proibicionismo com relação às drogas, e solicitam uma audiência com o ministro para discutir o assunto. 

Redação da Agência de Notícias da Aids


Leia a carta na íntegra abaixo. 


Senhor Ministro,

A Associação Brasileira de Redutoras e Redutores de Danos (ABORDA), organização que atua há quinze anos no âmbito da Saúde Pública e Direitos Humanos, vem através desta manifestar sua profunda preocupação com o “esquecimento” gradativo que esta política tem tido diante do enfrentamento da realidade do uso e abuso e álcool e outras drogas no Brasil.

Embora seja uma política pública oficial preconizada na Política de Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas (2003), e respaldada pela Portaria Nº 1.059/GM de 4 de Julho de 2005 do Ministério da Saúde, que destina incentivo financeiro para o fomento de ações de redução de danos em Centros de Atenção Psicossocial para o Álcool e outras Drogas - CAPSad , o que tem se notado nos últimos tempos é um desmantelamento da concepção original da abordagem e uma gradativa desvalorização da sociedade civil com atuação neste campo.

A opção que tem sido feita pela internação compulsória aos usuários de drogas e a “entrega” de seu cuidado, de forma terceirizada e muitas vezes despreparada, a instituições com inspiração religiosa fere o caráter laico do Estado brasileiro, consagrado na Constituição Federal. Enquanto assistimos atônitos o crescimento de mortes e o inchamento de serviços de saúde por vítimas da repressão, da violência policial e da exclusão da qual o Estado é muitas vezes promotor, notamos também que todos os anos de acúmulo, reflexão e experiência da Política de Redução de Danos não tem sido considerados na formulação de estratégias de saúde e na priorização de ações com apoio público.
Um exemplo recente é a diminuição do apoio do Ministério da Saúde, através do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais na interlocução com a sociedade civil atuante neste campo. O número de usuários de drogas portador destas patologias é crescente, sem que qualquer ação de prevenção direcionada, ou de assistência humanizada integrada, tenha sido promovida nos últimos anos. Além disto, o apoio para que Organizações da Sociedade Civil possam dar continuidade às ações desenvolvidas, muitas vezes de forma precária, tem se encolhido ficando o tema em plano inferior no conjunto de demandas públicas.

Exemplo próximo são os recentes editais de financiamento do Departamento citado que tem contemplado de forma muito rara e tímida, ações e eventos propostos pelas ONGs com atuação em Redução de Danos. A ABORDA não consegue realizar um encontro nacional há quase três anos e tem batido às portas do Ministério da Saúde em busca de apoio para isto, sem receber acenos de possibilidades de parcerias. Enquanto isto a demanda se mantêm crescente principalmente diante dos vínculos formados pelos redutores e redutoras junto aos usuários, o que gera ambiente de confiança e possibilidade de se estudar a formulação de políticas públicas mais efetivas.

Diante do exposto, e do quadro grave que o país atravessa com ameaças conservadoras de toda a ordem e necessidade urgente de se repensar a política de drogas além do proibicionismo - filosofias que a ABORDA sempre cultivou- solicitamos a oportunidade de uma audiência com V. Exc. e o exame da possibilidade de firmarmos parcerias. 

Temos experiência acumulada em campo, produção sistematizada, atuação nacional, credibilidade conquistada em 15 anos de trabalho, vasta participação em conselhos e espaços de Direitos Humanos, articulação e proximidade com as populações vulneráveis. Nos falta apenas a sensibilidade governamental para que a bandeira da Redução de Danos possa atuar em parceria em prol desta população tão necessitada.

No aguardo de um retorno favorável, agradecemos,

Atenciosamente

Domiciano Siqueira
Presidente da ABORDA


PARA VER ARTIGO DA AGENCIAAIDS COMPLETO, CLIQUE AQUI.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...